terça-feira, 9 de junho de 2020

Brasil | Os liberais, as Forças Armadas e as ameaças de mais um golpe


Pedro Tierra | Carta Maior

A conduta cada dia mais delirante do ex-capitão frente às demais instituições do Estado brasileiro e o fracasso económico de Guedes, tem resultado no afastamento dos setores liberais que viram nele a oportunidade de liquidar os direitos dos trabalhadores, assegurados nas constituições desde os anos 40 do século passado; de destruir os serviços públicos de saúde e educação; de privatizar e promover a entrega dos recursos naturais do país a empresas estrangeiras, particularmente o petróleo do pré-sal.

Talvez a saída de Moro tenha demarcado o momento em que certos setores dessas elites liberais, uma vez alcançados aqueles objetivos, tomaram a decisão de afastar-se e guardar uma prudente distância com relação aos traços mais repugnantes da conduta de Bolsonaro e seus milicianos. O desconforto, ainda que apenas quanto aos aspectos formais, tem sido expresso em reiterados editoriais nos grandes veículos de comunicação.

Saíram daquela posição de tapar o nariz diante do mau cheiro que exala dos gabinetes do Palácio do Planalto, exibida durante todo o período de votação das reformas, para expressar seu incómodo diante do desempenho dos protagonistas na ribalta deste circo de horrores que contribuíram para montar.

Os liberais brasileiros, porém, não superam, um traço aparentemente congénito, a falta de apego aos princípios... democrático-liberais que apregoam! Registe-se o recente editorial do “O Estado de S. Paulo” empenhado em insultar a inteligência de seus leitores ao comparar o ex-presidente Lula, a mais importante liderança popular do país, que sempre respeitou as regras da democracia... liberal... com o ex-capitão que ajudaram a eleger, no pleito fraudado de 2018 e que atenta quotidianamente contra ela.

Há, entre eles, quem afirme que as Forças Armadas podem vir a se curvar à pior espécie de caudilhismo. Vejamos. O ex-capitão presidiu a reunião de 22 de abril, aquela cuja ata pode ser resumida, para proteger os ouvidos das gerações futuras do convívio com a baixeza, numa única frase: “Vou interferir e ponto final!” , ao tratar da mudança de comando da Polícia Federal. Estava sentado entre dois generais. Para não nos conceder o benefício da dúvida.

É prudente, portanto, não alimentar ilusões sobre o compromisso das Forças Armadas com a defesa da Democracia e da Constituição. Na história da república, a trajectória não recomenda otimismo. Os “Tenentes” que nasceram como um movimento urbano, de classe média baixa, contra as oligarquias rurais, nos anos vinte, sustentaram uma ditadura de 1930 a 1945. Foram protagonistas diretos ou ofereceram base armada para todas as tentativas de golpe, frustradas ou não, ao longo do século XX. Mais tarde, seus remanescentes lideraram uma ditadura de mais de duas décadas (1964/1988), quando voltamos a ter uma nova Constituição.

Hoje, os fardados honram a tradição. Apartados dos problemas reais do povo brasileiro, firmemente ancorados na convicção de que encarnam as virtudes morais da pátria contra a leniência dos paisanos, comportam-se como uma casta à parte e acima da sociedade.

Desde os primeiros dias do atual governo, esse comportamento tem sido alimentado com benefícios concedidos por Bolsonaro. Desde o aumento dos soldos, por meio das gratificações, até a generosidade da Reforma da Previdência, que para a caserna se constituiu num prémio.

A presença massiva de militares da reserva e requisitados da ativa nos postos de governo funciona como um valor agregado. Como um efeito visual, simbólico para a sociedade. Sinaliza quem nesses dias exerce de fato o poder político no país.

O ex-capitão representa a desforra dos remanescentes dos porões – os heróis do tipo Curió – contra os generais que, depois de operar o aniquilamento sumário das esquerdas, já no declínio do regime, adotaram a estratégia da “abertura lenta, gradual e segura” e da Amnistia de 1979, para proceder uma retirada da cena política sem baixas a lamentar, depois de mais de duas décadas de ditadura. Deixaram atrás de si um rastro de denúncias de corrupção, tortura e, por fim, o esgotamento económico do país.

Os atuais herdeiros da turma dos porões, o fã-clube de Brilhante Ustra e Sílvio Frota levam mais uma vez as Forças Armadas a por o pé numa armadilha de duplo laço: para evitar, no curto prazo, novas derrotas no parlamento e, mais adiante, o impeachment do trapaceiro que reverenciam como líder, devem se aproximar e negociar com o Centrão a recomposição do governo. O que significa em termos práticos abrir espaço para a escória do sistema político que fingiam combater.

Essa composição política antes desprezada pelo ex-capitão, é reconhecida no parlamento por ser heterogénea, movida por interesses de curto prazo, cujo caráter é a provisoriedade, ou seja, não oferece respaldo seguro nas batalhas parlamentares e, por último mas não menos importante, trata-se de uma força política real, mas onde “...tudo que é sólido se desmancha no ar...” A pergunta inevitável é: esse apoio durará tempo suficiente até que as corporações com capital disponível se interessem em investir numa economia a caminho da depressão, alimentada por uma crónica instabilidade política?

O outro laço dessa armadilha são as milícias. Os atuais chefes militares que dão suporte a um reconhecido aventureiro estão convertendo as Forças Armadas em escudo das milícias e terminarão por associar sua imagem a forças de delinquentes armadas, estimuladas abertamente pelo Presidente da República & filhos, que escapam a qualquer norma ou controle do Estado e conduzem seus negócios explorando os extratos mais pobres da sociedade na base do terror e da extorsão.

Ao fim dessa tragédia em que foi mergulhado o país desde o golpe de 2016 e aprofundada pela fraude eleitoral de 2018, as Forças Armadas sairão, com ou sem o golpe que agitam para chantagear a sociedade, como em outros momentos históricos recentes, associadas à violência e à corrupção e não à defesa da democracia e das instituições que juraram defender.

*Pedro Tierra é poeta. Ex-presidente da Fundação Perseu Abramo 

2 comentários:

Selma disse...

Você está enganado, o Brasil esta tendo o melhor presidente da republica dos últimos 30 anos, todos que passaram desde Fernando Henrique, Lula, Dilma,Temer, com certeza só agora eu sei o que é ter um presidente que realmente se preocupa com o seu povo, se preocupa com o Brasil, é patriota. Ah como amo esse presidente Bolsonaro. Querem dar um golpe sim, porém não conseguirão, pois temo Deus ao nosso Lado. Oro todos os dias pelo presidente Bolsonaro e Deus me respondeu que estava com ele.

Marz Rodrigues disse...

Bom dia, achei fantástico o seu texto. Aliás, excelente blog, grandes conhecimentos sociais e históricos. Gostaria de republicar o seu conteúdo e meu site, caso seja possível autorização. Obgd.

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