Miguel Guedes* | Jornal
de Notícias | opinião
Há 30 anos, 21 de Abril de 1989,
polícias (os "molhados") que se manifestavam na Praça do Comércio
pelo direito de associação sindical foram brindados com os cães e canhões de
água dos seus colegas do Corpo de Intervenção da PSP (os "secos").
Muitos consideraram que a
convicção dos confrontos, mais do que perigosa para os estados gripais, não era
inócua para a estado de saúde da democracia. Foi a primeira e última vez que
assistimos a canhões de água a disparar contra pessoas. Há 6 anos, sindicatos e
associações das forças de segurança invadiram as escadarias da Assembleia da
República em confrontos muito tensos com os seus colegas. Soaram alertas.
Três décadas depois, já com um
associativismo sindical que se devia querer maduro, as imagens dos "friendly
fire" de 1989 e 2013 permanecem simbólicas da relevância que as forças
policiais agregam em nome da defesa da democracia e do Estado de Direito. Ontem
no Parlamento, com alguma previsibilidade, assistimos à tentativa de
instrumentalização de uma manifestação supostamente apartidária por elementos
da extrema-direita e por um deputado a soldo da sua agenda. O perigo também
mora em casa. A Polícia portuguesa tem que ser obrigada a olhar para dentro.
As reivindicações das forças de
segurança são indiscutíveis e escapa a qualquer ordem racional que não tenham
sido atendidas por sucessivos governos. É imperioso que haja progressão nas
carreiras, actualização salarial, pagamentos de subsídios de risco, abertura de
concursos para contratação de profissionais, contagem integral do tempo de
serviço, melhoria e remodelação das infra-estruturas e do parque automóvel. Mas
depois da simbologia associada ao "Movimento zero", percebemos que a
maturidade das reivindicações não acompanha a maturidade do movimento sindical.
Este mergulho às profundezas
aproxima-se do abismo e não há sinal-ok-de-mão que nos diga que está tudo em
segurança. A incapacidade das polícias em impedir que um movimento agite
simbologia associada à supremacia branca e à extrema-direita, instrumentalizando
as suas legítimas aspirações, é assustadora sobre a sua dimensão de futuro ao
serviço dos cidadãos. Que ninguém se convença pela teoria do desconhecimento.
Nunca poderia ter acontecido mesmo que até pudesse não ser bem o que parece.
Era Doce.
O "Movimento zero" quer
ocupar a vaga deixada pela morte do "Movimento dos coletes amarelos"
em Portugal. Ironicamente dissuadidos, o ano passado, por enorme dispositivo
policial, os coletes amarelos portugueses (que nunca exibiram sinais de ok)
devem agora olhar para a sua marcha fúnebre com algum júbilo e esperança.
Parece haver sucessão. Só um ano depois, com o enorme "upgrade" de
não serem simples cidadãos a assegurar a linhagem. São mesmo forças policiais a
ostentarem simbologia inimiga do Estado de direito.
*Músico e jurista
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