#Publicado em português do Brasil
Em novo livro, história que se
repete. Nos anos 30, em nome de uma economia “sem intervenções”, liberais
alemães defenderam mão forte estatal contra desvios da democracia.
Carl Schmitt liderou o giro teórico, e em seguida aderiu ao nazismo
Joseph Confavreux | Outras Palavras | Tradução: Antonio
Martins | Imagem: William Gropper
Uma etimologia comum não
significa uma política coerente. Entre as liberdades e o liberalismo, pode
haver abismos, especialmente quando os liberais assumem o programa de um
neoliberalismo cujas políticas, amplamente rejeitadas, precisam ser impostas
por meios violentos.
O filósofo Grégoir Chamayou,
autor de um livro importante sobre a genealogia do “liberalismo autoritário” (La Société ingouvernable, La Fabrique, 2018), amplia
seu trabalho de documentação e análise de uma ideologia cuja gênese é
necessário examinar sem o cacoete preguiço do “retorno aos anos 1930”, para compreender como
ela poderia estruturar o mundo contemporâneo.
Para escrever Sobre o
Liberalismo Autoritário, publicado pelas edições Zones, que ele por sinal
dirige, o pesquisador comentou e traduziu dois textos conflitantes, ambos
redigidos em 1932 por juristas e filósofos alemães. Um, de Carl Schmitt
(1888-1985), conservador que aderiria ao nazismo em 1933; o outro, de Hermann
Heller (1891-1933), militante de esquerda na república de Weimar e morto no
exílio em Madri, onde, como judeu, buscava refúgio.
No discurso “Estado forte e
economia sã”, pronunciado em 23/11/1932, diante de uma assembleia de
empresários em Dusseldorf, Carl Schmitt diz que o Estado alemão, que ele vê
como um Estado-Providência, curvado sob o suposto peso das exigências sociais e
transformado num Estado fraco e pesado, ainda que mais presente em cada vez
mais terrenos. Ele opõe a este Estado “total” – num sentido “puramente
quantitativo, relativo a seu tamanho, não à sua intensidade ou energia
política” – um “Estado total qualitativo”, que diz explicitamente preferir.
Chamayou descreve este último como um “Estado forte, que concentrará em suas
mãos toda a potência da técnica moderna e os instrumentos de comunicação de
massa; um Estado militar-midiático, guerreiro e propagandista, dotado da
tecnologia de ponta em matéria de repressão dos corpos e de manipulação dos
espíritos.
O que Schmitt diz aos empresários
alemães, decifra o pesquisador, “é no fundo o seguinte: vocês querem ‘libertar’
a economia, querem acabar com o intervencionismo do Estado social, com os
gastos públicos excessivos, com a carga fiscal relacionada a eles, com o
Direito do Trabalho que os bloqueia etc. Já compreendemos. Mas precisam se dar
conta de que, para obter tudo isso, ou seja, uma retirado do Estado da
economia, será preciso algo muito distinto de um Estado mínimo e neutro”. Bem
ao contrário, será preciso um Estado forte, capaz de silenciar as oposições
sociais e políticas. Schmitt assegura a seu auditório que esta potência
terminará na porta das empresas e mercados.