terça-feira, 26 de maio de 2020

Portugal | Estado social é forte com os fracos


Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias | opinião

Não nos deixemos iludir com as praias cheias de gente bem-disposta, ora cumprindo, ora não cumprindo as regras que todos sabemos serem essenciais para que o desconfinamento corra bem.

Nem com as esplanadas que se enchem de pessoas sorridentes e ansiosas por respirar ar puro, alimentando-se de vitamina D que o sol fornece gratuitamente. Há centenas de milhares de compatriotas nossos que estão a viver tempos muito difíceis e este exército de deserdados, que já está a passar fome, vai continuar a recrutar, até que todos saibamos disso, porque alguém que nos é próximo se alistou involuntariamente.

Dizem-nos que esta crise sanitária, mais esta crise económica que está em curso, veio mostrar como o Estado social é imprescindível e nós nem questionamos, porque percebemos bem o desastre que teria sido esta crise sem um Estado forte. Aceitamos que tem de haver danos colaterais, gente que morre e gente que não consegue ter o apoio do Estado. Quanto aos primeiros, o SNS fez o possível e a lei da vida encarregou-se de fazer uma seleção. Pode custar muito, mas só olhando com alguma frieza para os números dos que partem, poderemos ganhar tempo para tratar dos segundos, os que ficam. Trabalhadores sem emprego, trabalhadores com emprego e o vencimento miserável do lay-off, trabalhadores do setor informal a que chamamos biscates, patrões com empresas falidas e até utentes do SNS com outras doenças.

Descobrimos aqui que o Estado social não é tão forte ou, pelo menos, não é tão justo como nos dizem, porque não apoia ou dá apoios miseráveis a quem não descontou ou descontou pouco. E esta fraca contribuição acontece, antes demais, porque estes portugueses são vítimas de um Estado que não regulou com justiça o mundo do trabalho. Um Estado que permitiu que se exigisse ao trabalhador precário a mesma produtividade, sem a devida compensação em vencimento anual e restantes direitos.

E quando este exército de deserdados engrossa, ter um governo mais à esquerda ou mais à direita pode fazer alguma diferença, mas será sempre pouca. No fim, o Estado social funciona como um seguro, contra todos os riscos para quem estava no topo da pirâmide e só com direito a fraca indemnização de um salvado para os que labutavam pela sobrevivência.

Ninguém pode colocar em dúvida a importância do Estado nas políticas sociais, mas a Esquerda que gosta de chamar pejorativamente caridade à solidariedade dos portugueses e das IPSS devia agradecer a sua existência, porque se um dia a solidariedade falha, toda a gente vai perceber que o rei vai nu.

*Jornalista

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