“Fala-se muito da hipótese de a
China enviar tropas para Hong Kong, mas Pequim não é assim tão estúpida”
É uma das todas poderosas da
política de Hong Kong, e do partido pró-Pequim, que serve de apoio ao Governo
de Carrie Lam. Regina Ip foi a primeira mulher a desempenhar cargos ao mais
alto nível no Governo da RAEHK, como secretária da Segurança.
Em entrevista ao
PONTO FINAL (Macau), fala de uma conspiração orquestrada pelos manifestantes
para obrigar Pequim a entrar na cidade, e assim os que protestam poderem
argumentar que são vítimas de uma repressão sangrenta como a que aconteceu em
Tiananmen, em 1989. Ip não acredita que isso vá acontecer. Pelo caminho, refere
várias vezes que Hong Kong não é a China. “Continuo a dizer, não nos confundam
com a China interior”.
Regina Ip Lau Suk-yee tem quase
70 anos, mas a energia e a determinação que põe em cada palavra não o revela.
Esta mulher já foi quase tudo na vida política de Hong Kong, e tem sido
apontada como uma possível sucessora de Carrie Lam, caso haja a decisão de esta
ter de abandonar a liderança do Executivo. O nome assusta algumas pessoas do
campo democrata, que afirmam que o nome de Ip traria ainda mais pessoas para as
ruas por medo de um reforço de iniciativas legislativas para reforçar a
segurança. Aliás, a mulher que fundou e actualmente lidera o “New People´s
Party”, foi secretária da Segurança, entre 1998 e 2003. Nesse ano, demitiu-se
depois de ter tentado passar a lei de Segurança Nacional, uma norma que
criminalizaria a sedição e a traição à pátria. Uma contestação popular
fortíssima inviabilizou a iniciativa. Em entrevista ao PONTO FINAL, Regina Ip
revela o que, na sua opinião, correu mal em Hong Kong, e fala de uma geração
perdida na relação com a história e cultura chinesas. Aponta a falta de
referenciais, quer na escola, quer em outras dimensões da vida em sociedade,
como as responsáveis do fenómeno. E conclui que houve “lavagem cerebral”
anti-China, na Internet e nas salas de aulas, a este grupo de jovens. Em
relação à gestão da crise, apesar das críticas a Lam, diz que o Governo já foi
tão longe quanto podia ir no campo negocial, e não põe de lado o endurecimento
de medidas de repressão se a violência continuar nas ruas. Em relação a 2047,
percebe o pânico que possa gerar a algumas pessoas em Hong Kong, mas alerta que
“as preocupações dos jovens não vão diminuir se destruírem lojas, e baterem em
pessoas inocentes que discordem deles. Essa não é a solução”.
O que correu mal em Hong Kong
para que, 22 anos após a transferência de soberania, tenhamos uma sociedade
mais polarizada do que nunca?
Um conjunto de coisas correram
mal. Não só em termos da estrutura do Governo, mas também das políticas do
Executivo. Estas duas dimensões da vida de Hong Kong pararam na era pré-1997. O
mundo mudou radicalmente com a globalização, o avanço da tecnologia, e o crescimento
da economia na China interior. Mas a maneira do Governo de actuar e as
políticas mantiveram-se muito conservadoras, e, portanto, ineficazes para
acolher as mudanças que aconteceram. Por exemplo, o Governo não desenvolveu
medidas efectivas que conseguissem lidar com a crise aguda que vivemos de
terrenos e de habitação. O preço das casas em Hong Kong é muito caro, temos
praticamente os valores mais altos do mundo. É uma situação difícil para os
mais jovens, uma vez que até para alugar uma pequena casa se torna complicado.
Temos um número muito grande de pessoas à espera de ter acesso a habitação
pública. Há 200 mil pessoas a viver em cubículos subdivididos, em condições
muito degradantes. E em termos globais, nós temos o coeficiente de Gini mais desigual
entre as economias desenvolvidas. Os jovens sentem-se frustrados, porque há
menos mobilidade social para eles do que para a minha geração, quando a
economia de Hong Kong crescia a grande velocidade. Portanto, há uma vasta
paleta de assuntos…