Paulo Baldaia* | Jornal
de Notícias | opinião
Não nos deixemos iludir com as
praias cheias de gente bem-disposta, ora cumprindo, ora não cumprindo as regras
que todos sabemos serem essenciais para que o desconfinamento corra bem.
Nem com as esplanadas que se
enchem de pessoas sorridentes e ansiosas por respirar ar puro, alimentando-se
de vitamina D que o sol fornece gratuitamente. Há centenas de milhares de
compatriotas nossos que estão a viver tempos muito difíceis e este exército de
deserdados, que já está a passar fome, vai continuar a recrutar, até que todos
saibamos disso, porque alguém que nos é próximo se alistou involuntariamente.
Dizem-nos que esta crise
sanitária, mais esta crise económica que está em curso, veio mostrar como o
Estado social é imprescindível e nós nem questionamos, porque percebemos bem o
desastre que teria sido esta crise sem um Estado forte. Aceitamos que tem de
haver danos colaterais, gente que morre e gente que não consegue ter o apoio do
Estado. Quanto aos primeiros, o SNS fez o possível e a lei da vida
encarregou-se de fazer uma seleção. Pode custar muito, mas só olhando com
alguma frieza para os números dos que partem, poderemos ganhar tempo para
tratar dos segundos, os que ficam. Trabalhadores sem emprego, trabalhadores com
emprego e o vencimento miserável do lay-off, trabalhadores do setor informal a
que chamamos biscates, patrões com empresas falidas e até utentes do SNS com
outras doenças.
Descobrimos aqui que o Estado
social não é tão forte ou, pelo menos, não é tão justo como nos dizem, porque
não apoia ou dá apoios miseráveis a quem não descontou ou descontou pouco. E
esta fraca contribuição acontece, antes demais, porque estes portugueses são
vítimas de um Estado que não regulou com justiça o mundo do trabalho. Um Estado
que permitiu que se exigisse ao trabalhador precário a mesma produtividade, sem
a devida compensação em vencimento anual e restantes direitos.
E quando este exército de
deserdados engrossa, ter um governo mais à esquerda ou mais à direita pode
fazer alguma diferença, mas será sempre pouca. No fim, o Estado social funciona
como um seguro, contra todos os riscos para quem estava no topo da pirâmide e
só com direito a fraca indemnização de um salvado para os que labutavam pela
sobrevivência.
Ninguém pode colocar em dúvida a
importância do Estado nas políticas sociais, mas a Esquerda que gosta de chamar
pejorativamente caridade à solidariedade dos portugueses e das IPSS devia
agradecer a sua existência, porque se um dia a solidariedade falha, toda a
gente vai perceber que o rei vai nu.
*Jornalista
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