quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Uma questão de tempo: Dai tempo ao tempo

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Em busca do tempo perdido

Cristina Figueiredo | Expresso

Há 98 anos, neste dia, morria Marcel Proust. Em jeito de homenagem ao escritor francês, tomo de empréstimo o título da sua obra emblemática para dar nome a este Curto. A "usurpação" nada tem de original. Volta e meia, a "busca do tempo perdido" é expressão convocada para explicar o impulso que de vez em quando todos temos de, na impossibilidade física de voltar atrás no tempo, remediar as coisas, emendar a mão, recuperar o que não se fez na devida altura, correr atrás do prejuízo, antes que seja tarde demais. Assim é com o estado de coisas relativo ao combate à Covid 19. À medida que os números escalam (ontem houve um novo máximo de internamentos em cuidados intensivos, anteontem atingira-se o maior número de vítimas mortais desde o início da pandemia) e somos confrontados com cada vez mais casos já não apenas lá longe, nas notícias de jornais e televisões, mas nos nossos ambientes de trabalho e familiares, cresce a incerteza: fez-se mesmo tudo o que se podia para evitar chegar aqui?

Portugal é o 10º país da Europa com mais novos casos por 100 mil habitantes. A Europa, de resto, é neste momento a área mais afetada do mundo, segundo a agência francesa AFP, que contabilizou relatórios oficiais e concluiu que desde o início do ano já foram identificados mais de 15 milhões de casos do novo coronavírus em território europeu. Números que nos colocam à frente da América Latina e Caribe (12,1 milhões de casos) e da Ásia (11,5 milhões de casos). Dos 10 países no top, oito já estão em confinamento, total ou parcial. Escapam Croácia e Polónia.

Em busca do tal tempo que porventura se perdeu entre o bem sucedido combate à primeira vaga e o aparente descontrolo da segunda, o Presidente da República prepara-se para renovar o estado de emergência por mais quinze dias. Ontem ouviu os pequenos partidos ( IL, Chega, PEV e PAN), hoje é a vez de CDS, PCP, BE, PSD e PSD. A proposta deve ser discutida e aprovada (ainda que com os votos contra já anunciados de IL, Chega e PEV e, quase de certeza, PCP e BE) na Assembleia da República esta sexta-feira de manhã e o (novo) estado de emergência decretado ao final desse dia por Marcelo Rebelo de Sousa. Provavelmente com nova declaração ao país. No sábado é, pois, expectável que o Conselho de Ministros volte a reunir para decidir que medidas entram em vigor a partir de segunda, 23, dia em termina o atual estado de emergência. Com todas as atenções focadas no que se vai passar nos dois fins-de-semana seguintes, já que propiciam deslocações a aproveitar as "pontes" para os feriados de 1 e 8 de dezembro: vai o Governo repetir a proibição de deslocação entre concelhos do 1º de novembro ou ficar-se pelo recolher obrigatório? E a partir de que horas?

Certo parece ser que o recolher obrigatório generalizado a partir das 13h e até às 5h da manhã, como aconteceu no passado fim-de-semana e vai voltar a acontecer este sábado e domingo, motivando tantos protestos sobretudo por parte da restauração, não é para repetir. O Governo está a ponderar adotar medidas diferenciadas de acordo com o nível de risco dos municípios e, quando muito, o confinamento mais drástico ficará reservado para aqueles com mais de 960 casos de Covid por 100 mil habitantes. A ser este o critério, Loures (com pouco mais de 500 casos por 100 mil habitantes) fica de fora. Porque falo especificamente de Loures? Porque é lá que o PCP se prepara para realizar o seu congresso, de 27 a 29 de novembro. Indisponível para cancelar o evento (à semelhança do que fez com a festa do Avante), pode dizer-se que, desta vez, o PCP conta com o empenho de Governo e Presidente, para levar a cabo a iniciativa com o mínimo de controvérsia: se não houver recolher obrigatório antes das 23h (ou das 20h, que seja), basta que adeque a hora de encerramento dos trabalhos e ninguém o poderá acusar de estar a violar alguma regra do estado de emergência ou a beneficiar de qualquer tratamento de exceção.

