domingo, 29 de março de 2020

Percurso de um notável cirurgião em 5 países lusófonos


Dr. Manuel Pedro Azancot de Menezes

Natural de São Tomé e Príncipe, especialista em cirurgia-geral e ginecologia pela Universidade de Lisboa, notabilizou-se em Angola, Cabo Verde, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Durante 35 anos dedicou-se, com afinco, sabedoria, competência, simplicidade, ética e integridade a uma causa nobre, a medicina.

As notas que se seguem sobre Manuel Pedro Azancot de Menezes, que faria hoje, 25 de Março, 97 anos de idade, se ainda estivesse entre nós, não serão capazes de mostrar o percurso profissional deste médico, bem como, a ética e a sua dimensão humana, face ao contexto vivido pelas comunidades destes países lusófonos confrontados na época colonial e pós-independência com uma imensa falta de cobertura sanitária.

Mas têm estas notas a intenção de não deixar que tudo se perca na memória dos tempos.

Percursos académico e profissional

Em 1929 começou a frequentar o Ensino Primário em S. Tomé e Príncipe.

Iniciou o ensino secundário no Liceu Diogo Cão, na cidade do Lubango, em Angola.

Em 17 de Julho de 1942, no Liceu Nacional de Pedro Nunes, concluiu o curso complementar de Ciências dos Liceus.

Em 27 de Outubro de 1948 obteve o grau em Medicina e Cirurgia pela Universidade de Lisboa.

A sua carreira hospitalar enquanto cirurgião geral começou nos Hospitais Civis, em Lisboa, e prosseguiu em Cabo Verde  (1954-1956);  Em data  posterior tornou-se também ginecologista e obstetra.

Esteve em Timor-Leste, entre 1957 e 1963.

Depois em Angola, em várias províncias: Moxico, entre 1964 e 1968, Benguela, de 1969 a 1970, Malanje, entre 1971 e 1972; e desta data em diante, em Luanda.

Na capital de Angola, no Hospital de São Paulo (actual Hospital Américo Boavida), até 1975, e de 1975 a 1983 (data da sua morte), na Maternidade de Luanda (agora Maternidade Lucrécia Paim).

Ao longo da sua carreira, não descurou da necessidade de ter uma formação contínua, estagiando periodicamente em centros hospitalares mais diferenciados e de referência e acompanhando sempre a literatura científica existente.

Na Maternidade de Luanda, como ginecologista e obstetra, foi director clínico e docente responsável de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Luanda.

E, como responsável pelo Internato de Ginecologia e Obstetrícia, orientou e formou os primeiros especialistas nesta área, em  Angola, já independente.




Protagonista de situações clínicas raras e extremas

O trajecto percorrido pelo cirurgião Azancot de Menezes, por diversos locais:

onde muitas vezes, o único hospital servia, quer a população civil, quer  a população militar;  lugares com condições deficitárias, ou mesmo ausentes, de cuidados primários de saúde; numa época  e em sítios onde os meios auxiliares de diagnóstico eram escassos; os recursos técnicos também rareavam, assim como os recursos humanos (era o cirurgião geral o único especialista e, não havendo médico anestesista, apenas contavam com exímios enfermeiros instrumentistas e anestesistas);  eram  inexistentes “bancos de sangue”, deu azo a que se tivesse confrontado com  situações clínicas raras e extremas.

Mas a sua dedicação sem par, a experiência e senso clínico maiores, permitiram que  as tivesse protagonizado com êxito.

Recordamos em 1968 no Moxico – Angola (pois na altura foi mediático!), o caso de uma gravidez extra uterina conduzida a termo, com feto vivo e sem malformações.

Em toda a literatura médica, à data, referiam-se apenas 55 casos em que a gravidez extra-uterina atingiu mais do que o oitavo mês.

Citamos, também naquele  contexto,  as intervenções efectuadas do foro neuro cirúrgico, a correcção de  extensas fistulas vesico- vagino -rectais pós- parto domiciliar (outrora frequentes), que requeriam para correcção vários e complexos procedimentos cirúrgicos; a exerese de tumores com dimensões, aos olhos de hoje, exorbitantes, entre muitas, muitas outras intervenções realizadas com sucesso, em várias vertentes cirúrgicas.

O Dr Azancot de Menezes não procurou notoriedade, tão pouco qualquer reconhecimento

Transmitia o que sabia como sendo apenas um dever, um dever para com os seus doentes, um dever para com os seus colegas, um dever social.

No plano de saúde pública e através da  Televisão Popular de Angola, muito colaborou efectuando com regularidade  palestras sobre saúde materna e planeamento familiar.

Nos últimos anos começou a dedicar-se ao “parto sem dor”, trabalho que não pode concluir.

Mas o reconhecimento teve-o:

De louvores em Diário da República nas ex-províncias ultramarinas.

Das muitas pessoas do Moxico que lhe chamavam o “Santo Preto”.

Dos inúmeros doentes, e até filhos e netos daqueles, que ainda o recordam e referem.

Dos que foram seus alunos e internos, que o citam e têm como referência.

Na homenagem póstuma da Maternidade de Luanda, agora Lucrécia Paim, “… pela sua dedicação, zelo e competência desempenhada no exercício da função de Direcção.”

Outra grande paixão – o desporto

O médico que hoje homenageamos também tinha uma outra paixão, o desporto, em particular o atletismo e o futebol.

A partir de 1942, vinculado ao Sport Lisboa e Benfica, abraçou com dedicação o atletismo, na modalidade de “salto em altura”, tendo recebido várias medalhas.

Em 24 de Setembro de 1953, Manuel Pedro Azancot de Menezes recebeu o cartão de Sócio de Mérito (Perpétuo), nº 195, do Sport Lisboa e Benfica.

A estadia em Cabo Verde mudou a sua vida pessoal

Conheceu em Cabo Verde –  Maria de Lourdes Pires Godinho, professora primária, também ela com elevada integridade e profissionalismo, com quem casou e o acompanhou sempre, desde Cabo Verde, passando por Timor-Leste, Portugal e Angola.

Dr. Manuel Pedro Azancot de Menezes (1923-1983)

Filho de Ayres do Sacramento Menezes e de Aida Ramos Azancot, Manuel Pedro Azancot de Menezes nasceu às 05 horas do dia 25 de Março de 1923 na roça Vila Moisés, sítio de Madre de Deus, da Freguesia de Conceição, em São Tomé e Príncipe.

Em edições anteriores o Jornal Tornado destacou os percursos de duas personalidades pertencentes a esta família, Hugo Azancot de Menezes (médico e co-fundador do MPLA) e Óscar Jacob Azancot de Menezes (Eng. Agrónomo e Investigador).

Na publicação de hoje, recordamos quem foi o irmão mais velho das duas personalidades mencionadas, Manuel Pedro Azancot de Menezes (médico cirurgião e ginecologista).

Frequentemente dizia aos seus familiares e amigos mais próximos:

“Um homem não vale por aquilo que veste”.

E citamos outra expressão que repetia e achamos que também espelha a sua atitude perante a humanidade.

”Nenhum homem escolhe a terra onde nasce, nem a terra onde morre!”.

Faleceu em sua casa, Vila Alice, Luanda, aos 60 anos de idade, no dia 14 de Dezembro de 1983, vítima de um enfarte agudo do miocárdio.

O seu corpo jaz sepultado no Cemitério de Sta. Ana, em Luanda.

Jornal Tornado | com mais imagens no original

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