Após um século de domínio dos partidos conservadores, nova esquerda lidera eleições parlamentares e pode formar governo. Seu trunfo principal: diante crise da da política tradicional, condenar a “austeridade”, propor Reforma Tributária e políticas redistributivas de Habitação e Saúde
António Martins | Outras Palavras
A ideia segundo a qual o Ocidente vive uma maré conservadora, que obriga as forças de esquerda a se manter em defensiva, voltou a ser questionada pelos fatos ontem. Na Irlanda, uma longa hegemonia foi quebrada. Os dois partidos de centro-direita que governam o país há um século – Fianna Fail and Fine Gael – foram derrotados. Sobressaiu, nas eleições parlamentares, o Sinn Fein, historicamente ligado ao Exército Republicano Irlandês (IRA) e por isso estigmatizado durante décadas.
Liderado pela primeira vez por uma mulher, Mary Lou McDonald, tem até o momento 24,5% dos votos (quase o dobro do obtido há quatro anos), à frente de seus rivais. Não é certo que consiga formar um novo governo. Porém, as razões de sua vitória são claras. O Sinn Fein politizou o desencanto da população com a velha política. Defendeu, em especial, um feixe de políticas claramente voltadas a reduzir as desigualdades e criar instituições do Comum – no caso irlandês, principalmente Saúde Pública e Direito à Habitação. Estas posições tornaram-no especialmente popular entre os jovens. Segundo pesquisas de boca de urna, teve 32% das preferências, no grupo entre 18 e 34 anos.
Povoada pelos celtas, tendo sofrido forte influência viking na Idade Média, a Irlanda foi conquistada pelo Império Britânico em 1800 e alcançou sua independência apenas em 1922, tendo capital em Dublin (uma parte menor de seu território, a Irlanda do Norte, separou-se em seguida, estabeleceu capital em Belfast e compõe até hoje o Reino Unido). Nos anos 1990, tornou-se meca de grandes corporações (em especial tecnológicas), interessadas em tirar proveito de baixos impostos. Com população reduzida (menos de 5 milhões de habitantes) e área de 70 mil km², equivalente a 1,5 vezes a do Estado do Rio, tornou-se ficou então conhecida como o “tigre celta”. Seu PIB per capita (US$ 83 mil) é o quinto do mundo, mais de cinco vezes superior ao brasileiro.