domingo, 1 de novembro de 2020

Portugal | Defender o Natal e defender as crianças

Domingos Andrade* | Jornal de Notícias | opinião

O país fecha em dezembro para salvar o Natal. Porque também é preciso salvar as escolas.

Não há dia lá em casa em que os mais novos não levem com o mantra da necessidade de se protegerem. E a tentação, com o surto descontrolado, sem sequer se perceberem as cadeias de transmissão, é tirar as crianças da escola, a que o ministro da Educação tem resistido.

Nós já vimos este filme, em março. Ainda o Governo não tinha tomado decisões, e já pais e professores recusavam as aulas presenciais, iniciando um confinamento que foi adotado pela população antes ainda de ser assumido politicamente. Confinar era a única solução face a um vírus desconhecido e avassalador, contra o qual não tínhamos armas nem conhecimento.

A ciência aprendeu muito, mas não o suficiente para travar idêntico movimento de pressão para fechar. De autarcas a diretores, multiplicam-se as vozes para se avançar de imediato para o regime misto de ensino nos concelhos mais afetados pela pandemia. Apesar da guerra de números da Fenprof, os dados oficiais mostram um número bastante reduzido de surtos. O movimento de transmissão tem sido sobretudo da família para a escola, mais do que o inverso. O que não impede uma agitação coletiva, com muitos professores a defenderem, dentro da sala de aulas em que deveriam ser garante da estabilidade, um novo confinamento.

Todos os estudos concluíram o que intuitivamente já era dado como certo sobre os efeitos do ensino à distância: aumentaram as desigualdades sociais, com elevadas taxas de alunos que não tiveram qualquer contacto com os professores no terceiro período; houve défice de aprendizagens; os índices de leitura foram baixos e severamente notadas as consequências nos alunos do 2.º ano, que regressaram à escola sem fluência e com evidentes dificuldades.

Tendo em conta que as primeiras semanas do ano letivo foram em larga medida dedicadas à recuperação das matérias que ficaram para trás, começar já a desacelerar vai agravar um problema que é sério. E que não é apenas pedagógico, mas social.

A escola é o principal motor de combate às desigualdades e do desenvolvimento cultural e económico do país. E é preciso guardar as medidas mais penalizadoras, ainda mais do que os miniconfinamentos a que vamos estar sujeitos, para quando se revelar efetivamente necessário. A não ser que indicadores sérios e credíveis demonstrem o contrário, a escola tem-se revelado um espaço seguro, com regras de segurança apertadas. É crucial deixar a escola exercer o seu papel insubstituível.

*Diretor

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