#Escrito e publicado em português
do Brasil
Negociações avançam — e revelam
recuo dos EUA na região. Acordo de 25 anos prevê bilhões em cooperação
energética e infraestrutura — em arranjo financeiro contra a hegemonia do
dólar. Por trás de tudo, erros trágicos de Trump e Obama
Alfredo Jalife-Rahme na Sputnik
News | em
Outras Palavras | Tradução: Ricardo Cavalcanti-Schiel
A partir do momento da
ressurreição da Rússia do cemitério geopolítico e da ascensão econômica
irresistível da China, tanto o democrata Barack Obama quanto o republicano
Donald Trump cometeram dois graves erros geoestratégicos na Eurásia, no
contexto do declínio global e doméstico dos Estados Unidos, que têm vivido uma
guerra civil sub-reptícia, a que alguns caracterizam como uma guerra de classes
e/ou guerra cultural.
O erro grave de Obama foi ter
lançado a Rússia nos braços da China. Os dois países conformaram então uma
associação estratégica, cujo alcance e envergadura ainda não chegam a ser
plenamente conhecidos pelo grande público.
Pelo seu alcance, o erro de Obama
supera, inclusive, o outro cometido por Trump, incitado que foi pelo seu grande
aliado, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, correligionário
sionista do seu genro talmúdico Jared Kushner. Netanyahu impeliu Trump a romper
com o criativo acordo nuclear com o Irã ― forjado por Obama, no âmbito do assim
chamado grupo “5+1”: os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da
ONU mais a Alemanha –, com o objetivo de, através da aplicação da “máxima
pressão”, por meio de asfixiantes sanções econômicas, obrigar o Irã a um novo
tratado, já agora favorável a Tel-Aviv. O resultado foi que Teerã também
arrumou as trouxas para lançar-se nos braços de Pequim.
O erro estratégico definitivo de
Trump, no entanto, foi o de ter ordenado o assassinato, por meio de um drone,
do icônico general Soleimani e seu colega iraquiano Abu Mahdi al Mohandes.
Depois disso, a teocracia xiita iraniana não teve outra opção que não apurar os
detalhes que faltavam para um pacto estratégico de um quarto de século com a
China.
Os dois erros, de Obama e de
Trump, devem estar fazendo se revolver na tumba o geopolítico inglês Halford
MacKinder [o pai da Teoria do Heartland], a quem destroçaram todos os seus
axiomas euro-asiáticos que fundamentaram o domínio anglo-saxão exercido por
Reino Unido e Estados Unidos no controle do mundo. Curiosamente, a aproximação
do Irã às duas superpotências ― Rússia, de uma parte (a máxima superpotência
nuclear, na era das armas hipersônicas), e China, de outra (máxima
superpotência geoeconômica, quando se toma seu PIB ponderado pelo poder
aquisitivo e paridade de compra) ― expõe a orfandade euro-asiática dos Estados
Unidos. Essa potência em ocaso tem sofrido sérias avarias geopolíticas em todo
o Grande Oriente Médio, sobrando-lhe apenas o salva-vidas um tanto aleatório da
Índia, que, por casualidade, mantém excelentes relações com a Rússia.
Simon Watkins, no site Oil
Price, noticia que há um ano o chanceler iraniano Mohamed Zarif visitou seu
homólogo chinês Wang Li para lhe apresentar o roteiro de uma “associação
estratégica integral” de 25 anos entre a China e o Irã; algo que se somaria ao
acordo preliminar de 2016. Ao que tudo indica, existem termos secretos aos
quais “se acrescentaria um elemento militar novo”, com as tácitas bênçãos da
Rússia, e que terá “enormes implicações na segurança global”.
Entre os presumidos elementos
secretos do pacto firmado há um ano, “a China poderia investir cerca de 280
bilhões de dólares no desenvolvimento dos setores de petróleo, gás e
petroquímica do Irã”, que viriam a ser aplicados no primeiro período de cinco
dos 25 anos de validade do pacto. Também nesse quinquênio, a China poderia
investir 120 bilhões de dólares no sistema de transporte ― trens-bala e metrô ―
e na infraestrutura fabril do Irã, em troca da compra de petróleo, gás e
petroquímicos pelas empresas chinesas com a garantia de um desconto mínimo de
12% ou por meio de outras fórmulas que favoreçam a China. As vantagens incluem
ainda um prazo de carência de dois anos para o pagamento das aquisições
chinesas, que será feito em renminbi/yuan. Esse termo do acordo tem, então, a
virtude de contornar o sistema SWIFT de pagamentos bancários, controlado pelos
Estados Unidos.
