Após dez anos do início da revolta popular que pôs fim à ditadura de Kadhafi, o futuro da Líbia é de incertezas. Representantes do país recentemente instalaram um governo de transição. Será uma reconciliação duradoura?
Durante muito tempo, a revolução líbia na primavera de 2011 foi tudo menos um motivo de celebração. Pelo contrário, nos últimos anos, os cidadãos tornaram-se cada vez conscientes sobre tudo o que correu de mal durante e após a revolta. O ditador Muammar Kadhafi foi derrubado após 42 anos de governo, mas pouco tempo depois o país mergulhou numa guerra civil.
Há mais de seis anos, a Líbia está politicamente dividida: o leste é controlado pelo governo Tobruk no exílio, apoiado pelo comandante militar Khalifa Haftar, e o oeste está nas mãos do Governo de Acordo Nacional, que é internacionalmente reconhecido e tem como líder Fayez al-Sarraj.
No décimo aniversário da
revolução, muitos cidadãos esperam que o país resolva o impasse político em que
se encontra. Desde outubro passado, um
cessar-fogo entre as duas fações, negociado pela ONU, tem sido em
grande parte cumprido. No início de fevereiro, 75 delegados selecionados pela
ONU, representando um amplo espectro da sociedade, reuniram-se
Os delegados elegeram Mohammad Younes Menfi, um diplomata apoiado por políticos da parte oriental do país, para chefiar o conselho presidencial. Abdul Hamid Mohammed Dbeibah, um homem de negócios do oeste, foi nomeado primeiro-ministro provisório. Haverá agora uma hipótese de as duas partes chegarem a um acordo duradouro?
"Ele espera que sim”, diz Tarek Megerisi - um analista político no Conselho Europeu das Relações Exteriores, que investiga o desenvolvimento político da Líbia. "As pessoas em todo o país esperam que a mudança política comece agora”.
Contudo, existem ainda enormes diferenças entre os dois grupos antagónicos. Segundo Megerisi, no passado, tais diferenças foram regularmente demonstradas durante os aniversários da revolução. "Em Trípoli, houve por vezes tentativas exageradas de celebrar a revolução. Em Benghazi, por outro lado, a liderança política tentou desencorajar as celebrações sempre que possível”, explica.
Ambas as reações tiveram origem numa lógica política comparável. "Em Trípoli, as autoridades apresentam-se como os guardiães da revolução que derrubou Kadhafi", diz Megerisi. "Entretanto eles próprios têm a reputação de serem tiranos mesquinhos". Em Benghazi, por outro lado, disse ele, as autoridades acreditam que foi a revolução que permitiu que o extremismo islâmico ganhasse uma posição de destaque no país. É por isso que eles querem impedir tais celebrações sempre que possível. Ao mesmo tempo, eles afirmaram ter protegido a Líbia Oriental da ameaça islamista.
Uma guerra internacional
Nos anos que se seguiram à revolução, os líbios tiveram de aturar cada vez mais a interferência estrangeira na guerra civil. O Egito, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, apoiaram o general Haftar no leste do país. Viram nele o homem adequado para pôr fim na Irmandade Muçulmana, que também é ativa nos próprios países acima mencionados e são aí vistos como uma ameaça política.
A Turquia, por outro lado, ficou do lado do governo ocidental de unificação nacional em Trípoli por razões económicas e políticas - até porque os seus rivais regionais apoiaram o outro lado. O Qatar tinha motivações semelhantes quando decidiu apoiar as forças em Trípoli.
O potencial geopolítico da Líbia, bem como a sua riqueza petrolífera, atraíram outros atores, como a Rússia. Finalmente, a importância da Líbia como centro internacional dos movimentos de refugiados de África também levou a França e a Itália a intervir no conflito.
Agora os líbios enfrentam o problema de se verem livres das forças estrangeiras. Quando o cessar-fogo foi negociado em outubro passado, a ONU tinha exigido que os cerca de 20 mil combatentes estrangeiros deixassem o país. Mas isso parece altamente improvável de acontecer, diz Arturo Varvelli, chefe do gabinete de Roma do Conselho Europeu das Relações Exteriores.
"Os combates na Líbia tornaram-se uma espécie de guerra por procuração", disse Varvelli à DW. "Penso que o maior problema na Líbia neste momento é conter a presença de atores regionais. Eles têm ideias muito diferentes sobre o futuro do país".
Varvelli presume que muitas das potências agora presentes na Líbia provavelmente planeiam ficar. "É bastante improvável que respondam a um apelo da ONU ou do novo governo e retirem as suas unidades".
Nenhuma lição aprendida?
O governo de transição eleito em Genebra também já foi alvo de críticas. Segundo Wolfram Lacher - do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança e Emadeddin Badi do Programa do Médio Oriente do Conselho do Atlântico – escreve em uma análise que o fórum que elegeu este governo é visto por muitos líbios como uma "associação de políticos oportunistas e gananciosos com pouca legitimidade ou influência".
"É difícil ser
positivo", disse Badi à DW. Mas de facto, opina Badi, ninguém parece ter
aprendido lições com a fraqueza do último governo de unidade, que também surgiu
por iniciativa da ONU em
"O facto de estarmos
exatamente no mesmo lugar, mas com vários milhares de mortos e vários milhões
de vidas destruídas, bem como um país despedaçado, não é motivo de
celebração", diz Tarek Megerisi. Por vezes, parece que o país está a andar
"As pessoas nas ruas não se sentem bem, mas isto é por diferentes razões", disse o jornalista asiático Jaafari, que monitoriza os meios de comunicação social do Centro Líbio para a Liberdade de Imprensa com sede em Tripoli.
"Aqueles que não apoiaram a
revolução comparam a situação atual com os tempos
Os desenvolvimentos das últimas semanas, no entanto, dão esperança a ele e a outros líbios, diz Megerisi, referindo-se ao governo provisório. "O facto de os líbios terem tomado um caminho para a guerra após a revolução é tudo menos um desenvolvimento bem-vindo. Mas a liberdade existe, e a esperança permanece. Este é o verdadeiro presente da revolução".
Cathrin Schaer | Deutsche Welle
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