*Publicado em português do Brasil
O 11 de Setembro foi a pedra inaugural do
novo milênio –, indecifrável como os Mistérios Eleusinos . Há um ano, no Asia
Times , mais uma vez formulei numerosas perguntas que ainda não encontraram
respostas.
Entre as setas dos arcos e as pedras das fundas que voaram como raios de
ultrajante desgraça e rasgaram estas duas décadas, com certeza incluem-se as
seguintes: O fim da história. O breve momento unipolar. A Longa Guerra
do Pentágono. A Segurança Nacional. A Lei Patriótica (Patriot Act). Choque
e Pavor. A tragédia/derrocada no Iraque. A crise financeira de
Mais uma vez entramos fundo no território de Yeats: "Os melhores vacilam e
os piores andam cheios de irada intensidade." [1]
Ao mesmo tempo, a "Guerra ao Terror" – decantação da Longa Guerra –
avançou sem trégua, matou multidões de muçulmanos e arrancou das suas próprias terras pelo menos 37
milhões de pessoas.
Chegou ao fim a geopolítica derivada da 2ª Guerra Mundial. Está em andamento a
Guerra Fria 2.0. Começou como EUA contra Rússia, transformou-se em EUA contra
China; e agora, completamente desmascarada como Estratégia de Segurança
Nacional dos EUA, e com apoio dos dois principais partidos, é EUA contra ambas.
O pesadelo absoluto de Mackinder-Brzezinski está à vista: o muito temido
"concorrente" na Eurásia rasteja rumo à [avenida] Beltway para
nascer [2] sob
a forma da parceria estratégica Rússia-China.
Algo tem de ceder. [3] E
então, sem mais nem menos, do nada, aconteceu.
Um impulso planejado na direção de concentração de poder com garras de aço
e diktats econômicos foi conceptualizado antes – sob uma fachada de
"desenvolvimento sustentável" – já em 2015, na ONU ( aqui, em pormenor ).
Agora, esse novo sistema operacional – ou distopia digital tecnocrática – está
sendo finalmente codificado, embalado e "vendido", desde meados do
Verão, mediante campanha abundante, ostensiva e concertada, de propaganda.
Zele pelo seu espaço mental
Toda a histeria no Planeta Confinamento que elevou a Covid-
A demolição de fato controlada de vastas porções da economia global garantiu ao
capitalismo das corporações e abutres, em todo o mundo, lucros indescritíveis,
arrancados do colapso e da destruição de empresas e negócios.
E tudo feito com a mais ampla cumplicidade das massas – processo espantoso de
servidão voluntária.
Nada disso é acidental. Por exemplo, há mais de dez anos, desde antes da
criação de uma Equipe de Percepções Comportamentais [Behavioral Insights
Team], o governo britânico já estava muito interessado em
"influenciar" comportamentos, em colaboração com a London School of
Economics e o Imperial College.
O resultado foi o relatório MINDSPACE .
É a ciência do comportamento usada para influenciar os políticos e a política
e, sobretudo, para impor controle neo-Orwelliano sobre a população.
Crucialmente importante, MINDSPACE manifestou colaboração estreita entre o
Imperial College e a empresa RAND, de Santa Monica. Tradução: os autores dos
modelos computacionais absurdamente falhados que alimentaram a paranoia do
Planeta Confinamento, operaram em conjunção com o principal think-tank ligado
ao Pentágono.
Em MINDSPACE, lê-se que "abordagens comportamentais incorporam uma linha
de pensamento que se desloca, da ideia de um indivíduo autônomo que toma
decisões racionais, para um tomador 'situado' de decisões ['situated'
decision-maker], cujo comportamento, em grande parte, é automático e
influenciado pelo respectivo 'ambiente de escolha' ['choice
environment'] ".
Assim, a pergunta chave é quem decide qual é o 'ambiente de escolha'. Hoje,
todo nosso ambiente é condicionado pela [pandemia e vírus] Covid-19. Chamemos
de "a doença". E dá e sobra para estabelecer muito belamente "a
cura": The Great Reset.
O coração pulsante
O Grande Reinício (Great Reset) foi oficialmente lançado no início de junho pelo Fórum Econômico Mundial (FEM) – habitat natural do Homem de Davos. A base conceitual é algo que o FEM descreve como Plataforma de Inteligência Estratégica ( Strategic Intelligence Platform ): "sistema dinâmico de inteligência contextual que capacita os usuários a que tracem relacionamentos e interdependências entre as questões, como suporte para tomar decisões mais bem informadas".
Essa plataforma promove complexo cruzamento e mútua penetração entre a doença Covid-19 e a Quarta Revolução Industrial – conceptualizada já em dezembro de 2015 e cenário futurista escolhido pelo Fórum Econômico Mundial. Um não pode existir sem o outro. Visa a imprimir no inconsciente coletivo – pelo menos no ocidente – a noção de que só a abordagem "de acionista" autorizada pelo FEM é capaz de superar o desafio da doença Covid-19.
O Great Reset é imensamente ambicioso , cobrindo mais de 50 campos de conhecimento e prática. Interconecta tudo, de recomendações para recuperação da economia, até "modelos de negócios sustentáveis", de restauração ambiental até redesenho de contratos sociais.
O coração pulsante dessa matrix é – e que mais seria? – a Plataforma de Inteligência Estratégica, que reúne literalmente tudo: "desenvolvimento sustentável", "governação global", mercados de capital, mudança climática, biodiversidade, direitos humanos, paridade de gênero LGBTI, racismo sistêmico, comércio e investimento internacional, o – duvidoso – futuro das indústrias e viagens e turismo, alimento, poluição do ar, identidade digital, blockchain, 5G, robótica, inteligência artificial (IA).
No final, só um plano geral A faz interagirem todos esses sistemas, sem saltos ou emendas: o Grande Reinício – abreviatura de uma Nova Ordem Mundial sempre evocada com deslumbramento, mas jamais implementada. E não há Plano B.
O "legado" do Covid-19
Os dois principais atores por trás do Grande Reinício são Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial; e a diretora-gerente do FMI Kristalina Georgieva. Georgieva não tem qualquer dúvida de que "a economia digital é a grande vitoriosa dessa crise". Crê firmemente que o Grande Reinício deva começar, necessariamente, em 2021.
A Casa de Windsor e a ONU são os principais coprodutores executivos. Principais patrocinadores incluem BP, Mastercard e Microsoft. Desnecessário dizer que todos quantos têm conhecimento de como são tomadas as mais complexas decisões geopolíticas e geoeconômicas sabem que esses dois principais atores só fazem cumprir roteiro decorado. Os autores são, digamos assim, "a elite globalista". Ou, em homenagem a Tom Wolfe, "Os Senhores do Universo".
Schwab, como se poderia prever, escreveu o mini-manifesto do Great Reset . Um mês depois, expandiu muitíssimo a conexão-chave: o "legado" da [doença] Covid-19.
Tudo isso foi devidamente incorporado num livro , escrito em coautoria com Thierry Malleret, diretor da Rede de Risco Global do Fórum Econômico Mundial (WEF's Global Risk Network). A Covid-19 é descrita como o fator que "criou o grande reinício disruptivo dos nossos sistemas global, social, econômico e político". Schwab pinta a [doença] Covid-19 não só como "oportunidade" fabulosa, mas, realmente, como fator criador (itálicos meus) do – agora inevitável – Reset.
Tudo isso se encaixa lindamente com a ideia filhote do próprio Schwab: a [doença] Covid-19 "acelerou nossa transição para a era da Quarta Revolução Industrial". A revolução vem sendo exaustivamente discutida em Davos desde 2016.
A tese central do livro é que nossos mais prementes desafios têm a ver com o meio ambiente – considerado só em termos de mudança climática – e com desenvolvimentos tecnológicos, que permitirão a expansão da Quarta Revolução Industrial.
Em resumo: o Fórum Econômico Mundial está declarando oficialmente morta a globalização empresarial, modus operandi hegemônico desde os anos 1990s. Agora é tempo de "desenvolvimento sustentável". – E é "sustentável" o que for declarado "sustentável" por um seleto grupo de "acionistas", idealmente integrados numa "comunidade de interesses, objetivos e ação comuns (sic)."
Atilados observadores do Sul Global não deixarão de comparar a retórica do FEM de "comunidade de interesses comuns" à "comunidade de interesses partilhados" chinesa, que se aplica à Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE), que, sim, é projeto continental de comércio/desenvolvimento.
O Grande Reinício pressupõe que todos os acionistas – em todo o planeta – alinhem-se perfeitamente. Se não, como Schwab destaca, teremos "mais polarização, mais nacionalismo, mais racismo, agitação social crescente e mais conflitos".
Assim sendo – mais uma vez – é ultimato tipo "você está conosco ou contra nós" – reminiscência espectral do nosso velho mundo do 11/Set. Ou o Grande Reinício estabelecido pacificamente, com todas as nações devidamente subservientes, obedecendo às novas orientações definidas por um punhado de autonomeados sábios de República neoplatônica, ou o caos.
Se a Covid-19 e respectiva "janela de oportunidade" apareceram por aí por acaso, ou se apareceu por projeto, permanece sempre como questão das mais sumarentas.
Neofeudalismo digital
A reunião 'real', cara a cara, em Davos, ano que vem, foi adiada para o Verão de 2021. Mas Davos virtual acontecerá em janeiro, focada no Grande Reinício. .
Já há três meses, o livro de Schwab sugeria que quanto mais todos se deixem prender na paralisia global, mais claramente se verá que não se permitirá (itálicos meus) que as coisas voltem ao que, antes, se considerava normal.
Há cinco ano, a Agenda 2030 da ONU – madrinha do Grande Reinício – já insistia em vacinas para todos, sob patrocínio da Organização Mundial de Saúde e da CEPI – iniciativa fundada em 2016 por Índia, Noruega e a fundação de Bill e Belinda Gates.
O timing não poderia ser mais conveniente para o notório Event 201 .
O "exercício de pandemia" efectuado em outubro do ano passado
Mas já está imposto como consenso mantido com mão de ferro que sem uma vacina que neutralize a Covid-19 não há qualquer possibilidade de coisa alguma que sequer se pareça com normalidade.
E o artigo espantoso publicado no Virology Journal – que também publica o que diz o Dr. Fauci – demonstra muito claramente que "a cloroquina é potente inibidor da infecção e disseminação de infecção por coronavírus na SARS" [NR] . Trata-se de droga "relativamente segura, efetiva e barata" cujo significativo efeito inibitório antiviral quando as células um possível uso profilático e terapêutico."
Até o livro de Schwab admite que Covid-19 é "uma das pandemias menos mortais nos últimos 2.000 anos" e que suas consequências "serão pouco graves, comparadas às de pandemias anteriores".
Não importa. O que importa sobretudo é a "janela de oportunidade" que [a doença] Covid-19 oferece, promovendo, dentre outras questões, a expansão do que já descrevi como Neofeudalismo Digital – ou o Algoritmo devora a Política. Não surpreende que instituições político-econômicas, da Organização Mundial do Comércio à União Europeia e à Comissão Trilateral já estejam investindo em processos de "rejuvenescimento", expressão codificada para "mais concentração de poder".
Vigie os imponderáveis
O filósofo alemão Hartmut Rosa é um dos raros pensadores que veem o suplício pelo qual estamos passando, como rara oportunidade para "desacelerar" a vida em tempos de turbocapitalismo.
Hoje, não se trata de "ataque contra o estado-civilização" . Trata-se de estados-civilizações – como China, Rússia, Irã – não submetidos ao Hegemon, que tendem a mapear curso bem diferente.
O Grande Reinício, apesar de tantas ambições universalistas, permanece como modelo insular, ocidente-cêntrico, que só beneficia o proverbial 1%. A Grécia Antiga não se via como "Ocidental". O Great Reset é, essencialmente, projeto derivado do Iluminismo .
Se se examina a trilha pela frente, com certeza a vemos cheia de imponderáveis. Desde o Fed a transferir dinheiro digital diretamente para aplicativos financeiros de smartphones nos EUA, até a China a promover um sistema de comercial/econômico para toda a Eurásia, ao mesmo tempo em que implementa o yuan digital.
O Sul Global dedicará muita atenção ao agudo contraste entre, de um lado, a proposta desconstrução-liquidação da ordem econômica industrial; e, de outro lado, o projeto Iniciativa Cinturão e Estrada – focado num novo sistema de financiamento fora do monopólio ocidental, e que enfatiza o crescimento agroindustrial e o desenvolvimento sustentável de longo prazo.
O Grande Reinício apontará contra nações perdedoras, agregando todas as que se beneficiam da produção e do processamento de energia e agricultura, desde a Rússia, China e Canadá até o Brasil, Indonésia e grandes porções da África.
Hoje, só uma coisa se sabe com razoável certeza: o establishment no cerne do Hegemon e as baleias babonas do Império só adoptarão um Grande Reinício se isso ajudar a adiar o declínio, acelerado na manhã fatídica de 19 anos atrás.
NT
[1] Yeats, The Second Coming, (A Segunda Vinda) W. B. Yeats, "A Segunda
Vinda", in W. B. Yeats – poemas [organização, prefácio, tradução
e notas Paulo Vizioli]. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.). A Segunda
Vinda. Loc. Cit.
[2] Muita coisa sempre se perde na tradução. Aí, Pepe está praticamente
parafraseando Yeats, no poema já referido: "And what rough beast, its hour
come round at last, Slouches towards Bethlehem to be born?" / Na coluna
acima, orig.: [the "peer competitor"] in Eurasia slouched towards the
Beltway to be born (…)".
[3] Bing Crosby, 1954-1956.
[NR] Acerca da HCQ ver L'hydroxychloroquine et les "méthodologistes" ,
do Prof. Guillaume Suing
[*] Jornalista. Alguns dos seus livros são
encontráveis em Book Depository .
O original encontra-se no Asia Times e em The
Saker ; a tradução de Luisa Vasconcellos e Amigos do Brasil está
em sakerlatam.es/geopolitica/pepe-escobar-do-11-9-ao-grande-reset/ (efectuadas
pequenas alterações)
Este artigo encontra-se em https://resistir.info/
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