Washington estacionou armas
nucleares em toda a Europa para intimidar Moscovo. Na Alemanha, o Parlamento
aprovou retirada de bombas americanas em 2010, mas elas não só serão mantidas,
como também modernizadas.
Em vista aérea, os campos ao
redor da Base Aérea de Büchel se estendem como uma colcha de retalhos
verde-marrom, pontuada por pequenos vilarejos e bosques que compõem a região do
Eifel, no oeste da Alemanha. Observando mais de perto as imagens de satélite,
veem-se várias dezenas de hangares camuflados. Vários metros sob a terra,
encontra-se um segredo cuidadosamente guardado: depósitos subterrâneos com
bombas nucleares americanas da época da Guerra Fria.
O número exato de bombas
armazenadas nos depósitos subterrâneos na base aérea é desconhecido. As
estimativas variam entre 15 e 20, e sua localização é um segredo de Estado. Tão
secreto que a residente Elke Koller, farmacêutica aposentada, só descobriu sua
existência por meio de reportagens da mídia em meados dos anos 1990 ‒ apesar de ser membro do Partido Verde local,
na época.
Ela disse à DW ter ficado
"completamente chocada" ao saber da existência dessas bombas. Desde
então, tornou-se manifestante convicta, organizando marchas e manifestações
locais contra os artefatos nucleares.
O governo alemão nunca confirmou
oficialmente a existência das bombas nucleares em Büchel. De fato, os
parlamentares corriam o risco de ser processados por divulgação de segredo de
Estado, caso reconhecessem oficialmente sua localização.
Publicamente, Berlim só admite
fazer parte do que é oficialmente chamado Acordo de Compartilhamento Nuclear.
No caso de um ataque nuclear, os
militares americanos que vigiam as bombas localizadas na base aérea alemã ‒ com a ordem de atirar em qualquer intruso ‒ acoplariam a bomba aos aviões-caças alemães
e ativariam o código. Em seguida, as equipes alemãs embarcariam no que os
iniciados chamam de "missão de ataque", conduzindo as bombas
americanas ao seu destino.
Essa seria, de fato, a primeira
vez que as equipes chegariam mais perto das bombas bem guardadas: de acordo com
um piloto, que falou com a DW sob condição de anonimato, eles treinam apenas com maquetes. Esse
acordo ‒ bombas americanas vigiadas por
soldados americanos numa base alemã, mas transportadas por tripulações e aviões
das Forças Armadas alemãs, a Bundeswehr ‒
remonta à Guerra Fria e à estratégia de dissuasão nuclear da Otan, destinada a
conter a União Soviética. Ainda hoje, a postura nuclear da aliança atlântica é
parte integrante – alguns diriam: fundamental – de sua composição estratégica.
Basicamente, o Acordo de
Compartilhamento Nuclear prevê que os Estados-membros da aliança militar não
possuidores de armas nucleares participem do planeamento e treinamento para o
emprego delas pela Otan. Além disso, segundo afirmam as autoridades Estados,
isso garante que seus pontos de vista sejam levados em consideração por países
com capacidade nuclear, incluindo os EUA. Embora seja desconhecido o número
exato de bombas americanas armazenadas na Europa, as estimativas indicam
aproximadamente 150. Alemanha, Bélgica, Holanda e Itália fazem parte do acordo
de compartilhamento. Com exceção das em solo italiano, todas as bombas estão
localizadas a poucas centenas de quilómetros entre si outra.
2010: Parlamento pressiona por
retirada
Em março de 2010, o Bundestag
(câmara baixa do Parlamento alemão) aprovou uma resolução interpartidária
instando o governo a trabalhar "enfaticamente" no sentido de
conseguir que seus aliados americanos retirem todas as armas nucleares da
Alemanha. Isso foi seguido pelo apelo do então presidente dos Estados Unidos,
Barack Obama, de criar um mundo livre de armas nucleares. Uma década depois, no
entanto, esse objetivo parece cada vez mais ilusório, após a anexação da
Crimeia pela Rússia em 2014 e o investimento em mísseis de médio alcance com
capacidade nuclear. Agora, em vez de trabalhar pela remoção das bombas, as
Forças Armadas dos EUA deverão modernizá-las.
Tobias Lindner, deputado federal
da oposição pelo Partido Verde, chamou depreciativamente o Acordo de
Compartilhamento Nuclear da Alemanha de "uma contribuição simbólica cara,
perigosa e antiquada para ter voz na Otan". Diante do que ele chama de
"defesa aérea russa de última geração", Lindner defende que a Otan
invista num moderno sistema de defesa antimísseis e sensores de reconhecimento.
Lindner disse achar improvável
que a Rússia se deixe impressionar, , pelas bombas lançadas pelos caças Tornado
da Alemanha, que foram introduzidos pela primeira vez na década de 1980. Eles
provavelmente precisariam ser reabastecidos para conseguir jogar sua carga
sobre a Rússia -‒ se conseguissem passar
pela defesa aérea russa sem ser abatidos. A frota de Tornados da Alemanha está
chegando rapidamente ao fim de sua vida útil, e o custo de manutenção de uma
esquadra para missão nuclear aumenta de exponencialmente. Isso também acarreta
a escassez de aviões em condições de voo, necessários para o Acordo de
Compartilhamento Nuclear e outras missões.
