Pedro Tadeu | Diário de Notícias | opinião
Quando, há cerca de um mês, Marques Mendes interpretou na SIC os erros de António Costa como o "princípio do fim" do ciclo político iniciado em 2015, lançou uma tese que rapidamente teve adesão em outros comentadores profissionais com ampla reprodução e inúmeras variações nas hostes da direita, que há anos procuram derrubar o governo através de um tiroteio de frases iradas, freneticamente publicadas no facebook e no twitter.
A perda da maioria absoluta do Partido Socialista na Assembleia Regional dos Açores, após as eleições do domingo, e o voto contra do Bloco de Esquerda na fase de apresentação do Orçamento do Estado para 2021 servem já para muitos opinadores confirmarem essa asserção.
António Costa, como primeiro-ministro, está acabado? Talvez sim e talvez não.
As razões para explicar o eventual fim do governo minoritário do PS estão largamente expostas: as decisões polémicas e incompreensíveis, a fraca resposta a esta segunda fase da pandemia, os erros de alguns ministros, a depressão económica, a degradação social e o aumento da contestação fazem prever que o primeiro-ministro tenha cada vez maiores dificuldades em obter apoios parlamentares suficientes para se aguentar.
Com a previsibilidade da apresentação de um Orçamento Retificativo, a meio do ano que vem, ocorrerá um drama político na sua discussão que pode levar, de facto, ao chumbo dessa proposta no Parlamento e, na sequência, a uma demissão do governo, com convocação de eleições antecipadas pelo, entretanto, reeleito Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Provavelmente é isto que quem fala em fim de ciclo está a antecipar.
Analisemos agora o "talvez não" - a hipótese de ser um erro prever o fim deste ciclo de um governo minoritário do PS, com apoios duramente negociados com Bloco, PCP, PAN e PEV, como acontece há cinco anos.
Para que este ciclo político não termine é necessário, em primeiro lugar, que a questão da pandemia se resolva - pelo menos do ponto de vista de perceção pública - até fevereiro/março, e que a sua gestão em novembro, dezembro e janeiro não descambe num desastre.
Para que este ciclo político não termine é vital que as populações não se sintam abandonadas à sua sorte e que os serviços de saúde tenham capacidade de resposta para a COVID-19 e para as outras doenças.
Para que este ciclo político não termine é preciso que as vacinas que vão começar a estar disponíveis sejam eficazes e sejam distribuídas com rapidez.
Para que este ciclo político não termine é preciso que as novas massas de desempregados que vêm aí até ao final do ano não se sintam desamparadas, que o IEFP seja eficaz e desburocratizado e que a oferta de emprego comece a crescer significativamente, assim que a pandemia estiver controlada.
Para que este ciclo político não termine é também necessário que as populações não se sintam presas dentro do seu país.
Por exemplo, impedir as pessoas de viajarem para gozarem o Natal em família, na "terrinha", até pode ser um decreto compreendido pelos portugueses, pois seremos bem capazes de estar nessa altura com sete ou oito mil infeções diárias e com um número de mortos assustador, mas a compreensão e aceitação da medida não impedirá o ressentimento emocional que tal restrição implicará - e o alvo desse ressentimento, que a oposição trabalhará com entusiasmo, será, obviamente, António Costa.
Decretar estados de emergência ou confinamentos obrigatórios em algumas regiões do país terá o mesmo efeito - mesmo se entendidas e acolhidas, ficará sempre a impressão de que houve falta de prevenção governativa, depois de tanto termos aprendido na primeira fase da pandemia, para evitar novas medidas draconianas.
Resumindo: este fim de ciclo político depende, fundamentalmente, da capacidade de António Costa em lidar com a fase final da pandemia - se esta for, entretanto, clinicamente vencida em tempo útil - bem como em relação aos seus efeitos colaterais.
A sobrevivência política de António Costa, num modelo "geringonça", não depende do Plano de Recuperação Económica, dos fundos europeus ou de qualquer projeto de médio prazo - isso só será relevante depois do fim do medo do coronavírus.
A sobrevivência política de António Costa depende da eficácia das medidas de curto prazo.
O que se passa hoje em dia é que todos os partidos acham que Costa não vai conseguir superar esse desafio e estão a antecipar o drama político a meio do ano que aí vem - e é por isso, na minha interpretação, que o Bloco de Esquerda não está disposto a ser complacente com o PS, pois receia ser arrastado eleitoralmente na onda negativa que pode vir a inundar a governação.
Esta falta de apoio político do Bloco será fatal para a "geringonça" de Costa? Talvez não, se ele conseguir reforçar agora os apoios que lhe restam para, nos próximos quatro meses, poder enfrentar a catástrofe que se avizinha em modo pombalino: "enterrar os mortos e cuidar dos vivos"... mas acho que não é isso que ele vai fazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário