quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

"Alemanha não devia fornecer armas" a Angola, diz ONG


Chanceler Angela Merkel chega a Angola na sexta-feira. Presidente angolano reafirmou o interesse em barcos-patrulha. Mas a ONG alemã Pão para o Mundo pede que Governo e empresários sejam cuidadosos ao investirem no país.

O ponto central da visita da chanceler alemã, Angela Merkel, a Angola serão as relações políticas e económicas bilaterais. As reformas económicas e o combate à corrupção promovidos pelo Presidente angolano, João Lourenço, são vistos com bons olhos e devem receber apoio do Governo alemão.

Pouco mais de 20 empresas alemãs estão presentes no país e o comércio bilateral é considerado pequeno. Mas há espaço para aproximação e devem ser assinados acordos económicos durante a visita da chanceler alemã a Luanda, na sexta-feira (07.02).

Para Petra Aschoff, responsável do Programa África Lusófona da organização não-governamental alemã Pão para o Mundo, o Berlim deve ter em mente o respeito às leis angolanas e convenções internacionais para garantir que possíveis investimentos alemães não voltem a beneficiar apenas as elites angolanas.

"Tem realmente de pesquisar quem está por trás [de determinada] empresa, quais são os doadores dessa empresa, quais são as leis angolanas, quais são as leis internacionais que possivelmente podem [vir a] ser violadas", recomenda.

"Essa obrigação é muito importante: a obrigação de, antes de assinar os contratos, saber quem está por trás de uma empresa. E não dizer, depois de dois anos, como é o caso da Krones AG agora, 'finalmente vimos que a Isabel dos Santos está por trás da empresa'", avalia.

Essa é uma das informações que veio a lume com o escândalo "Luanda Leaks". Segundo a imprensa alemã, dinheiro público alemão teria ajudado a enriquecer a empresária angolana.

 Transparência e justiça

Aschoff, que é também representante da Pão para o Mundo na Mesa Redonda Angola, uma rede de ONG alemãs, não se mostra muito otimista em relação a investimentos empresariais sustentáveis em Angola, devido ao histórico de corrupção do país e à falta de transparência. Mas espera que Berlim possa ajudar Luanda.

"O UNICRI [Instituto de Pesquisa de Criminalidade Interregional e Justiça das Nações Unidas] é uma organização das Nações Unidas que pode ajudar a que os valores que saíram de Angola sejam devolvidos ao país. A Alemanha pode apoiar também o UNICRI e pode apoiar, talvez de outras maneiras, também processos para mais transparência na luta contra a corrupção. Isso realmente é importante para que outras empresas alemãs futuramente invistam em Angola", sugere Aschoff.

Diante das revelações do "Luanda Leaks", a Justiça angolana estaria agora diante da possibilidade de dar um sinal de imparcialidade e independência ao mercado, defende a responsável.

"São grandes valores que saíram do país só na Presidência do ex-Presidente [José Eduardo dos Santos]. Por isso, é bem claro que pessoas que estão ligadas a ele estão por trás desse escândalo", afirma, acrescentando que, "com certeza, não é só a família do ex-Presidente ou a pessoa de Isabel dos Santos, são outros também e é importante que outras [pessoas] que estão ligadas a esses negócios também sejam julgadas".

Barcos alemães

O papel do Governo angolano nos conflitos nas regiões centrais e sul do continente - nomeadamente, no Congo e no conflito entre o Ruanda e o Uganda- é considerado pelo Governo alemão como construtivo.

Entre os interesses de Angola no âmbito da cooperação económica estão, entretanto, os barcos-patrulha que o país tenta comprar da Alemanha, desde 2011.

Na recente entrevista à DW África, o Presidente João Lourenço voltou a reafimar o seu interesse nas embarcações, um dossier que não avançou da parte alemã. No entanto, Petra Aschoff é contra uma possível negociação nesta senda.

"Angola tem uma costa muito longa e precisa defender o direito da pesca, porque outros barcos internacionais estão sempre a violar os regulamentos", conta. "Mas, por outro lado, no enclave de Cabinda existem conflitos entre Angola e o Congo-Brazzaville e entre Angola e a República Democrática do Congo. Neste último caso, existe um processo jurídico em andamento na Comissão de Direito Marítmo Internacional".

"Nesta situação, a Alemanha não devia fornecer armas. Como vai a Alemanha garantir que os barcos não vão ser usados militarmente para clarificar esse conflito em Cabinda?", pondera a responsável Pão para o Mundo.

Em Luanda, a chanceler Angela Merkel será recebida pelo Presidente João Lourenço e deverá ainda discursar na abertura do Fórum Económico Angola-Alemanha.

Cristiane Vieira Teixeira (Berlim) | Deutsche Welle

Na imagem: Petra Aschoff, da organização Brot für die Welt (Pão para o Mundo)

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