segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Setor privado timorense vive descapitalizado e em situação "preocupante" -- ex-ministro


Díli, 24 ago 2020 (Lusa) -- O ex-ministro das Finanças timorense Rui Gomes disse hoje que o setor privado em Timor-Leste vive há anos uma situação financeira "preocupante" e está fortemente descapitalizado, sendo essencial melhorar as condições de acesso ao crédito.

Melhorar a capacidade de produção nacional, formalizar o setor informal e diversificar progressivamente a economia são outras ações que ajudariam o país a consolidar o seu desenvolvimento, defendeu, em entrevista à Lusa.

O ex-governante notou que o país "ainda não tem um 'salvador'" económico, correndo o risco de "dilapidar o seu único fundo soberano, se continuar a engordar a Administração Pública e o consumo, negligenciando a acumulação do capital humano para o tornar a verdadeira riqueza da nação".

"Os timorenses têm de voltar a começar a trabalhar, voltar às terras abandonadas e aprender a consumir daquilo que produzem", sustentou Rui Gomes, que liderou uma comissão criada pelo Governo timorense para preparar um Plano de Recuperação Económica (PRE) para o país.


Depois de vários anos de crise económica -- devido a tensão política e agora à covid-19 - Rui Gomes notou que a situação do setor privado se agravou consideravelmente e que, por isso, parte do PRE aposta na sua revitalização e na estruturação das condições gerais do país.

Entre outros aspetos, referiu a falta da "prioritária" regulamentação de toda a legislação associada às terras, "um entrave ao investimento produtivo no país por parte do setor privado", tanto nacional como externo.

É ainda essencial, defendeu, "rever profundamente" o funcionamento do sistema de Justiça, "incluindo o que diz respeito ao enquadramento legal do funcionamento das empresas, nomeadamente "transparência da ação dos serviços públicos, intolerância à corrupção, mecanismos de financiamento através do acesso ao crédito, regime de falências/insolvências e deliberação sobre disputas e arbitragem comercial".

Um dos possíveis "estimuladores" da ação do setor privado, disse, é uma "estratégia de substituição limitada de importações", um dos elementos previsto no PRE.

"O setor privado precisa de dotar-se de meios para lançar as suas empresas, nomeadamente dispor de alguma capacidade financeira e de gestão", enfatizou.

"O Estado deve proporcionar os meios financeiros necessários através de parcerias com os bancos comerciais que dispõem de elevada liquidez, mas cujos recursos não são mobilizados porque os empresários não têm capacidade de apresentar os projetos e as garantias reais devidas", frisou.

"A maioria das empresas não dispõe de contabilidade organizada e isso também constitui um entrave para o crédito bancário: o apoio nesta área, designadamente através da aprovação de um plano de contas e do apoio à formação, é fundamental", sublinhou.

Os baixos níveis de rendimento, "em muitos casos pouco acima da simples sobrevivência" e níveis de pobreza ainda elevados, "com significativas desigualdades regionais", são outros riscos "sérios" à economia nacional.

"Mais do que a pobreza monetária, a natureza da pobreza multidimensional e das capacidades das pessoas para aceder a bens e serviços essenciais também representa um dos principais riscos que a economia timorense enfrenta", disse.

"Mesmo famílias que vivem acima da linha de pobreza nacional têm, muitas vezes e sobretudo no interior do país, dificuldades no acesso a bens e serviços que lhes permitam satisfazer necessidades básicas, designadamente a nível de educação, saúde, serviços sociais ou mesmo de nutrição de qualidade", afirmou.

A pandemia da covid-19, que veio mostrar muitas das fraquezas estruturais do país, fez sobressair, considerou, a necessidade do reforço do capital humano e mostrar "quão importante é dispor de serviços públicos de qualidade e abrangentes, em particular do sistema nacional de saúde, do sistema público de educação e do sistema de proteção social".

Central a todo o debate económico em Timor-Leste -- onde as receitas não-petrolíferas do Estado não cobrem nem um terço das despesas públicas recorrentes -- tem estado a questão da diversificação económica.

Rui Gomes defendeu que este processo "que pode demorar duas décadas ou mais", deve ser acelerado agora, quando o país ainda dispõe de meios financeiros.

O atual "nível de complexidade económica muito baixo (ou capacidade produtiva muito limitada), dificulta a transformação da estrutura produtiva atual" e, por isso, é necessário, primeiro, "acumular capacidades produtivas" para conseguir "elevar a produção ao nível mais complexo, por exemplo, na manufatura ou indústria transformadora mais complexas".

Devem, nesse sentido, identificar-se alguns produtos já na estrutura produtiva atual -- como café ou baunilha --, introduzindo a sua transformação para "acrescentar valor", depois verificar se estes produtos "concordam com a realidade económica do país" e, finalmente, através do setor privado, "identificar e procurar assegurar os mercados internacionais ou regionais que dão mais-valia a esses produtos".

"A promoção da produção nacional é um dos focos para a recuperação económica do país", disse, sublinhando a importância da produção elevada de alimentos a preços acessíveis.

"O primeiro teste à produção nacional será brevemente feito através da implementação da medida da cesta básica, onde 50% dos bens alimentícios que compõe a cesta será oriundo da produção local", disse.

Reduzir gradualmente a dependência do Fundo Petrolífero, garantindo a sua manutenção a longo prazo, capitalizar na "simpatia" dos países doadores e recorrer a empréstimos e emissão de dívida pública, são estratégias que devem ser adotadas, disse.

Paralelamente devem explorar-se mais as parcerias público-privadas, emagrecer a máquina do Estado para combater o "despesismo", criando "um Estado melhor e não um Estado maior" e apoiar a formalização do setor informal, são outras medidas.

ASP // JMC

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