OUTRAS NOTÍCIAS, CÁ DENTRO...

Antes de sabermos o que vem aí de novo para travar a pandemia a partir da próxima segunda-feira, o podcast da secção política do Expresso debruça-se sobre o que foi feito até aqui e interroga-se: o vírus trava-se com meias medidas?

No primeiro estado de emergência, para evitar surtos nas cadeias (como os que agora surgem em vários estabelecimentos prisionais do país), o Governo decidiu mandar para casa largas centenas de reclusos. Muitos não tinham para onde nem para que voltar. Mais um lado desta crise, aqui abordado num trabalho multimédia do Expresso que em boa hora chama a atenção para os que nem sempre a têm na devida proporção.

Esta manhã, a conferência de líderes da Assembleia da República decide novas regras para funcionamento do Parlamento, à luz da pandemia: regressa o quorum mínimo no hemiciclo (com um máximo de 50 deputados dentro da sala) e as comissões parlamentares só ficam autorizadas a reunir presencialmente "no âmbito do processo legislativo orçamental na sala das sessões”; todas as restantes passam a realizar-se por videoconferência.

Prosseguem as negociações entre o Governo e os partidos para a aprovação do Orçamento do Estado 2021, que começa a ser discutido na especialidade em plenário esta sexta-feira e será votado na quinta-feira, 26. Não há sinal de reuniões com o Bloco de Esquerda. Será mesmo assim?

Continua o julgamento do roubo de armas no paiol de Tancos. O ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, ouvido ontem em tribunal, negando a alegada encenação (que qualificou como uma "efabulação" da acusação).

Portugal venceu a Croácia por 3-2, em mais um jogo para a Liga das Nações. O golo da vitória foi marcado já em período de descontos. Na Tribuna faz-se o diagnóstico do jogo: "Sem pesadelo, sem azia, mas também sem ser bonitinho".

... E LÁ FORA

A jornalista chinesa Zhang Zhan está presa há seis meses, acusada de "causar altercações e problemas". O crime? Ter reportado sobre o surto do novo coronavírus na cidade de Wuhan, centro da China. Pode enfrentar até cinco anos de prisão.

Numa altura em que se sucedem as (boas) notícias sobre os desenvolvimentos das investigações para encontrar uma vacina contra a Covid 19 (ainda ontem a revista The Lancet deu conta dos resultados positivos de um ensaio clínico na China), há um estudo preliminar que conclui que a vacinação contra a gripe reforça as defesas contra o SARS-CoV-2. Entretanto, já ao início da madrugada, soube-se que a farmacêutica norte-americana Pfizer prepara-se para pedir de emergência a aprovação da sua vacina contra a Covid 19.

Também de emergência e já aprovado: o primeiro teste rápido à Covid que pode ser feito em casa teve luz verde pela FDA, a agência governamental norte-americana responsável pela saúde pública. E Anthony Fauci, o imunologista-chefe dos EUA, afirmou ontem numa conferência promovida pelo New York Times que é preciso uma estratégia comum do país no combate à pandemia, uma posição idêntica à defendida pelo Presidente-eleito Joe Biden.

No entretanto, Donald Trump continua a despedir colaboradores. E o anúncio é feito, como sempre, via twitter. Depois de, na semana passada, ter prescindido do seu secretário da Defesa, esta noite o ainda Presidente pôs termo ao mandato de Christopher Krebbs, o responsável máximo pela cibersegurança da eleição presidencial. Krebs tinha vindo a rebater as afirmações de Trump sobre "votos fraudulentos" no sufrágio ganho por Biden.

Mais de 33 mil pessoas abandonaram o norte de Moçambique na última semana, fugindo à violência contra civis no norte do país. A Cristina Peres explica que, três anos passados desde os primeiros ataques na região, a tática dos insurgentes é agora mais brutal e mortífera.

