A
sociedade dos EUA é há muito fortemente militarizada. O papel central assumido
pelo complexo militar-industrial ajuda a compreender esse fenómeno: a guerra e
a violência armada são componentes nucleares do imperialismo EUA. O que vem
surgindo com maior nitidez nos últimos tempos é que a grande burguesia EUA, que
vem privatizando parte dos instrumentos da violência de Estado, tem montado um
dispositivo de guerra contra o seu próprio povo.
O
assassínio de um cidadão negro por um polícia desencadeou uma onda de protestos
nos Estados Unidos que pôs em destaque uma doença mais profunda que aflige a
sociedade daquele país. Alguns chamam-lhe “a comercialização da violência”.
Esse
fenómeno surge, pelo menos, sob três aspectos evidentes: 1) a privatização das
guerras; 2) a militarização da polícia; e 3) o negócio do sistema prisional.
A
história das guerras dos EUA após os ataques terroristas de 11 de Setembro
acusa uma transformação notável. O Pentágono “externaliza” progressivamente a
execução da guerra nas mãos de empresas privadas de segurança que proliferaram
desde então. Estas, e as empresas que subcontratam, consomem agora mais da
metade do orçamento nacional da Defesa. É uma forma de esconder da população o
custo humano e financeiro das novas guerras.
É
por isso que, em 2019, destacavam no Médio Oriente mais de 53.000 efectivos
dessas empresas, contratadas por empresas norte-americanas, enquanto o
Pentágono lá tinha apenas cerca de 35.000 “soldados próprios”. Além disso,
desde que em 2001 se iniciou a intervenção militar na zona, morreram no Médio
Oriente cerca de 8.000 combatentes privados, mais 1.000 que o número total de
baixas militares. Combatentes que em grande parte nem sequer eram cidadãos dos
EUA, o que permitia “afastar” a guerra das preocupações domésticas e evitar
protestos públicos como os que ocorreram durante a Guerra do Vietname.
Todo
o anteriormente referido diz respeito à violência estatal bélica, ou seja a que
está englobada no âmbito da Defesa nacional. Mas não é a única violência a
tomar em conta. O
chamado “Programa 1033″ do Pentágono vem facilitando desde 1997 o fornecimento
de equipamento militar “excedente” às várias forças policiais. Isto levou a uma
militarização real da polícia, não apenas com armamento de guerra e equipamento
militar, mas também nas formas de actuar e, o que é mais perigoso, na
mentalidade. Isto multiplicou-se desde que Trump chegou ao poder, atingindo um
máximo em 2019.
Forças
policiais equipadas com armas de guerra acabam inevitavelmente adoptando a
“cultura do guerreiro” e a considerar inimiga a população que deveriam
proteger. Isto é também considerado natural para um povo que, em grande parte,
nasceu imerso no culto das armas de fogo. Paradoxalmente, a morte de George
Floyd ocorreu ante as câmaras não pelo uso de armas de guerra mas pelo
primitivo procedimento policial de esmagar-lhe o pescoço com um joelho.
Quem
ou quais beneficiam com tudo o anteriormente dito? A resposta é clara: o
complexo militar-industrial, que fornece tudo, desde os drones que vigiam a
fronteira com o México até aos veículos blindados que dispersam manifestantes
pacíficos que protestam contra a violência racial da polícia, como acaba de
acontecer.
O
terceiro ramo desta comercialização de violência é ocupado pelo sistema
penitenciário. Cerca de US $ 120.000 milhões anuais custa manter encerrados na
prisão uns dois milhões de cidadãos norte-americanos, a maior população de
reclusos de todo o mundo. Grande parte deles está confinada em prisões
privadas, um negócio seguro que cresce ao longo do tempo, porque a taxa de
encarceramento nacional cresceu 700% desde 1972, principalmente devido
sobretudo à guerra contra o narcotráfico.
A
reinserção social dos delinquentes passa assim a último plano e o sistema
penitenciário preocupa-se em gerar benefícios económicos. O negócio das prisões
é talvez a máxima expressão do capitalismo selvagem que continua a crescer.
Numerosas
manifestações populares nos EUA têm nestes dias exibido o cartaz Defund the
Police! (Não mais fundos para a polícia!), porque para aqueles que o sistema
deixa de lado os fundos destinados a apoiar a violência policial deveriam ser
aplicados em serviços sociais e nas instituições destinadas a proteger os mais
fracos. Da mesma forma que investir mais em diplomacia, ajuda económica e
intercâmbios culturais internacionais serviria melhor que a guerra os
interesses generalizados de toda a humanidade, tanto nestes tempos de pandemia
sanitária como para enfrentar os problemas que a crise climática em breve trará
consigo. Avizinham-se novos modos de vida e haverá que estar dispostos a
enfrentá-los.
*Publicado
em O Diário.info
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