Mas esse vertiginoso preço é um
investimento que vale a pena? O deputado verde Lindner não se mostra
convencido, mas admite que -‒ apesar de
ser membro da comissão parlamentar de defesa -‒
simplesmente não sabe de que tipo de compartilhamento de informações com as
potências nucleares, particularmente os EUA, a Alemanha participa.
Ele lamenta que o Berlim não
informe o Parlamento -‒ mesmo que
confidencialmente -‒ sobre os assuntos
discutidos no Grupo de Planeamento Nuclear, composto pelos ministros da Defesa
de todos os Estados-membros da Otan (com exceção da França), independentemente
de integrarem ou não do Acordo de Compartilhamento Nuclear. Mas é difícil
avaliar se os países integrantes do compartilhamento nuclear (Itália, Alemanha,
Bélgica, Holanda) recebem mais informações do que os demais ‒ ou se suas opiniões são realmente
consideradas por Washington, dado que muitas reuniões na Otan acontecem em
nível informal.
Esse é um argumento
frequentemente apresentado por autoridades e políticos alemães a favor do
compartilhamento nuclear. Porém isso "é uma fantasia completa",
segundo Hans Kristensen, diretor do Projeto de Informação Nuclear da Federação
de Cientistas Americanos e um dos principais especialistas em compartilhamento
e armas nucleares.
"Nunca ouvi ninguém da Força
Aérea Americana, do Comando Estratégico ou do Departamento de Defesa dos EUA
dizer que, de alguma forma, leva em consideração visões específicas alemãs
sobre o uso de armas nucleares", diz o especialista. Se a Alemanha saísse
do acordo de compartilhamento, "teria exatamente a mesma capacidade de
influenciar a opinião dos EUA em questões nucleares" que tem agora.
Esse ponto de vista não é
partilhado por Heinrich Brauss, tenente-general reformado do Exército alemão, que
serviu na Otan como secretário-geral adjunto de Política e Planejamento de
Defesa até 2018: segundo ele, se a Alemanha decidir se retirar do pacto, os
demais países europeus integrantes provavelmente seguirão o exemplo, o que
"abalaria o Acordo de Compartilhamento Nuclear da Otan e a divisão de
encargos -‒ ou talvez até o aniquilasse
completamente".
Segundo o militar da reserva, os
EUA estariam então muito menos inclinados a compartilhar qualquer informação
sobre questões de política e planejamento nuclear: "Na pior das hipóteses,
seríamos completamente privados de qualquer informação privilegiada relativa à
nossa própria segurança."
"Capacidades
significativamente melhoradas"
Por enquanto, no entanto, apesar
da clara maioria de seus cidadãos se opor firmemente às armas nucleares, parece
improvável que a Alemanha deixe o acordo em breve. Em vez disso, deverá receber
bombas modernizadas. Kristensen explicou que as armas nucleares armazenadas em
Büchel são do tipo B61-3 ou B61-4, implantado no fim dos anos 80 e início de
90, e estão chegando ao fim de seu ciclo.
O programa de modernização prevê
que as bombas antigas sejam desmontadas e as novas entregues a sítios militares
americanos nos EUA e em todo o mundo, e é extremamente caro.
"É a bomba de queda livre
mais cara que os EUA já construíram", segundo Kristensen. "Houve quem
calculou que seria mais barato construir a bomba de ouro maciço."
A nova bomba, B61-12, terá
"capacidades significativamente melhoradas", informa Kristensen: ela
está equipada com um kit de cauda, permitindo que seja direcionada e atinja seu
alvo com precisão muito maior, de 30 a 60 metros. As bombas atuais são
simplesmente lançadas do avião, enquanto as com kits de cauda se guiam uma vez
lançadas.
Coca-Cola ou bombas
Muitos especialistas temem que
isso torne mais atraente o emprego da bomba, pois, em vez de destruir uma
região inteira, pode atingir um alvo preciso. Embora admitindo que o argumento
proceda, do ponto de vista militar, Kristensen ressalva politicamente ainda
seria difícil romper o tabu nuclear em vigor desde 1945.
Ainda não está claro quando a
Alemanha receberá as bombas, pois houve um atraso na produção dos artefatos nos
EUA, devido a problemas na reprodução de componentes. Kristensen estima que
levará até pelo menos 2022, talvez 2024, até cheguem a Büchel e outros locais
europeus.
Mas, de acordo com o piloto que
falou à DW, os primeiros testes para integração da arma nos caças alemães
Tornado estão programados para 2020. Depois de a atualização do software ser
testada, ele poderá ser instalado em toda a frota estacionada em Büchel. Apenas
um pequeno círculo está a par do processo de modernização. O informante diz
duvidar que sequer o comandante alemão de Büchel esteja informado sobre a
chegada das bombas: sempre que um avião americano chega à base aérea, todo o
aeroporto é fechado. "É tudo tão secreto que nunca se sabe se o avião
estava carregado com Coca-Cola ou bombas."
Naomi Conrad, Nina Werkhäuser (ca)
| Deutsche Welle
Imagens: 1 - Vsta aérea da Base
Aérea de Büchel; 2 - Modelo da nova
bomba, B61-12
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