Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião
No debate de um Orçamento os números têm de confirmar as afirmações políticas.
Foi sempre nos números do Governo que nos baseamos para criticar a recorrente subexecução do investimento público ou o excesso de cativações. Foi neles também que nos apoiamos para explicar à Direita que o aumento da receita fiscal se devia à melhoria do emprego e não a um qualquer aumento da carga de impostos, ou ainda que o aumento da despesa em Saúde era real.
Mas debater números é tudo menos simples. A complexidade técnica permite baralhações mais ou menos propositadas e há sempre conceitos, como "carga fiscal", que se prestam a interpretações livres. A melhor proteção para um debate sério é, por isso, utilizar sempre uma fonte credível e procurar ser consistente nos critérios de comparação.
É assim que fazemos a avaliação
do Orçamento do Estado, com os dados do próprio Orçamento. Para saber o valor
que o Governo destina a cada rubrica, olhamos para a dotação orçamental
prevista e comparamo-la com duas realidades: a dotação prevista no ano anterior
e a estimativa da sua execução no ano em curso, feita pelo próprio Governo.
Este exercício é importante. Muitas vezes os valores orçamentados até sobem
face ao Orçamento no ano anterior, mas não significam qualquer reforço em relação
ao que foi realmente executado. Em
No Orçamento para 2020, antes da
pandemia, um dos grandes anúncios do Governo foi o reforço orçamental do SNS em
941 milhões de euros. Usando exatamente o mesmo critério de comparação, a
transferência para o SNS prevista para 2021 é 143 milhões de euros inferior ao
que estava previsto no Orçamento Suplementar para 2020. Se compararmos face ao
executado no total do ano de
Segundo o Orçamento, para o bolo total da Saúde há mais 786 milhões de euros orçamentados (mais 485 milhões face ao executado em 2020). Mas também aqui temos questões. Desse total, 301 milhões são para despesas com pessoal, um reforço 100 milhões de euros abaixo do que foi feito em 2020. Como esperar então um aumento de contratações em 2021? Por outro lado, prevê-se que a despesa com aquisição de bens e serviços esteja 197 milhões abaixo do executado em 2020.
Quero debater com seriedade, pelo que não argumento que a Saúde como um todo não tenha um reforço orçamental. O que digo, citando dados do OE 2021, é que esse reforço é muito insuficiente: a transferência para o SNS está estagnada, o reforço para pessoal é insuficiente e a dotação para equipamentos diminui face ao executado este ano. Este orçamento não bate certo com os anúncios do Governo e menos ainda com as necessidades do SNS.
*Deputada do BE
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