quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Do 11 de Setembro ao Grande Reinício

*Publicado em português do Brasil

 Pepe Escobar [*]

O 11 de Setembro foi a pedra inaugural do novo milênio –, indecifrável como os Mistérios Eleusinos . Há um ano, no Asia Times , mais uma vez formulei numerosas perguntas que ainda não encontraram respostas.

Entre as setas dos arcos e as pedras das fundas que voaram como raios de ultrajante desgraça e rasgaram estas duas décadas, com certeza incluem-se as seguintes:   O fim da história. O breve momento unipolar. A Longa Guerra do Pentágono. A Segurança Nacional. A Lei Patriótica (Patriot Act). Choque e Pavor. A tragédia/derrocada no Iraque. A crise financeira de 2008. A Primavera Árabe. Revoluções coloridas. "Liderar pela retaguarda". Imperialismo humanitário. Síria, a como guerra por procuração absoluta. A farsa ISIS/Daesh. O Plano Abrangente de Ação Conjunta (Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA), conhecido como "Acordo do Irã" e "Acordo Nuclear"). Maidan. A Era das Operações 'Psicológicas' (Psyops). A Era do Algoritmo. A Era dos 0,0001%.

Mais uma vez entramos fundo no território de Yeats: "Os melhores vacilam e os piores andam cheios de irada intensidade." [1]

Ao mesmo tempo, a "Guerra ao Terror" – decantação da Longa Guerra – avançou sem trégua, matou multidões de muçulmanos e arrancou das suas próprias terras pelo menos 37 milhões de pessoas.

Chegou ao fim a geopolítica derivada da 2ª Guerra Mundial. Está em andamento a Guerra Fria 2.0. Começou como EUA contra Rússia, transformou-se em EUA contra China; e agora, completamente desmascarada como Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, e com apoio dos dois principais partidos, é EUA contra ambas. O pesadelo absoluto de Mackinder-Brzezinski está à vista:   o muito temido "concorrente" na Eurásia rasteja rumo à [avenida] Beltway para nascer [2] sob a forma da parceria estratégica Rússia-China.

Algo tem de ceder. [3] E então, sem mais nem menos, do nada, aconteceu.

Um impulso planejado na direção de concentração de poder com garras de aço e diktats econômicos foi conceptualizado antes – sob uma fachada de "desenvolvimento sustentável" – já em 2015, na ONU ( aqui, em pormenor ).

Agora, esse novo sistema operacional – ou distopia digital tecnocrática – está sendo finalmente codificado, embalado e "vendido", desde meados do Verão, mediante campanha abundante, ostensiva e concertada, de propaganda.

Zele pelo seu espaço mental

Toda a histeria no Planeta Confinamento que elevou a Covid-19 a dimensões de moderna Peste Negra já foi consistentemente desmascarada, por exemplo, aqui e aqui , a partir de conhecimento original que vem de uma fonte altamente respeitada, de Cambridge .

A demolição de fato controlada de vastas porções da economia global garantiu ao capitalismo das corporações e abutres, em todo o mundo, lucros indescritíveis, arrancados do colapso e da destruição de empresas e negócios.

E tudo feito com a mais ampla cumplicidade das massas – processo espantoso de servidão voluntária.

Nada disso é acidental. Por exemplo, há mais de dez anos, desde antes da criação de uma Equipe de Percepções Comportamentais [Behavioral Insights Team], o governo britânico já estava muito interessado em "influenciar" comportamentos, em colaboração com a London School of Economics e o Imperial College.

O resultado foi o relatório MINDSPACE . É a ciência do comportamento usada para influenciar os políticos e a política e, sobretudo, para impor controle neo-Orwelliano sobre a população.

Crucialmente importante, MINDSPACE manifestou colaboração estreita entre o Imperial College e a empresa RAND, de Santa Monica. Tradução: os autores dos modelos computacionais absurdamente falhados que alimentaram a paranoia do Planeta Confinamento, operaram em conjunção com o principal think-tank ligado ao Pentágono.

Em MINDSPACE, lê-se que "abordagens comportamentais incorporam uma linha de pensamento que se desloca, da ideia de um indivíduo autônomo que toma decisões racionais, para um tomador 'situado' de decisões ['situated' decision-maker], cujo comportamento, em grande parte, é automático e influenciado pelo respectivo 'ambiente de escolha' ['choice environment'] ".

Assim, a pergunta chave é quem decide qual é o 'ambiente de escolha'. Hoje, todo nosso ambiente é condicionado pela [pandemia e vírus] Covid-19. Chamemos de "a doença". E dá e sobra para estabelecer muito belamente "a cura": The Great Reset.

A cilada capitalista do eu único

*Publicado em português do Brasil

Ao propor que nossos desejos e vazios sejam saciados com objetos, sistema não alimenta apenas o consumismo, alerta psicanalista espanhola. Ele incita as ilusões narcísicas de identidade e busca da felicidade — das quais deveríamos fugir…

Lola López Mondéjar | entrevistada por Esther Peñas, no ctxt | em Outras Palavras | Tradução: Simone Paz

Das muitas questões que sustentam uma época, a da identidade pode ser uma das que mais nos permeiam, neste século. A miragem da invulnerabilidade, o pânico em reconhecermos a nossa frágil essência, a possibilidade de nos reivindicarmos a partir do erro, o medo de nos conhecermos, esse mesmo medo que qualquer tipo de compromisso desperta — mas sobretudo o afetivo e a questão da liberdade como condição possível… Conversamos sobre essas e outras questões com Lola López Mondéjar , psicanalista e escritora, além de destacada conversadora, com nuances e estímulos tão sensíveis quanto intelectuais.

Seu próximo ensaio, “Invulneráveis e invertebrados”, aborda a questão da subjetividade, um conceito que foi aprofundado desde Montaigne. Porém, de forma sutil, essa palavra vem sendo substituída por “identidade”, mas não é, de maneira alguma, a mesma coisa. Qual a diferença entre uma e outra?

A identidade é uma ficção de unidade necessária para a nossa sobrevivência, mas que deixa de lado a multiplicidade do nosso eu. Nosso cérebro procura um sentido e cobre as lacunas entre os fragmentos que nos compõem, com histórias que nos dão uma certa ilusão de sentido: uma identidade. A identidade é mimética, baseia-se nas identificações, na marca que os outros significantes nos deixam e no desejo triangular, como René Girard chamou a estrutura mimética do desejo: segundo ele, Emma Bovary quer amar como nos romances românticos que ela leu; Dom Quixote quer ser um cavaleiro andante movido pelos livros da cavalaria e pelo heroísmo de Amadís de Gaula.

Esse desejo é mimético porque existe um mediador entre nós e nossos objetos de desejo; queremos o mesmo que nossos modelos. Trata-se do que Lacan mais tarde expressou como “o desejo humano é o desejo do Outro”. Queremos o que eles nos propõem que queiramos. A publicidade e o capitalismo baseiam-se nessa natureza mimética do desejo, que propõe interminavelmente objetos, usando todos os tipos de modelos como mediadores. Subjetividade seria o oposto de identidade. Onde há identidade, a ilusão da unidade, não há exploração da multiplicidade, não há diálogo com as identificações que nos constituem. A subjetividade implica a criação de um eu que questiona as identificações anteriores e constrói outras em um processo dinâmico constante que só cessa com a morte. Digamos que quanto mais identidade, menos subjetividade.

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