#Publicado em português do Brasil
Patrick Armstrong | Strategic Culture Foundation*
Estou em dívida com Bryan MacDonald por essa interessante neologia: russofrenia - síndrome do espectro da esquizofrenia, que leva o doente a crer que a Rússia esteja, ao mesmo tempo, à beira do colapso e a um passo de dominar o mundo. "Russofrenia" é a esquizofrenia que acomete os EUA, para assuntos russos.
Um primeiro exemplo vem de 1992, quando o então ministro da Defesa da Lituânia
declarou que a Rússia seria país "com futuro duvidoso". No mesmo
parágrafo, disse também que "em cerca de dois anos, a Rússia será grave
perigo para a Europa" (Foreign Broadcast Information Service (FBIS),
22/5/92, p 69). Futuro duvidoso, mas perigo gravíssimo.
Dado o futuro demográfico duvidoso da própria Lituânia, foi até engraçado,
porque a Lituânia viria a parecer, mais, uma ilha de asilos para idosos
cercados de florestas por todos os lados. Mas o ministro lituano disse o que
disse em tempos de carga total a favor do culto OTAN/UE. E em 2014, o então
presidente Obama, dos EUA, imortalizou a mesma arapuca conceitual,
numa entrevista :
"Mas realmente penso que temos de manter a perspectiva. A Rússia está paralisada. Imigrantes não acorrem a Moscou em busca de oportunidade. A expectativa de vida do homem russo está em cerca de 60 anos. A população está encolhendo. Assim, temos de responder com firmeza aos desafios regionais que a Rússia impõe."
Tudo errado, do começo ao fim: mas conseguiu demonstrar o quanto estava
sendo mal informado.
Rússia, Rússia sempre fracasso e só fracasso: fracassaria em
1992, estaria acabada em 2001, fracassada em
2006, fracassada em 2008, fracassando em
2010, fracassada em 2015. Na Rússia, tudo fracassaria, a começar
pela economia, além de o país estar isolado, só ter armas antiquadas,
total instabilidade, nada além de um posto de gasolina fantasiado de país, condenado
a fracassar na Síria e em 2020 está perdendo influência na
própria região.
País com PIB comparável ao da Austrália, a Rússia não poderia ser
superpotência, não poderia combater guerra prolongada na Síria nem enfrentar
lutas na Ucrânia, e mesmo assim desenvolver seu próprio jato stealth de
combate e outros equipamentos que rivalizam com equipamento dos EUA.
Putin, tampouco teria futuro entusiasmante. Não passaria de ditadorzinho com dinheiro na Suíça, em 2000; de um Tenente Kije em 2001; de um neoBrezhnev em 2003; da maior crise de sua história em dezembro de 2011; e estaria sob grave ameaça e perdendo potência de alavancagem em janeiro de 2015; fraco e apavorado em julho de 2015; superdiluindo seu alcance em maio de 2016; perdendo o próprio brilho em junho de 2017; perdendo a 'pegada' em outubro de 2018; perdendo confiabilidade em junho 2019; perdendo o controle em setembro 2019; seu castelo de cartas começava a ruir. E em agosto de 2019 Putin seria símbolo da humilhação pela qual a Rússia estaria passando. Em janeiro de
A economia russa tampouco escaparia: menor que a economia da Espanha ou da Califórnia em 2014; em cacos e já em lento e continuado declínio em 2015; surpreendentemente encolhida em 2017; do tamanho das economias de Bélgica e Holanda somadas e menor que a economia do Texas em 2018; com problemas pela frente em 2019. Em 2020, baixo preço da energia "é o calcanhar de Aquiles da Rússia". E nunca acaba: realmente fraca em 2006; com três principais problemas em 2013; a Rússia continuaria fraca. E Putin estaria ainda mais fraco em 2015. Em 2018, ninguém temeria a Rússia, já marginalizada por ser fraca, com população que envelhece e encolhe rapidamente.
Continua fraca em 2019. Até que em 2020 Paul Gregory informa que a Rússia é fraca... mas tem bomba atômica.
