quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Fernando Pessoa | CPLP escolhe escravocrata racista para projecto juvenil


"Fernando Pessoa, dono desse ignóbil pensamento, é a figura escolhida pela CPLP para patrono de um projecto de intercâmbio universitário no Espaço de Língua Portuguesa. Essa iniciativa, cópia do programa europeu Erasmus, visa a educação, formação e mobilidade de jovens do espaço de língua portuguesa, oferecendo-lhes oportunidades de estudo, aquisição de experiência e voluntariado por um período curto num dos países da CPLP à sua escolha. Que Portugal, país onde a mentalidade esclavagista fascista ainda é dominante, tenha escolhido promover, branquear essa figura sinistra não me espanta. Agora, o que verdadeiramente me deixa perplexa é a aceitação pelos países africanos, as vítimas da escravatura." 
 Luzia Moniz* | opinião


Aos 28 anos escreveu: “A escravatura é lógica e legítima; um zulu (negro da África do Sul) ou um landim (moçambicano) não representa coisa alguma de útil neste mundo. Civilizá-lo, quer religiosamente, quer de outra forma qualquer, é querer-lhe dar aquilo que ele não pode ter.

O legítimo é obrigá-lo, visto que não é gente, a servir aos fins da civilização. Escravizá-lo é que é lógico. O degenerado conceito igualitário, com que o cristianismo envenenou os nossos conceitos sociais, prejudicou, porém, esta lógica atitude”.

Em 1917, aos 29 anos continua: “A escravatura é a lei da vida, e não há outra lei, porque esta tem que cumprir-se, sem revolta possível. Uns nascem escravos, e a outros a escravidão é dada.”

Aos 40 anos consolida a sua ideologia racista, escrevendo: “Ninguém ainda provou que a abolição da escravatura fosse um bem social”. E ainda: “Quem nos diz que a escravatura não seja uma lei natural da vida das sociedades sãs”?

Fernando Pessoa, dono desse ignóbil pensamento, é a figura escolhida pela CPLP para patrono de um projecto de intercâmbio universitário no Espaço de Língua Portuguesa. Essa iniciativa, cópia do programa europeu Erasmus, visa a educação, formação e mobilidade de jovens do espaço de língua portuguesa, oferecendo-lhes oportunidades de estudo, aquisição de experiência e voluntariado por um período curto num dos países da CPLP à sua escolha. Que Portugal, país onde a mentalidade esclavagista fascista ainda é dominante, tenha escolhido promover, branquear essa figura sinistra não me espanta. Agora, o que verdadeiramente me deixa perplexa é a aceitação pelos países africanos, as vítimas da escravatura.

Se foi para a isso que Portugal fez a guerra para assumir o secretariado executivo da CPLP, tudo indica que a coisa começa mal.

Denunciei isso mesmo, esta quarta-feira, na Assembleia da República de Portugal, durante a cerimónia de abertura do ano da CPLP para a Juventude, onde estavam deputados portugueses, governantes dos Estados da CPLP, jovens, activistas, intelectuais e académicos afro-descendentes, brasileiros, portugueses e africanos. 

Não sei se Pessoa é ou não bom poeta. Isso pouco interessa para o caso. A minha inquietação é o uso da CPLP para branquear o pensamento de um acérrimo defensor do mais hediondo crime contra a Humanidade: a escravatura.

Atribuir o seu nome a um projecto que envolve jovens, descendentes dos escravizados, configura um insulto fascista.

Na AR alguém, para tentar justificar o injustificável, alegou que as convicções esclavagistas fascistas de Pessoa reflectem o pensamento da sua época, ignorando que, por exemplo, Eça de Queirós, contemporâneo de Pessoa, era contra a Escravatura e que, quando Pessoa escreve tais alarvidades, já a escravatura tinha sido abolida oficialmente. Outros diziam que precisamos de olhar para o futuro, esquecendo o passado. Como se Pessoa fosse futuro. Pessoa representa o que é preciso combater hoje para defender o futuro. Como construir um futuro salutar sem olhar para os erros do passado?

