terça-feira, 8 de outubro de 2019

Um encontro com Julian Assange na prisão


– Mesmo tendo cumprido em abril a sentença que o levou à prisão, Assange continua detido

– A Lei de Espionagem americana está sendo usada pela primeira vez contra um editor

– As acusações nos Estados Unidos por publicar informações de interesse público podem condená-lo a 175 anos de cadeia

Felicity Ruby [*]

Só conheci Julian Assange no cárcere. Faz nove anos que o visito na Inglaterra, trazendo notícias e solidariedade australiana.

Quando fui a Ellingham Hall [histórica propriedade rural em Norfolk onde Assange ficou em prisão domiciliar durante dois anos], levei música e chocolate. Quando fui à embaixada do Equador, levei camisas de flanela, cópias de Rake, uma série de TV australiana, um pote de Wizz Fizz, uma marca australiana de sorvete, e folhas de eucalipto. Mas para o presídio de Belmarsh não se pode levar nada – nenhum presente, nenhum livro, nenhuma folha de papel.

E, depois de ter passado por lá, voltei para a Austrália, um país tão distante que o abandonou em quase todos os aspectos.

Ao longo dos anos, aprendi a não perguntar a Julian "como você está?", porque é bem óbvio como ele está: detido, difamado, caluniado, sem liberdade, preso – em "celas" cada vez mais estreitas, frias, escuras e húmidas –, perseguido e punido por publicar informações. Aprendi a não reclamar da chuva ou comentar o lindo dia que está fazendo, porque ele não sai há tanto tempo que sentir até uma nevasca seria uma bênção. Aprendi também que não é reconfortante, mas sim cruel, falar sobre pores-do-sol, sobre as aves kookaburras, nativas da Austrália, ou sobre viagens de carro. Que não ajuda a assegurá-lo de que, como eu e meu cão, ele também encontrará rastros de animais nos parques naturais australianos quando algum dia voltar para casa, mesmo que eu pense nisso quase todos os dias.

A natureza prolongada e de crescente intensidade de seu confinamento me confronta enquanto, na primeira fila, eu espero na porta de entrada daquela prisão de tijolos marrons, no último dia 12 de setembro. No centro de visitantes, do lado oposto, cadastraram minhas digitais depois de eu ter mostrado dois comprovantes de residência diferentes e meu passaporte. Certifiquei-me de ter tirado absolutamente tudo de meus bolsos e guardei minha bolsa, ficando apenas com uma nota de 20 libras para comprar chocolate e sanduíches. Apesar do teatro de segurança que se segue, o dinheiro é roubado em algum momento durante o percurso por não menos de quatro corredores cujas portas traseiras são seladas antes que as portas dianteiras se abram, depois por um detector de metal, para em seguida ser revistada e ter minha boca e orelhas inspecionadas.

Depois de calçarem de novo os sapatos, os visitantes atravessam uma área externa e encaram a realidade da prisão: uma cerca de aço com arame farpado em lâmina de uns 4 metros de altura ao redor de toda a sua extensão. Eu me apresso até o próximo prédio e chego a uma sala onde 30 pequenas mesas estão fixadas no chão, cada uma com uma cadeira azul de plástico de frente para três cadeiras verdes.

Ele se senta em uma das cadeiras azuis.

Eu hesito agora, como sempre, em descrevê-lo. Isso também aprendi: é um impulso protetor contra o fascínio mórbido de alguns de seus defensores e também daqueles que apreciam seu sofrimento.

Manuel Loff: "O fascismo não morreu"


Fascismo, populismo e capitalismo, três dos «ismos» sobre os quais se debruça o historiador Manuel Loff, numa entrevista ao AbrilAbril, para analisar o momento político em que vivemos.

Trabalhas sobre o fascismo, ideologia que marcou o século XX. Mas os artigos que publicas e muito do conteúdo de algumas entrevistas que te são feitas falam sobre a actualidade. Há um diálogo entre o teu trabalho e a realidade política que vivemos hoje?

Há diálogo porque o fascismo não morreu. É muito importante percebermos que na história das ideias políticas e dos movimentos sociais cada conjuntura histórica produz novas ideias políticas e actualiza outras. E é evidente que as ideologias de uma forma ou de outra não morrem nunca.

A convicção sobre a qual se refundaram as democracias liberais a ocidente, a partir de 1945, e se criaram os novos regimes que se definiram a si próprios como socialistas na Europa Centro-Oriental, era de que o fascismo tinha morrido, uma vez confirmada a sua derrota militar. Mas foi uma convicção com validade provisória.

A extrema-direita que hoje nos aparece, não vou dizer que não seja uma novidade, porque corresponde a uma conjuntura histórica diferente da do passado. Mas é herdeira do fascismo dessa época e esteve sempre presente no espectro político europeu e à escala mundial desde 1945.

Esta «nova» extrema-direita só poderia ter o mínimo de sucesso popular, eleitoral e mediático uma vez reunidas de novo algumas das condições que habitualmente estão presentes no momento em que o fascismo ou os «neo-fascismos» têm aparecido e têm tido sucesso.

Ora, depois dos anos 80 dá-se uma mudança profunda no sistema económico internacional com a viragem económica a que se tem chamado de globalização e que é uma ulterior expansão do sistema capitalista a regiões do globo de onde tinha desaparecido, aliada a uma nova ordem internacional com a construção de um mundo unipolar resultante da implosão do sistema soviético.

Este novo contexto histórico caracteriza-se pelo esgotamento da capacidade de representação das democracias chamadas liberais e também o esgotamento, a partir da perestroika, dos modelos de socialismo que estavam vigentes em grande parte da Europa e abre espaço para que uma reinterpretação de uma velha ideologia aparecesse como nova. 

Chamar-lhe nos nossos dias de «populismo», ou simplesmente «extrema-direita», é uma forma sintética e até simplista de definir o que é a readaptação ao contexto actual do fascismo na sua versão neo-fascista.

Essa extrema-direita é inevitavelmente herdeira dos valores de uma ideologia que no contexto do final da Primeira Guerra Mundial estava a nascer e que procurava uma solução radical de direita, assumidamente violenta, para resolver o problema da legitimidade popular e política dos regimes liberais, que tinham perdido a sua capacidade de adesão e reunião de consenso.

Hoje começam a surgir estes novos movimentos que, em grande medida, são herdeiros do fascismo de há 100 anos e que pretendem disputar à esquerda a sua capacidade de contestação, procurando roubar-lhes a bandeira da ruptura.

Ao contrário do fascismo dos anos 20, hoje têm o cuidado de nunca pôr formalmente em causa a natureza liberal-democrática dos regimes, embora assumindo um discurso ultra-securitário do ponto de vista de criação de inimigos externos, que têm manifestação interna a partir da imigração.

Mais lidas da semana