Ocasionalmente - muito ocasionalmente -alguém mais esperto surpreende-se: "Como uma Rússia tão fraca conseguiu voltar a ser grande potência?" [orig. How Did A Weak Rússia Ever Become A Great Power Again?] Ou pergunta-se por que, com menos dinheiro que o Canadá e população menor que a da Nigéria, a Rússia hoje "domina o mundo"? A explicação é fácil: gastaram muito dinheiro em armas, ou, então, a situação é passageira.
Na emergente era pós-Guerra Fria, a Rússia, não importava o quanto estivesse pobre em muitas áreas chaves, podia ser país #2 no mundo, ainda por muitos anos. Só quando a China emergisse, nos próximos 20 anos, ou um presidente de outro tipo surgisse nos EUA, essa situação poderia mudar. Até lá, Vladimir Putin poderia continuar a jogar seus jogos exatamente como deseje.
Claro que todos esses que tanto duvidam assumem que a taxa de câmbio do rublo seria medida fidedigna para avaliar a economia da Rússia; o que é ideia muito idiota.
Mas ao mesmo tempo, a Rússia é ameaça existencial, enorme, muito perigosa e
operando com enorme efetividade em todas as dimensões.
Já muito diferente de ter só as tais forças militares que talvez
parecessem fracas em 2015, em
Em janeiro de 2019, somos informados de que Rússia e China estão construindo
bombas Super-EMP para 'Guerra de Blecaute' [ing. Blackout
Warfare]. A Rússia impôs 'zonas de efetiva exclusão, aéreas e em solo, e conta
com capacidades de Guerra Eletrônica, pode-se dizer emocionantes; tem
os submarinos "Buraco
Negro", praticamente indetectáveis; está uma geração à
frente do Ocidente em tanques, tem um invencível míssil anti-porta-aviões
e defesa aérea devastadora. Está trabalhando numa nova arma, um
novo míssil que ameaça a pátria dos norte-americanos.
O general Breedlove, ex-comandante supremo da OTAN que muito cutucou o urso,
aparece com exemplo realmente impressionante: agora, tem medo de que uma guerra
"deixe a Europa desprotegida, sem acesso a reforços e à mercê da Federação
Russa". O "exército britânico seria varrido numa
tarde, a OTAN seria rapidamente derrotada nos
Bálcãs - a OTAN pode dar-se por derrotada. A ameaça russa é
algo jamais visto desde os anos 1990s. O que mais gera preocupação é
que a reação da OTAN continua a ser inferior à necessária.
Putin seria então o homem mais poderoso do mundo e, associando-se à
China, poderia rapidamente tornar-se mais poderoso que os EUA em
2018. E em 2019 teria a seu favor o formidável poder militar russo e as
poderosas políticas econômicas. E ninguém esqueça a principal ameaça que vem
com a Rússia: a capacidade para hackear o mundo e infectar o
planeta com vírus e programas mortais. Para 'aferir' o dano que
teriam causado em eleições no ocidente... bastaria analisar... as eleições
de 2016 nos EUA; a votação do Brexit; eleições no Canadá;
na França; na União Europeia; na Alemanha;
na Catalunha; na Holanda; na Suécia; na Itália; na UE em
particular e na Europa em geral; no México. A lista de Newsweek é
longa. E também iniciada muito tempo antes de haver Putin: "Cem anos de
interferência russa em eleições" [ing. 100 years of Russian electoral
interference].
Como ator capaz de influenciar clandestinamente, distribuindo desinformação
e notícias forjadas, a Rússia seria a primeira e mais grave ameaça que pesa
sobre eleições nos EUA.
Putin já foi 'denunciado' como ameaça contra a Ordem Internacional Legal e
Legítima em fevereiro/2007, maio/2014, janeiro/2017, fevereiro/2018, maio/2018, junho/2019 e
muitos meses antes disso, ou a partir daí.
Ao longo de 20 anos, Vladimir Putin jamais se teria preocupado com
esconder o desprezo que sente pela democracia à moda ocidental e a lei
ocidental em geral. O envenenamento de Alexey Navalny, como
parte de ataque que teria sido apoiado pela Rússia, a líderes da oposição na
Bielorrússia, indicaria até que ponto Putin e seus asseclas estariam dispostos
a ir para silenciar os inimigos e perpetuar-se no poder.