A FIFA anunciou o adiamento do Mundial de Clubes, que deveria realizar-se em dezembro, para fevereiro próximo. Justificação: o impacto da pandemia nas provas continentais em que ainda falta apurar os respetivos representantes.

E hoje continua a jogar-se a sexta jornada da Liga das Nações. Há um Bósnia e Herzegovina - Itália, um Polónia - Holanda, um Bélgica - Dinamarca e um Inglaterra - Islândia. Todos às 19:45.

O QUE ANDO A LER...

"Última hora", de Rui Cardoso Martins. Já aqui falei da peça, que esteve em cena no D.Maria até ao último fim-de-semana. Se não teve ocasião de a ver, pode agora "lê-la". Admito que o texto possa, aqui e ali, ser interpretado como uma "private joke" para jornalistas, mas se se interessa pelo mundo atual (e se chegou até aqui na leitura deste Curto é certamente porque sim) há-de apreciar esta certeira caricatura da situação que vive a comunicação social dos dias de hoje, resumida cruamente pelo autor no dilema (cuja mera enunciação soa a blasfémia): informar ou vender? Diz um personagens: "Já lá vai o tempo dos títulos espertalhões que tinham a presunção de informar o leitor. Não! O título é só a minhoca a torcer o rabinho húmido no anzol da nossa curiosidade". Seria de chorar, não fosse a inteligência de "Última hora" por-nos a rir (e muito).

"Uma experiência de social-democracia moderna", de Aníbal Cavaco Silva. A tese do antigo ministro das Finanças de Sá Carneiro, primeiro-ministro e Presidente da República é a de que o único período em que foi possível concretizar os verdadeiros princípios da social-democracia em Portugal foi entre 1985 e 1995, quando ele chefiou o Governo (com duas maiorias absolutas). Glosando o próprio, qualquer coisa como: "Depois de mim virá, quem de mim verdadeiro social-democrata fará". Numa altura em que muitos questionam onde se enquadra politicamente o PSD de hoje e para onde o está a conduzir a sua atual liderança, não deixa de ser uma retrospetiva interessante. Para quem tenha gosto pela temática, claro está.

... E A VER

A série da RTP2, "Heróis silenciosos". Começou na semana passada, terminou esta segunda-feira. São apenas seis episódios (ainda recuperáveis na RTP Play) de uma produção finlandesa baseada em factos reais. A ação decorre em 1973 e 1974 (belíssima reconstituição da época), em Santiago do Chile, quando Augusto Pinochet derruba (e mata) Salvador Allende e faz de todos os seus colaboradores e seguidores inimigos políticos a perseguir e abater. Conta a história do encarregado de negócios finlandês Tapani Brotherus que, desobedecendo às ordens expressas do seu Governo, deu abrigo e ajudou a salvar de morte certa mais de 2000 chilenos.

O documentário já é de 2018, mas só agora o vi e recomendo: "13 de novembro, terror em Paris", da Netflix. São três episódios de cerca de uma hora cada um, construídos apenas com imagens dos acontecimentos e o discurso direto de protagonistas políticos, agentes de segurança, médicos, bombeiros e sobreviventes dos ataques terroristas daquela 6ª feira de 2015 na capital francesa. Do Estádio de França, onde a seleção gaulesa enfrentava a Alemanha, à sala de espetáculos Bataclan, passando por quatro cafés e bares em vários pontos da cidade, entre as 21h e a uma da manhã, oito terroristas ligados ao Daesh mataram 129 pessoas e deixaram feridas cerca de 350. Os relatos são objetivos, factuais, serenos. Mas duros de escutar. Por mais anos que passem, há memórias que são feridas em carne viva. E jamais sararão.

O Curto fica por aqui. Se for informação atualizada que procura, é buscá-la ao longo do dia nos sites do Expresso e da SIC. Prometo que não dará o tempo por perdido. Tenha um dia bom.

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