Miguel Guedes* | Jornal de Notícias | opinião
Quando Ronald Reagan ganhou a América a Jimmy Carter, milhões de americanos sentiram que um terramoto tinha acabado de abanar a história do país.
Era o início de um novo paradigma com um colete-de-forças de braços armados externos que simbolizava a ruptura com uma dimensão de valores que já se sentiam moribundos mas que, com boa probabilidade, ali morreriam. Quarenta anos depois, comparar a América de Reagan com a de Trump é um exercício de extremos onde o ex-actor americano incarna a figura de um perigoso esquerdista.
O actual presidente dos EUA é talentoso na subversão das normas democráticas e na criação aleatória de regras que lhe sejam convenientes. É ostensivo na encriptação do seu pensamento em relação ao que desconhece ou pretende manter omisso mas usa e abusa da sua enorme irresponsabilidade ao não ser capaz de condenar grupos de supremacistas brancos (pelo contrário, o seu "stand-by" aos "Proud Boys" é o mais claro sinal de que vai precisar deles nas ruas caso perca as eleições). Trump joga com a violência nas ruas como sua eventual guarda pretorial.
Se há algo que o primeiro debate entre Donald Trump e Joe Biden demonstrou é que aqueles que acreditaram na hipótese da combinação das palavras Trump/debate são românticos incuráveis. Uma besta num lamaçal, a arrastar convictamente o seu peso para os limites do debate de forma a que nada se produza senão ruído, circo e confusão. Assim foi e assim será nos próximos dois debates, caso existam. Contadas 73 interrupções de Trump a Biden, fica na memória de quem o viu como o pior debate de sempre nas eleições americanas. Realizar debates nestas circunstâncias é jogo sujo, como se Trump bloqueasse todas as cartas do adversário ou não o deixasse ir a jogo. Daí que as regras tenham que mudar já para o segundo debate de 15 de Outubro. A comissão que superintende os debates eleitorais nos EUA já assegurou que irá alterar o formato dos mesmos, nomeadamente através do corte dos microfones dos candidatos quando não estejam na posse da palavra. Trump está contra, claro. Veremos como gesticulará numa loja que para ele será de porcelanas.
No debate eleitoral entre Ronald Reagan e Jimmy Carter em 1980, Reagan teve acesso a documentos internos da preparação do debate por parte da campanha de Carter. No que viria a ser conhecido como o "Debategate", a batota republicana impediu a já de si difícil reeleição de Carter que ainda contava com a cartada da libertação dos reféns no Irão para inverter a tendência perdedora das sondagens. Olhando agora por comparação à distância de quatro décadas, o que Trump fez não requer livre ingresso ou acesso indevido à literatura confidencial da campanha de Biden. Basta faltar ao debate, aparecendo tal como é.
O autor escreve segundo a antiga ortografia
*Músico e advogado
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