E se nos cingirmos apenas ao “pensamento da época”, qualquer dia temos o nome de outro colonialista-fascista António de Oliveira Salazar atribuído ao Conselho de Finanças da CPLP, com o argumento de que “tinha as contas em ordem” e de que foi “fascista à época”.

Se se pretende criar uma comunidade envolvendo as populações e não se limitando aos políticos, mais ou menos distraídos, é imperativo que o nome de Fernando Pessoa não figure em projectos comuns. Em sua substituição, sugeri Mário Pinto de Andrade, académico, um dos mais brilhantes intelectuais do espaço de língua portuguesa.

Angolano que iniciou o seu percurso académico em Angola, passando por Portugal antes de ser ministro da Informação e Cultura na Guiné Bissau, que teve passaporte cabo-verdiano e deu aulas em Moçambique.

Espera-se dos países africanos membros que revertam essa situação, opondo-se ao nome de Fernando Pessoa, mesmo que com esse digno gesto se crie um novo irritante. Os irmãos de Cabo verde, que neste momento presidem a CPLP, têm uma responsabilidade acrescida nesta questão. Se Portugal olha para a CPLP como um instrumento de dominação dos outros, cabe-nos a nós, africanos, impedir que isso aconteça.

*Jornal de Angola, opinião

Moçambique | Reina o silêncio sobre detenção do jornalista Amade Abubacar


Defesa de Amade Abubacar continua à espera de uma resposta ao segundo pedido de liberdade provisória, feito na semana passada. Jornalista está detido há mais de um mês na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique.

Há uma semana que a defesa do jornalista Amade Abubacar espera uma resposta a um pedido de liberdade provisória, sob pagamento de caução. Este já é o segundo pedido desde que o jornalista foi detido a 5 de janeiro na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, quando fotografava famílias que fugiam da região com medo de ataques. O primeiro não foi respondido atempadamente.

Amade Abubacar é acusado de crimes de violação do segredo de Estado e incitação à desobediência com recurso a meios informáticos.

Sem gravar entrevista, Jonas Wazir, presidente do núcleo em Cabo Delgado da organização de defesa da liberdade de imprensa MISA-Moçambique diz, no entanto, que, desta vez, espera uma resposta favorável.

A DW África tentou falar com o Tribunal Judicial Provincial de Cabo Delgado acerca do andamento do processo, mas foi-nos informado que o porta-voz do tribunal encontra-se ausente.

Jornalista escrevia para o jornal "Carta de Moçambique"

Na segunda-feira (11.02), o jornal "Carta de Moçambique" publicou no seu portal um artigo em que assume que, na altura da detenção, Amade Abubacar trabalhava como seu correspondente em Macomia e escrevia sobre os ataques armados que ocorrem em alguns distritos de Cabo Delgado.

"Contrariando uma narrativa das autoridades oficiais, segundo a qual o Amade Abubacar não estava a trabalhar para nenhum outro jornal no dia em que foi detido, o que nós fizemos foi desmentir isso, provando que ele estava a trabalhar para a Carta", explica o diretor do jornal, Marcelo Mosse.

"Achámos que era útil publicar esta informação para mostrar que qualquer suspeita de que ele não estava a trabalhar para nenhum outro órgão é infundada", sublinha o jornalista.

Amade Abubacar assinava na "Carta de Moçambique" com o pseudónimo Saíde Abibo. Com a colaboração do jornalista, a "Carta tornou-se numa das principais fontes de informação  sobre a insurgência em Cabo Delgado", revelou o jornal.

Em entrevista à DW África, o diretor Marcelo Mosse refere que as acusações do Ministério Público sobre Amade Abubacar são um equívoco, apelando por isso à classe jornalística a não cruzar os braços para defender o colega. Disse ainda que a "Carta de Moçambique" está disponível para testemunhar a favor de Abubacar em tribunal. "Ele é nosso colega e estamos dispostos a ir até às últimas consequências, para que se prove que, pelo menos, ele era nosso colaborador", diz Marcelo Mosse.