Assim, por um lado a Rússia seria
país decadente, com economia miserável, forças militares superestimadas e
comandadas por líder que sempre está ameaçado por terríveis catástrofes
domésticas. Quanto a isso, não há por que se preocupar: a Rússia seria país
fraco hoje, com futuro incerto. Mas ao mesmo tempo, Rússia é país de forças
militares extraordinariamente poderosíssimas, economia que faz não se sabe o
quê, mas consegue manter-se eternamente jovem, o mesmo milagre que permite que
o ditador perene que lá vive também sempre vença todos os inimigos, sempre. O
poder da propaganda russa é imenso e invencível; e é o fator determinante que
explica a necessidade de o mundo agir... É a russofrenia!
"Russofrenia" é a esquizofrenia que acomete os EUA, para assuntos da
Rússia.
Então, sem mais nem menos, de repente, a pandemia de COVID-19 ofereceria aos
russos malvados mais uma oportunidade para enganar o desamparado Ocidente e
para, outra vez, enganarem a preciosa Ordem Internacional Baseada na Lei. Só
não se entende como. Digam-me se é possível decifrar tamanha incoerência:
"O Ocidente tem muito com que se preocupar, quando a epidemia tiver
passado. Não porque a Rússia seja grave ameaça de longo prazo aos nossos
interesses; de fato não é, embora Putin preferisse que acreditássemos que aquele
seu império murcho fosse perigosíssimo. Mas porque a Rússia não é o único
estado autoritário que busca extrair lições da atual crise, para usá-las em
conflito futuro.
O Golpe da Vacina Russa que especialistas temem que
seja perigosa, está sendo promovido com ataques à vacina de
Oxford que a Rússia tentou roubar."
Russos, russos, russos por todos os lados!
Norte-americanos russofrênicos não se deixam afetar pela realidade. Sucesso
russo? Desistam da maledicência. Tentem explicar pelo talento, pela competência.
Militares russos são formados e treinados para defender o país, não para
imperar sobre o mundo: é objetivo muito mais viável e menos caro. A economia
russa - graças as sanções ocidentais - fez da Rússia a hoje
provavelmente única autarquia em todo o mundo.
Interferência em eleições é falsidade, é mentira inventada para causar dano a
Trump e tirar de foco Mrs. Clinton, já acobertada pelos fantoches de
Washington. Provas? E quem liga para reles provas?! Como explica o autor
dessa coluna na revista New Yorker:
"Claro que houve operações guiadas de fora do governo, mas exagerar a importância e a potência delas acaba por comprometer a ideia de protesto genuíno, de baixo para cima - de um modo que, ironicamente, é irmão gêmeo da visão conspiracional de mundo, de Putin."
Ou como o Washington Post anotou, em parágrafo inesquecível:
"Especialmente esperto é plantar histórias de operações de longo alcance para influenciar [resultados eleitorais] que, ou nem existem ou, se existem, estão tendo pequeno impacto."
Scott Adams compreende perfeitamente o processo: Ausência de provas é prova.
Quadrinho 1: "Temos uma
matéria bomba sobre Joe e Hunter Biden, mas, por favor, deem-me um minuto para
acabar de putinizá-la."
Quadrinho 2: Processando... OK. Entendi.
Quadrinho 3: Sabemos que Putin está por trás desse esquema, porque não há
pistas. Não deixar pistas é a caaaaara de Putin.
Loucura? Pois ainda há mais a caminho. Tudo seria até engraçado se não passasse de ressentimento de paizeco atrasado [ing. Ruritania ranting], no Ducado de Strackenz. Mas não é. É a voz do país que mantém o exército mais destrutivo do mundo, recordista provado de matanças ad libitum e que já naufraga na própria insanidade. O que não é boa notícia para ninguém.
Foto: By Andrea Hanks - The White House from Washington, DC - https://www.flickr.com/photos/whitehouse/48622981642/, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=81629253
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