segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

A Europa vê a guerra no sofá


Pedro Ivo Carvalho* | Jornal de Notícias | opinião

Quem ainda fica horrorizado com a insolência política de Donald Trump pode muito bem acordar do coma. Já passaram quase quatro anos e é mais do que tempo de olharmos para ele e para a política externa dos Estados Unidos da América (EUA) com menos desdém e incredulidade e mais proatividade e músculo.

E quando digo nós falo da Europa que, mais uma vez, ficou a assistir ao desenrolar dos acontecimentos a partir do sofá, enquanto lunáticos e fanáticos ameaçam empurrar o Oriente e o Ocidente para um perigoso pântano militar.

Basta ouvir o que disseram os políticos franceses, alemães e britânicos para perceber que foram tão avisados sobre o ataque norte-americano que aniquilou a segunda figura do regime iraniano como o foi um pardacento agricultor da Andaluzia. Souberam todos ao mesmo tempo. Não que essa irrelevância europeia fosse contrariada caso Washington tivesse um acesso de consciência e decidisse avisar os parceiros históricos das suas intenções no Médio Oriente. Porque se a Europa soubesse antes, o mais provável é que Trump ordenasse o ataque na mesma.

Ainda é cedo para percebermos quão expressiva será a escalada entre EUA e Irão, mas os apelos ao diálogo e à paz que a Europa vai reiterando podem ser insuficientes caso o conflito degenere numa coisa mais feia. E aí, a Europa, que depende em grande medida dos norte-americanos para se defender, pode ser forçada a escolher um lado. Quem são os bons e os maus? Ao Velho Continente parece estar destinado o papel do espectador passivo, do bombeiro diplomático, do amortecedor de crises internacionais. Naturalmente que ver o Mundo a partir do sofá, na sala dos adultos, tem as suas vantagens. Desde logo porque a Europa privilegia a paz e a estabilidade. E devemos relevar estes valores acima de todos os outros. Mas esta declarada ambiguidade encerra um perigo, à medida que EUA, China e Rússia se agigantam como arquitetos globais. A de termos uma Europa que responde a tudo com diplomacia e paciência, mas que, no final, fica a falar sozinha ao espelho.

*Diretor-adjunto

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