Amade Abubacar denunciou, no mês passado, à Ordem dos Advogados de Moçambique que foi torturado por militares, depois da sua detenção a 5 de janeiro. Várias organizações de defesa dos direitos humanos têm pedido a libertação imediata do jornalista. Abubacar não vê a esposa, os filhos e o irmão desde que foi detido.

Delfim Anacleto Uatanle (Pemba) | Deutsche Welle

Angola | Tirania, a força evocada por Jonas Savimbi


Dar passos no sentido da civilização implica distanciamento em relação à barbárie e aos bárbaros. Nesse sentido o estado angolano devia previlegiar as devidas honras fúnebres aos que foram vítimas diretas desse monstro e, ao não fazê-lo, não está a corrigir o que está mal nem a melhorar o que está bem. (MJ | PG)

Meus caros leitores, tenho resistido na escrita de artigos de opinião, não por que não queira desistir, afinal, escrever artigos de opinião, é um dos ofícios mais caros para mim. O silêncio, muitas vezes, diz mais. Entretanto, não poderia fugir eternamente da convocação da escrita. Mas, escrever sobre o que exactamente aconteceu em Angola, nesses tempos modernos em que dizer a verdade se tornou provocação, meus caros leitores, veio me acudir uma ideia que me aconselhou a versar sobre a tirania de Savimbi enquanto vivo, esse fenómeno que atribulou milhares de angolanos, desde os tempos dos conflitos armados pós - independência até a morte de Jonas Savimbi em combate.

João Henrique Rodilson Hungulo, opinião

Savimbi, em seu magnífico trabalho enquanto líder angolano, promoveu tragédias incontáveis, através da lança carniceira que caracterizava a morte penosa e maldita, que não permite a história recusá–la em exposição através da palavra oral ou escrita, deste grande titã sanguinário que contagiou com a desgraça profana a história de nossa condição angolana desde o início de nossa história da independência até ao momento do curso actual dos factos, caracterizados pela sua morte em combate.

Observando com especial apresso e atenção, a vida de Savimbi enquanto líder mostra – se como recurso precioso para interpretarmos correctamente o que aconteceu em tempos de conflitos armados em Angola.

Por mais que nos últimos anos todas as verdades, mesmo as mais arrojadas e necessárias para o processo de evolução do País, afirmadas sem medo e sem jaça, pareçam ser inconvenientes ao ouvido humano, porque hoje a mentira e a falsidade são os propósitos que mais expressão de louvor apresentam para os angolanos, tornando assim as verdadeiras histórias do País em retrógradas e antipáticas, ainda é verdade que nossos contemporâneos não sabem viver sem a verdade da história deste País, aliás, ainda que nossos ouvidos negam em tê–la, o homem só se torna livre enquanto tiver sobre sua posse a verdade.

A tirania e o orgulho de Jonas Savimbi

Os meios empregues por Savimbi para conservar a força, reprimir aqueles que tenham alguma superioridade de opinião ou ideia, fazer matar os homens que possuem sentimentos generosos, eram fortes e letais. Não nos esqueçamos das cruéis lições da história, segundo as quais Jonas Savimbi é acusado de ser o quarto maior assassino do mundo, responsável por aproximadamente 4  milhões  de mortes de angolanos, muitos dos quais inocentes.

Todos os tiranos mais modernos  e mais ousados usaram a prática da angústia experimentada por Jonas Savimbi. Hitler estimulava os filhos a delatarem os pais. Mussolini instava as mulheres a denunciarem os maridos. Pol Pot, no Cambodja, se comprazia em assassinar aquele que fora delatado pouco antes. Savimbi queimava e matava quem pensasse diferente ou não fosse leal às suas ordens.

Savimbi e a liberdade de matar

Savimbi matou um número considerável de seus generais e oficiais militares, seus soldados e o povo comum, suas esposas a partir da histórica Vinona, a Cândida, a sobrinha Navimbi Matos sobrinha da Ana Isabel (irmã da Romy esposa do Tito Chingunji) acabaria por morrer em 1983, queimada viva e mais tarde a Ana Isabel com quem ele teve filhos. Muitas famosas mulheres politicamente respeitadas na UNITA que são fanáticas dele até hoje, foram forçadas ou convidadas a dormir com ele para mostrar sua lealdade.

