domingo, 8 de março de 2020

O que desequilibra o poder local em Angola?


Constituição reconhece autarquias, poder tradicional e estruturas de participação - incluindo conselhos e associações - como partes integrantes do poder local em Angola. Associações são a ponta frágil nesta estrutura.

No ano em que está prevista a realização das primeiras eleições autárquicas da História de Angola, muitas questões têm sido levantadas e mesmo contestações têm acontecido nas grandes cidades como Luanda. Em janeiro, por exemplo, o movimento "Jovens pelas Autarquias" manifestou-se diante do Parlamento para exigir a aprovação do pacote eleitoral autárquico até março e a realização das eleições em todo o território nacional.

Este tipo de postura proativa da juventude é vista com uma "novidade" pelo coordenador de Governação do instituto norueguês Christian Michelsen, Aslak Orre.

Segundo o cientista político, há uma movimentação visível da sociedade civil urbana para a realização das eleições, e os jovens parecem comprometidos com um espírito de cidadania e civismo em vez de militância partidária.

"Chamo a atenção para os movimentos juvenis que estão a surgir um pouco por todas as cidades mais importantes. Muitos jovens dizem estar comprometidos com a ideia de democracia e, em contraste com tempos anteriores, já não parecem estar tão apegados a um ou outro partido", explica Orre.

A ponta frágil

Autarquias locais, associações locais e poder tradicional compõem o poder local em Angola. Muitos questionam se haverá coabitação possível entre os poderes tradicional e autárquico, mas as associações são consideradas o elo mais fraco desse trio.

O coordenador do Observatório Eleitoral Angolano (ObEA), Luís Jimbo, alerta que as associações praticamente não têm qualquer expressão. Jimbo lembra que esta fragilidade que atinge frontalmente a sociedade civil não contribuirá para o equilíbrio na gestão das autarquias após as eleições.

Para o observador, essa característica poderá ser prejudicial para o alcance de resultados satisfatórios na governação. Quanto às formas de participação do cidadão, um desafio, segundo Jimbo, está no facto de não existir legislação, nem experiência em organizar as associações locais.

"Temos, sim, as experiências das organizações comunitárias de base, das auscultações nos municípios, mas não há um quadro legal no qual as pessoas se sintam protegidas a nível do município, do bairro, da embala, para participarem na esfera pública. Aqui as associações são nacionais, regionais...", diz o coordenador do ObEA.

Agulha no palheiro

De facto, para esta reportagem, encontrar uma associação local foi como achar uma agulha no palheiro, o que faz questionar o verdadeiro papel das associações na estrutura de participação popular do poder local. O presidente da Associação Juvenil do Cazenga, Divaldo Vaz, diz que a sua associação pretende participar na gestão das autarquias promovendo um programa de manutenção da democracia.

Com a iniciativa, a associação quer trabalhar para a sustentabilidade das associações com maior vigilância e combate às desigualdades no município. "Também lutaremos por maior transparência pública, visto que será nas autarquias locais onde tudo dependerá do município".

Ao contrário de Aslak Orre, Jimbo não é tão otimista em relação ao nível de cidadania dos angolanos. O especialista em eleições considera que a falta de consciência de participação ativa é um dos desafios no país.

Para Jimbo, há uma consciência generalizada de que o administrador público é quem resolve todos os problemas, um sentimento de que "eu não tenho de participar na gestão da escola, é o Ministério da Educação que tem de resolver o problema da escola".

"São problemas que chegamos a ter neste processo de instituir tanto o reconhecimento do poder tradicional como das formas de participação do cidadão", avalia.

Nádia Issufo | Deutsche Welle

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