Carvalho da Silva | Jornal de Notícias
| opinião
No princípio do século XX, os
sindicalistas e ativistas operários tinham por prática homenagear os seus mais
destacados antecessores. Através dessas homenagens assumiam-se herdeiros do seu
exemplo pessoal, mas também dos significados mais relevantes das lutas e da
ação coletiva em que aqueles haviam participado.
No passado dia 30 morreu Luís
Kalidás Barreto, um lúcido e prestigiado sindicalista, de uma geração que
protagonizou profundos processos transformadores da sociedade portuguesa, desde
o final da década de sessenta.
Em primeiro lugar, essa geração
embrenhou-se, generosamente, na luta contra o sindicalismo corporativo
integrando grupos de democratas que conquistaram dezenas de direções sindicais
entre 1966 e Abril de 1974. Dessa ação resultou uma extraordinária agenda
sindical e os objetivos e programa que deram origem, em outubro de 1970, à
criação da Intersindical, ao seu crescimento orgânico e a uma influência
crescente até ao 25 de Abril, fator determinante para o rumo que a Revolução
tomou.
Kalidás Barreto foi eleito
dirigente do Sindicato dos Lanifícios de Castanheira de Pera em 1971. Nessa
condição participou em importantes reuniões dos sindicatos do amplo setor
têxtil (inclui têxteis, lanifícios, vestuário, etc.) onde ativistas católicos,
comunistas e outros tinham, por essa altura, conquistado direções,
nomeadamente, no Minho, na Covilhã, na Guarda, em Setúbal e em Lisboa. Participou
depois em reuniões intersindicais.
O Luís era filho de um brilhante
jovem intelectual português de origem goesa, Adeodato Barreto, dirigente
estudantil em Coimbra, impedido de exercer a sua profissão pelo fascismo, amado
pelos mineiros de Aljustrel, que morreu aos 34 anos. Esta origem marcou-o. Uma
vez disse-me, "quando estou com dúvidas fortes vou ao encontro do meu pai
e sei para que lado tenho de cair". A vida nunca é feita em linha reta. E
o Luís, saiu dos apertos sempre para o lado certo: o dos compromissos com os
trabalhadores, com os mais desprotegidos, com o povo, com as liberdades e a
democracia.
Logo em 71/72 a União Nacional
montou-lhe uma armadilha que o deixou no desemprego, sem meios para sustentar a
família. A PIDE acusava-o de ser "sindicalista defensor do sindicalismo
ativo". Sobre esta acusação ria-se e interrogava: "mas há sindicalismo
não ativo?" Enquanto militante do Partido Socialista e seu deputado
constituinte, eleito pelo círculo de Leiria, esteve ao lado de Mário Soares e
Salgado Zenha, em julho de 1975, na manifestação na Fonte Luminosa contra o
rumo da revolução e, em particular, de ataque ao Partido Comunista Português.
Sendo contra a unicidade foi defensor acérrimo da unidade sindical, do diálogo
aberto e franco e do trabalho conjunto, desde logo com os comunistas.
Kalidás Barreto foi um elemento
influente na reorganização sindical do setor têxtil, ajudando à criação, em
1976, da Federação Sindical do Setor (atual FESETE) - exemplo de estrutura
unitária - que veio a desenvolver uma atividade da maior influência na vida da
CGTP-IN na contratação coletiva, nas lutas pela igualdade, pelas 40 horas
semanais, no combate ao trabalho infantil, ou na negociação de planos de
desenvolvimento em várias regiões do país, com destaque para o Vale do Ave.
Kalidás Barreto deu um contributo
parcelar determinante, juntamente com Manuel Lopes, para o êxito do
importantíssimo II Congresso da Intersindical - o Congresso de Todos os
Sindicatos. Depois, foi membro da Comissão Executiva da CGTP-IN durante quase
20 anos, um construtor e executor do sindicalismo reivindicativo, de diálogo
construtivo e proponente que a Central Sindical havia de assumir.
A atividade sindical que desenvolveu
torna-o um dos grandes obreiros da CGTP-IN, nos planos concetual, orgânico e
programático. Querido e estimado Luís, o teu exemplo não será esquecido.
*Investigador e professor
universitário