Tortura, a pedra angular da política savimbista

Muitas mulheres e meninas foram estupradas por Savimbi, auxiliado pela sua Segurança Presidencial, que estava sempre atenta para encontrar novas vítimas para o seu Presidente onde quer que ele visitasse.

Savimbi tem práticas de abuso sexual de meninas que se aproximavam da puberdade, que ele ou forçava a ter relações sexuais com elas ou incorporando-as na longa lista de esposas e concubinas.

Ele também gostava de molestar sexualmente moças que ele mantinha em sua casa como empregadas domésticas ou até mesmo afilhadas. Foi assim que, transformou a famosa Sandra Kalufelo, a sobrinha de sua esposa Ana Isabel, que eles tinham criado em casa como sua própria filha, transformou numa esposa que eventualmente substituiu sua tia como a esposa favorita oficial durante seus últimos anos.

Savimbi amava a corrupção

A maior mentira, é o retrato de Savimbi como um activista e líder anti-corrupção. Aqueles que são honestos com eles mesmos, sabem muito bem que havia discriminação entre as classes savimbistas criadas na república da Jamba. Enquanto a maioria da população, dependia de alimentos básicos e baratos, em sua maioria enlatados e embalados, seus favoritos se alimentavam de boa comida e acesso à sua cozinha Presidencial central que todo mundo sabe, tinhas os melhores pratos que normalmente, vê - se nos países em liberdade.

Também houve discriminação e exploração das mulheres na distribuição de outros bens materiais. Muita gente tinha que obter favores e uma nota especial para obter algo do armazém logístico central chamado “Administração.” Algumas mulheres tiveram que ceder a favores sexuais para obter materiais femininos.

Os alunos no estrangeiro, os subsídios dos filhos do presidente e alguns favoritos bufos que controlavam as comunidades de estudantes no exterior, estavam muito acima do resto do pessoal. A sua filha em Londres e sobrinho em Paris brincavam e exibiam os montantes de dólares, enquanto outros estudantes eram obrigados a viver com orçamentos rigorosos que eventualmente sofriam mais cortes orçamentais, por ter conseguido de obter bons materiais pessoais que muitos não souberam adquirir.

Conclusão

Savimbi foi um líder assassino, como os maiores tiranos. Como Mussolini e Hitler foram. Um assassino frio, que matou aqueles que mais leais aos seus interesses foram, e jamais temeria em fazê–lo caso um dia fosse chegar ao poder em Angola. Um assassino que sacrificou a vida de milhares de angolanos, tudo pelo poder que tanto almejava chegar um dia. Savimbi era caracterizado pela ousadia e tirania que marcaram ao longo de seu exercício político a sua vida enquanto líder.

Haja luz sobre as trevas!

Higino Carneiro e Manuel Rabelais impedidos de sair de Angola


Os deputados angolanos Higino Carneiro e Manuel Rabelais, ambos arguidos em processos que envolvem acusações de peculato, entre outros crimes, estão impedidos de sair do país, anunciou a Procuradoria-Geral da República.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana diz, em comunicado, que Manuel Rabelais, deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA, partido no poder, foi constituído arguido por haver indícios de factos que constituem "atos de gestão danosa de bens públicos, praticados enquanto diretor do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing (GRECIMA)", entre 2012 e 2017.

Manuel Rabelais, que foi impedido de sair do país no dia 24 de janeiro, quando pretendia viajar para Portugal, foi ouvido em interrogatório pelo Ministério Público, existindo indícios da prática dos crimes de peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais.

Face à gravidade das infrações, refere o comunicado divulgado na quarta-feira (13.02), ao deputado foram aplicadas as medidas de coação pessoal de termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e a interdição de saída do país.

