A Associação de Apoio aos Doentes
Angolanos em Portugal diz que é desumana a forma como os pacientes têm sido
tratados. O pagamento dos subsídios está atrasado há quase um ano. Vigília
frente à Embaixada é uma hipótese.
Domingos Fragoso está há três
anos em Portugal na condição de doente com deficiência renal crónica terminal,
a realizar consultas de pré-transplante, já inscrito na lista de espera. Conta
que dificuldades nunca faltaram. Mas o mais lamentável é o atraso no pagamento
dos subsídios por parte do Governo de Angola, sublinha.
"Estamos há mais de 10 meses
sem subsídios. [É uma situação] terrivelmente lamentável e torna-nos a vida
difícil", conta o paciente à DW.
Domingos Fragoso está hospedado
na Pensão Alvalade, em
Lisboa. Tem contornado as dificuldades com a ajuda de
familiares em Angola, mas há quem não tenha esse apoio. A solução está nas mãos
do poder central, em Luanda, acrescenta.
"Luanda é que manda os pagamentos
para aqui. Inclusive, já há constrangimentos nalguns hospitais e unidades
privadas por falta de pagamentos", diz.
Doentes sofrem represálias
Na Pensão Alvalade, há muito que
os doentes ficaram sem jantar, também por falta de pagamento. Há alojamentos e
pensões onde deixaram de ter direito ao pequeno-almoço, ficando apenas com uma
refeição diária. Pior que isso é a humilhação a que estão sujeitos os pacientes
por parte dos proprietários das residenciais - informa o presidente da
Associação de Apoio aos Doentes Angolanos em Portugal, Gabriel Chimuco.
"Da mesma forma que os
doentes não estão a receber os seus subsídios, os proprietários das pensões
também não estão a receber o pagamento das rendas. Portanto, veja a humilhação
a que nós estamos sujeitos. Somos indagados, somos maltratados. Porque não é
justo, é desumano a forma como temos sido tratados", reclama.
Aquando da visita do Presidente
angolano, João Lourenço, a Lisboa, em 2017, a Associação apresentou um memorando
com várias
preocupações, entre elas o alojamento, a estadia dos doentes, as condições
sociais e os atrasos sistemáticos dos subsídios.
"Até hoje, não se resolveu
absolutamente nada. Até hoje não temos estado a receber esses subsídios. Enfim,
ficamos praticamente três ou quatro meses sem os fármacos porque a própria
farmácia havia suspendido o fornecimento de medicamentos porque o setor não
estava a pagar a dívida", explica Gabriel Chimuco.
Embaixada de mãos atadas
O presidente da Associação de
Apoio aos Doentes Angolanos em Portugal reconhece que o setor da saúde da
Embaixada angolana e o Consulado têm feito o que podem.
"O número de doentes
aumentou em tão pouco tempo de uma forma brutal e depois a chefe do setor da
saúde, Dona Rosa de Almeida, não consegue dar vazão a esta demanda. Quer dizer,
fica numa situação complicada porque ela não tem dinheiro para resolver os
problemas que afligem os doentes. É uma situação extremamente complicada",
protesta.
Gabriel Chimuco afirma que o
problema está em Luanda: "A Junta Nacional tem feito muito pouco para que,
de facto, se minimize a situação dos doentes em Portugal."
Contactada pela DW, a assessoria
de imprensa da Embaixada manifestou indisponibilidade para prestar
esclarecimentos, "uma vez que nesta altura a prioridade são algumas
pensões onde se registaram a casos de doentes angolanos infetados com o novo
coronavírus."
Outro doente, que pediu
anonimato, diz que há represálias contra os que denunciam a situação. A
informação é confirmada pelo presidente da associação. "Estamos a tentar
implementar a democracia agora e as pessoas ainda têm medo de manifestar os
seus direitos que lhes deviam ser assistidos. E depois quando alguém tenta
reclamar os seus direitos geralmente há represálias. Daí a razão que muitos
doentes têm medo de falar", justifica.
Ameaça de repatriamento
Há doentes ameaçados com
evacuação compulsiva para Angola, como aconteceu em 2019, explica Chimuco.
"A ministra da Saúde mandatou uma comissão cá para Lisboa para que os
doentes fossem repatriados, mas chegaram à conclusão que era impossível fazer
isso. Nós estamos a falar de doentes com patologias crónicas, que estão por
exemplo em tratamento oncológico."
São doentes que não podem ser
tratados em Angola devido à falta de condições médicas e assistenciais. A
situação é crítica e estacionária e a associação equaciona levar a cabo uma
vigília frente à Embaixada de Angola em Lisboa, depois de várias démarches que
não produziram solução.
O paciente Domingos Fragoso pede
mais celeridade ao Governo de Luanda na solução dos problemas que afetam os
doentes evacuados para o estrangeiro. "Eu acredito que não deve ficar
[bem] para Angola essa imagem. E era bom que as autoridades resolvessem isso
com mais celeridade", incita Fragoso.
Até este momento, Angola tem em
Portugal, ao abrigo da Junta Nacional de Saúde, cerca de 450 utentes e
acompanhantes, distribuídos por várias pensões, residenciais e alojamentos
locais.
João Carlos (Lisboa) | Deutsche
Welle
Imagem: Pensão Alvalade, em Lisboa
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