Historicamente, os iranianos são
lendários mercadores, e seguramente encontrarão saídas criativas para trocar as
divisas chinesas através do Catar, até Istambul, e acumular moedas fortes.
Enquanto isso, o renminbi/yuan se fortalece e se internacionaliza. E a
infraestrutura do Irã estará alinhada ao “projeto geopolítico multigeracional”
da Nova Rota da Seda.
É preciso notar que o Irã faz
fronteira com 15 países: sete terrestres (Afeganistão, Armênia, Azerbaijão,
Iraque, Paquistão, Turquia e Turcomenistão), dois no Mar Cáspio (Rússia e
Cazaquistão), e mais as seis monarquias árabes do Golfo Pérsico (Kuwait, Arábia
Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Catar e Omã). A China também é um
país de 15 fronteiras. O problema do Irã não é sua conectividade geopolítica,
mas sua asfixia geofinanceira advinda do bloqueio de Trump à exportação de
hidrocarbonetos pelo país, o que produziu uma brutal desvalorização da sua
moeda, o rial. O pacto de um quarto de século com a China não apenas dilui a
guerra multidimensional de Trump contra o país como também o posiciona como
pivô de primeira grandeza nesse espaço de 30 fronteiras compartilhadas.
A China se coloca hoje com
capacidade para driblar as sanções econômicas de Trump e até mesmo se esquivar
da segunda fase de negociações comerciais com os Estados Unidos.
O pacto deixou nervosos tanto os
Estados Unidos quanto Israel, a ponto de que o belicoso Secretário de Estado, o
evangélico sionista e ex-diretor da CIA, Mike Pompeo viesse a pressionar
Netanyahu para abandonar todos os planos de investimento chineses em Israel.
Por motivos eleitorais, Trump se
empolgou com a ideia de despejar um tsunami de sanções contra a China, sob os
mais variados pretextos, em especial, contra o 5G da empresa Huawei. Ele também
elevou as tensões militares, a ponto de colocar dois porta-aviões no Mar do Sul
da China e estimular a venda de armas pela Lockheed Martin a Taiwan, enquanto
atiça velhos rancores da Índia e estimula o secessionismo dos uigures da região
islâmica autônoma de Xinjian. Isso tudo sem contar as pressões sobre a
anglosfera em geral ― do Reino Unido à Austrália ― para que evitem a presença
da Huawei, sob o pretexto de protestar contra a nova lei de segurança de Hong
Kong.
O site de notícias
cipriota, alternativo e pró-russo, The Duran considera que
o acordo entre China e Irã constitui, nesse contexto, “um enorme golpe para as
aspirações dos Estados Unidos na Ásia Central”. Um ano depois dele (na
realidade quatro), The New York Times, por outro lado ― hoje mais
questionado que nunca por seus próprios jornalistas (que argumentam que seu
jornalismo é feito mais sobre tuits que sobre análise e investigação,
coisas a que o jornal abdicara desde que aderiu à mentira oficial sobre as
armas de destruição em massa do Iraque) ― publica um
documento supostamente vazado, mas com o claro tempero do Departamento de
Estado norte-americano, que torna clara a angústia, senão o desespero, de
Trump. Entre tais condimentos se inclui o termo duvidoso da cessão do Irã à
China de vantagens portuárias ao longo da costa do Mar de Omã, especialmente
Jask, já fora do Estreito de Ormuz, nas portas do golfo Pérsico, “o que daria à
China um ponto de vantagem estratégica no tráfego da maior parte do petróleo mundial”.
O New York Times também
se inquieta com o exercício naval conjunto entre Irã e Rússia no último mês de
dezembro no Golfo de Omã, do qual participou o contratorpedeiro de mísseis
chinês Xining.
Como é de hábito na terminologia
diplomática interna norte-americana, seus futuros anais históricos, ao oscilar
entre Obama e Trump, provavelmente se perguntarão: “quem perdeu o Irã?”. O
certo é que a Rússia e a China o ganharam.
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