O processo segue os trâmites para a sua conclusão e o arguido pode "continuar a desempenhar as suas funções de deputado à Assembleia Nacional", refere a nota da PGR.
Higino Carneiro investigado por corrupção

Relativamente ao deputado Higino Carneiro, interrogado pela primeira vez na terça-feira, na Direção Nacional de Investigação e Ação Penal (DNIAP), a PGR avança que há suspeitas de gestão danosa de bens públicos, praticados enquanto governador da província de Luanda, no período entre 2016 e 2017.

Da sua audição, resultaram indícios da prática dos crimes de peculato, violação de normas de execução do plano e orçamento, abuso de poder, associação criminosa, corrupção passiva e branqueamento de capitais.

Pela gravidade das infrações, o Ministério Público aplicou como medidas de coação pessoal o termo de identidade e residência, obrigação de apresentação periódica às autoridades e a interdição de saída do país.

Enquanto prossegue o processo até à sua conclusão, o deputado pode continuar a exercer as suas funções no Parlamento angolano.

Agência Lusa | Deutsche Welle

Para saber tudo sobre o golpista Juan Guaidó


Formou-se em "revoluções coloridas" e "mudanças de governo" numa escola sérvia de terrorismo patrocinada pelos Estados Unidos; integrou a "Geração 2007", elite desestabilizadora venezuelana paga por Washington; fez estágios nas arruaças sangrentas e assassinas de 2014 e 2017 chamadas "guarimbas"; a sua carreira foi relativamente discreta até se proclamar "presidente" da Assembleia Nacional e da Venezuela depois de ter recebido um telefonema do vice-presidente dos Estados Unidos, não tendo sido eleito para qualquer dos lugares. 

É o escolhido por Trump para administrar, a rogo, as maiores reservas petrolíferas mundiais; e, por inerência subserviente ao mesmo Trump, é também o escolhido pela União Europeia e pelo governo de Portugal para "presidente legítimo" da Venezuela e "restaurar a democracia" no país. 

Conheça Juan Gaidó, o golpista venezuelano que o mundo "civilizado" e a fina flor dos media fast news veneram sem verdadeiramente curarem de saber quem é.


Na imagem: Otpor, a "escola" em Belgrado patrocinada pelo governo dos Estados Unidos onde se formam quadros para "revoluções coloridas" e outras formas de "mudanças de governo"; a escola onde "estudou" Juan Guaidó

Revolução tecnológica num mundo regredido? - Boaventura


Boaventura adverte: o tempo em que emergem a automação, a robótica e a inteligência artificial é o mesmo em que declinam as ideias de igualdade, justiça e direitos. As distopias batem à porta, é preciso agir

Boaventura de Sousa Santos | Outras Palavras

Quando o respeitado Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, renunciou ao cargo em 2018, a opinião pública mundial foi manipulada para não dar atenção ao fato e muito menos avaliar o seu verdadeiro significado. A sua nomeação para o cargo em 2014 fora um marco nas relações internacionais. Era o primeiro asiático, árabe e muçulmano a ocupar o cargo e desempenhou-o de maneira brilhante até ao momento em que decidiu bater com a porta por não querer ceder às pressões que desfiguravam o seu cargo, desviando-o da sua missão de defender as vítimas de violações de direitos humanos para o tornar cúmplice de tais violações por parte de Estados com importância no sistema mundial. No seu discurso e entrevistas de despedida mostrava-se revoltado com o modo como os direitos humanos se vinham transformando em párias das relações internacionais, empecilhos nas estratégias autoritárias e unilaterais de domínio geoestratégico. Reconhecia que o exercício do seu cargo o obrigava a opor-se à maioria dos países que tinham aprovado a sua nomeação sob pena de trair a sua missão. Chamava também a atenção para o fato de o perfil da ONU refletir fielmente o tipo dominante de relações internacionais e que, por isso, tanto podia ser uma organização brilhante como uma organização patética, dando a entender que este último perfil era o que começava a vigorar. Era um grito de alerta para os perigos que o mundo corria com o avanço de populismos nacionalistas de direita e de extrema-direita que há muito vinha sinalizando. Ao denunciar a crescente vulnerabilidade de uma boa parte da população mundial a violações graves de direitos humanos, tornou-se ele próprio vulnerável e teve de abandonar o cargo. O grito de alerta caiu no silêncio da diplomacia, dos alinhamentos e das conveniências típicas do internacionalismo patético que ele denunciara.

