Marcelo desautoriza juridicamente o Governo: não mudar de concelho nos finados é apenas “uma recomendação”
“Mais do que uma imposição é uma recomendação agravada”. Marcelo Rebelo de Sousa compreende as dúvidas dos constitucionalistas e fez uma leitura livre da decisão do Governo de proibir as deslocações entre concelhos a partir da meia noite. O Presidente fala de uma “tolerância” jurídica muito grande. Mas mais restrições, avisam os juristas e o PR concorda, só com estado de emergência ou mudanças na lei
O Presidente da República desautoriza a decisão do Governo que foi anunciada como uma proibição das pessoas circularem entre concelhos a partir da meia noite desta quinta-feira.
Marcelo Rebelo de Sousa concorda com as dúvidas levantadas por vários constitucionalistas sobre a legalidade de algumas das novas restrições impostas pelo Executivo e, no que toca ao fim de semana dos finados, encontrou uma forma airosa de corrigir o Governo: na sua opinião, a proibição de circular entre concelhos é uma "recomendação, mais do que propriamente uma imposição acompanhada da aplicação de sanções"".
O próprio Presidente disse-o esta quinta-feira à tarde em declarações aos jornalistas no palácio de Belém: "Essa é uma medida com um número muito elevado de exceções e que está a ser aplicada com uma tolerância muito grande, o que significa que é quase uma recomendação agravada, mais do que uma imposição".
A mensagem do Presidente/constitucionalista colide com a do Governo, que anunciou a proibição das pessoas circularem entre concelhos desde a meia noite de dia 30 até à meia noite de dia 3 de novembro. Um período que abrange o dia de finados, quando milhares de pessoas visitam os cemitérios.
Em setores da direita ou mais ligados às tradições católicas, Marcelo chegou a ser criticado por dar luz verde a um feriado respeitado sobretudo pelos crentes. Mas o Presidente vem agora clarificar qual é o seu entendimento de uma decisão que, além do mais, está a ser posta em xeque do ponto de vista legal por vários juristas - e que pode ser revertida por uma providência cautelar interposta pelo Chega e que será analisada pelo Supremo Tribunal Administrativo nas próximas 24 horas.
Jorge Miranda, Paulo Otero, Vitalino Canas ou Jorge Reis Novais são apenas alguns dos constitucionalistas que vieram manifestar as suas dúvidas, considerando que proibir as pessoas de circularem entre concelhos sem decretar o estado de emergência "roça a inconstitucionalidade" e que, quanto muito, devia-se aprovar uma lei que consagrasse o estado de emergência sanitário.
Marcelo Rebelo de Sousa já falou com António Costa e acordaram na necessidade de tentar um consenso o mais alargado possível quanto à forma como serão aplicadas as próximas medidas restritivas, que já ninguém duvida terem que avançar. Chegando, muito provavelmente, a um novo estado de emergência, ainda que numa versão diferente da que foi decretada na primavera por forma a evitar um novo lock down no país.
O primeiro-ministro ouve na sexta-feira os partidos políticos, a quem anunciará medidas que já tem sobre a mesa - entre elas, multiplicar por um número significativo de concelhos o confinamento parcial que já foi aplicado a Lousada, Felgueiras e Paços de Ferreira - e auscultará o que pensam sobre o que está para vir e sobre a melhor forma de enquadrar juridicamente as decisões a tomar.
Nem Marcelo nem Costa querem avançar para um novo estado de emergência sem um consenso e o Presidente assumiu isso nas declarações aos media em Belém: "Há medidas que foram mais fáceis de tomar há oito meses do que agora. É preciso um consenso parlamentar e social para que essas novas restrições sejam eficazes", afirmou, acrescentando que "é preciso as pessoas perceberem se sim ou não há razões para pôr outra vez o pé no acelerador na proteção da vida e da saúde".
"Este equilíbrio justifica o porquê da calibragem nas medidas", concluiu Marcelo, admitindo falar ao país na próxima semana, depois do primeiro-ministro o fazer já no sábado.
Ângela Silva | Expresso
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