Tudo isto ocorreu no ano em que se celebravam os setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e em que muitos, eu próprio incluído, defendiam a necessidade de uma nova declaração, mais robusta e mais verdadeiramente universal. Essa necessidade mantém-se mas neste momento o mais importante é identificar as forças e os processos que estão a bloquear a declaração atual e a fazer dela um documento tão descartável quanto as populações vulneráveis a violações dos direitos humanos que a declaração pretendia defender. É bom lembrar que esta declaração visava mostrar a superioridade moral do capitalismo frente ao comunismo. O capitalismo prometia, tal como o comunismo, o crescente bem-estar de populações cada vez maiores, mas fazia-o com respeito dos princípios da Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. Era o único sistema compatível com a democracia e os direitos humanos.

Ora, a onda conservadora e reacionária que assola o mundo é totalmente oposta à filosofia que presidiu à elaboração da Declaração Universal e constitui uma ameaça séria à democracia. Assenta na exigência de uma dupla disciplina autoritária e radical que não se pode impor por processos democráticos dignos do nome. Trata-se da disciplina econômica e da disciplina ideológica. A disciplina econômica consiste na imposição de um capitalismo auto-regulado, movido exclusivamente pela sua lógica de incessante acumulação e de concentração da riqueza, livre de restrições políticas ou éticas, em suma, o capitalismo que dantes designávamos como capitalismo selvagem. A disciplina ideológica consiste na inculcação de uma percepção ou mentalidade coletiva dominada pela existência de perigos iminentes e imprevisíveis que atingem todos por igual e particularmente os coletivos que nos estão mais próximos, sejam eles a família, a comunidade ou a nação. Tais perigos criam um medo inabalável do estranho e do futuro, uma insegurança total perante um desconhecido avassalador. Em tais condições, não resta outra segurança senão a do regresso ao passado glorioso, o refúgio na abundância do que supostamente fomos e tivemos.

Ambas as disciplinas são de tal ordem autoritárias que configuram duas guerras não declaradas contra a grande maioria de população mundial, as classes populares miserabilizadas e as classes médias empobrecidas. Esta dupla guerra exige um vastíssimo complexo industrial ideológico-mental espalhado por todo o mundo, incluindo as nossas vizinhanças, as nossas casas e a nossa intimidade. São três as fábricas principais deste complexo, a fábrica do ódio, a fábrica do medo e a fábrica da mentira. Na fábrica do ódio produz-se a necessidade de criar inimigos e de produzir as armas que os eliminem eficazmente. Os inimigos não são aqueles poderes que o pensamento crítico esquerdista satanizou, o capitalismo, o colonialismo e o hétero-patriarcado. Os verdadeiros inimigos são aqueles que até agora se disfarçaram de amigos, todos aqueles que inventaram a ideia de opressão e mobilizaram os ingênuos (infelizmente uma boa parte da população mundial) para a luta contra a opressão. Disfarçaram-se de democratas, de defensores dos direitos humanos, do Estado de direito, do acesso ao direito, da diversidade cultural, da igualdade racial e sexual. Por isso são tão perigosos. O ódio implica a recusa de discutir com os inimigos. Os inimigos eliminam-se.

Na fábrica do medo produz-se a insegurança e os artefatos ideológico-mentais que produzem a segurança, segurança que para ser infalível necessita de vigilância permanente e de constante renovação das tecnologias de segurança. O objetivo da fábrica do medo é erradicar a esperança. Tornar o atual estado de coisas no único possível e legítimo contra o qual só por loucura ou utopia destemperada se pode lutar. Não se trata de ratificar tudo o que existe. Trata-se de limpar do que existe tudo o que impediu o passado glorioso de se perpetuar. Por sua vez, na fábrica da mentira produzem-se os fatos e as ideias alternativas a tudo o que tem passado por verdade ou busca de verdade, como sejam as ideias da igualdade, da liberdade negativa (liberdade de constrangimentos) e positiva (liberdade para realizar objetivos próprios, não impostos nem tele-comandados), do Estado social de direito, da violência como negação da democracia, do diálogo e reconhecimento do outro como alternativa à guerra, dos bens comuns como a água, a educação, a saúde, o meio-ambiente saudável. Esta fábrica é a mais estratégica de todas porque é aquela em que os artefatos ideológico-mentais têm de ser embalados disfarçados de não-ideológicos. A sua maior eficácia reside em não dizerem a verdade a seu respeito.

A proliferação destas três fábricas é o motor da onda reacionária que vivemos. A proliferação tem de ser a maior possível para que nós próprios nos tornemos empreendedores do ódio, do medo e da mentira; para que deixe de existir diferença entre produção, distribuição e consumo. Os meios de comunicação hegemônicos, a “comentariologia”, as redes sociais e seus algoritmos e as igrejas seguidoras da teologia da prosperidade são poderosas linhas de montagem. Mas isto não significa que as peças que circulam nas linhas de montagem sejam produzidas anarquicamente em todo o mundo. Há centros de inovação e de renovação tecnológica para a produção massiva de artefatos ideológico-mentais cada vez mais sofisticados. Esses centros são os silicon valeys do ódio, do medo e da mentira. As tecnologias foram originalmente desenvolvidas para servir dois grandes clientes, os militares e suas guerras e o consumo de massa, mas hoje os clientes são muito mais diversificados e incluem a manipulação psicológica, a opinião pública, o marketing político, a disciplinação moral e religiosa. A sofisticação tecnológica está orientada para colapsar a distância com a proximidade (tweets e soundbites), a institucionalidade com a subliminaridade (mediante a produção em massa da máxima personalização), a verdade e a mentira ou a meia-verdade (hiper-simplicações, banalização do horror, transmissão seletiva de conflitos sociais).

No momento em que se diz estarmos em vésperas de uma nova revolução tecnológica dominada pela inteligência artificial, a automação e a robótica, dá ideia que as incessantes fábricas do ódio, do medo e da mentira querem orientar a revolução tecnológica no sentido da maior concentração do poder econômico, social, político e cultural e, portanto, no sentido de criar uma sociedade de tal maneira injusta que a justiça se transforme numa monstruosidade repugnante. É como se antes da chegada massiva da inteligência artificial a inteligência natural se fosse artificializando e automatizando para coincidir e se confundir com ela.

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A atração dos descamisados pelas direitas


Jorge Rocha | opinião

Sintética, a frase retirada do artigo de opinião de Francisco Louçã no «Expresso» de hoje, faz o ponto da situação dos dias que vamos vivendo: “O sinal dos tempos é este, a liberalização não se disfarça de justiça, orgulha-se de ser injustiça social e até quer que os descamisados aprovem a sua miséria.”

Quer nos novos partidos, que vão surgindo como cogumelos, quer no próprio discurso do CDS, vai-se verificando a pretensão de arrebanhar o mais possível os votos das camadas mais pobres e incultas da nossa sociedade para, às suas costas, decidirem-se políticas programadas para lhes infernizarem a vida.

Os exemplos podem vir de trás: não foi a lei das rendas congeminada por Assunção Cristas, quando estava no governo de Passos Coelho, a expulsar das casas em Lisboa os inquilinos aí residentes há décadas? Não favoreceria o seu amor pelas plantações de eucaliptos uma dimensão ainda mais desastrosa para os futuros incêndios nas semanas em que se conjugam os 3 trintas nas temperaturas, humidades e velocidades do vento?

Os pobres que ajudaram a eleger Trump ou Balsonaro nada ganharam com a sua lamentável opção eleitoral. Como nada beneficiaram os que votaram em Orban na Hungria e em Salvini ou Di Maio em Itália. Mas, enquanto não despertarem e não se virem liderados por quem, à esquerda, possa mostrar-lhes a direção correta para canalizarem a sua indignação, estarão fadados a protestarem muito, como os coletes amarelos em França, mas nada de substantivo conseguirem.

Portugal | ADSE: uma guerra injusta


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

Esta guerra entre Estado e empresas no sector da saúde, com as últimas a rasgarem contratos com a ADSE é profundamente injusta para os beneficiários que, recorde-se, pagam inteiramente este subsistema de saúde. Mais: as razões invocadas por essas empresas, designadamente pelo Mello Saúde e Luz esbarram na lei e denotam uma ganância que não se justifica nem num contexto de capitalismo selvagem.

A ADSE reclama 38 milhões de euros com base num parecer da Procuradoria-Geral da República, os privados que se julgam acima da lei apoiam-se na chantagem e rasgam contratos, manifestando um desprezo abjecto pela saúde das pessoas - o lucro, o sacrossanto lucro, fala sempre mais alto. E quanto às tabelas de preços, a gula sempre foi apanágio destas empresas, por conseguinte não se encontra qualquer razão de espanto.

Ora, o que esta guerra nos mostra é que a chantagem também pode ser cartelizada e que o Estado tem que ter cuidado extremo nas relações que estabelece com estas empresas, cuidado extremo. De resto, ninguém coloca em causa a procura de lucro por parte destas e de outras empresas privadas, o que se põe em causa é não só o desrespeito pela lei, como a voracidade que degenera num desprezo desumano por quem já está em sofrimento.
E depois há as coincidências: a discussão que tem agora lugar a propósito da Lei de Bases da Saúde que traz à colação o papel dos privados nesta área da Saúde. Coincidências.

Não seria má ideia olhar para o caso de Vasco de Mello (Grupo Mello) e para os 900 milhões que ficou a dever à Caixa Geral de Depósitos; tivesse o banco do Estado agido da mesma forma como o Grupo Mello age agora neste processo da cartelização de chantagem, brincando com as vidas das pessoas, e teria caído o Carmo e a Trindade.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

Imagem: José Sena Goulão/Lusa

Portugal | Aristides e Salazar voltam a encontrar-se em tribunal


A acusação é forte. E não há memória de um tribunal português ter tido necessidade de a julgar. Descendentes de Aristides de Sousa Mendes acusam seguidores de Salazar de negacionismo do Holocausto.

Até 2014, a vingança de Salazar sobre Aristides de Sousa Mendes parecia que iria durar para sempre. Ela estava bem à vista em duas vilas de Viseu. Em Santa Comba Dão, onde o ditador nasceu e está enterrado, a sua memória estava no essencial preservada e os esforços nesse sentido prosseguiam. Mas em Cabanas de Viriato, a escassos 23,5 quilómetros, a Casa do Passal, que foi da família Sousa Mendes até 1950 - quando foi vendida para saldar dívidas -, não passava de uma imponente ruína. Algo que remetia diretamente para os últimos 14 anos de vida do cônsul.

A ruína. Foi esse o preço que o diplomata pagou por, em junho de 1940, ter assinado no Consulado Português em Bordéus (França) milhares de vistos a judeus europeus que fugiam ao nazismo e que tentavam, através de Portugal (país neutro), chegar às Américas. Aristides de Sousa Mendes (1885-1954) fê-lo violando conscientemente ordens em sentido contrário vindas de Lisboa (Salazar era simultaneamente Presidente do Conselho e ministro dos Negócios Estrangeiros).

Tais ordens estavam inscritas na Circular 14, emitida em 11 de novembro de 1939, determinando esta, em síntese, que não podiam ser passados vistos sem autorização prévia de Lisboa a várias categorias de pessoas, entre as quais "os judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou daqueles de onde proveem".

Pelo que fez em Bordéus, o cônsul foi alvo de um processo disciplinar que, na prática, implicou o seu afastamento vitalício da carreira consular. Morreu indigente em 1954, com 68 anos, internado num hospital de Lisboa.

João Pedro Henriques | Diário de Notícias

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