quarta-feira, 31 de março de 2021

Alemanha prepara-se para restituir Bronzes do Benim?

Há uma mudança no discurso político na Alemanha em relação à restituição de obras de arte roubadas, afirma a historiadora Bénédicte Savoy.

A Cidade do Benim, situada no sudoeste da Nigéria, foi em tempos um centro de comércio próspero. É de lá que vêm os chamados "Bronzes do Benim", que podem ser encontrados nas exposições de muitos museus europeus. São um legado do antigo Reino do Benim.

No final do ano, o recém-criado Fórum Humboldt, em Berlim, deverá exibir alguns deles – mas a exposição reavivou também antigas questões sobre a restituição de obras de arte no contexto do colonialismo.

Hoje em dia, na Cidade do Benim, com 2,5 milhões de habitantes, o bronze continua a ser fundido na velha tradição, tal como há 700 anos. É uma arte que tem passado de geração em geração.

Osarugue Okundaye nasceu na rua Igun, famosa pelos trabalhos de fundição de bronze ali realizados. Aprendeu o ofício com o pai. Mas o facto de as obras dos seus antepassados estarem fora da Nigéria entristece-o profundamente.

"Os bronzes são muito importantes para o nosso povo, porque simbolizam dignidade e realeza. Ansiamos pelo dia em que esses artefactos roubados do palácio do Benim sejam restituídos."

A sua esperança é pouca – ao longo dos anos, foram muitos os governos que prometeram a restituição das peças. Contudo, isso nunca aconteceu, lamenta Okundaye.

"O Governo britânico continua a prometer devolvê-los. Mas não foram capazes de trazê-los de volta. Disseram que alguns destes artefactos são muito frágeis e que seria difícil transportá-los; disseram também que não temos um bom local para os guardar. Essas foram sempre as desculpas usadas."

Património roubado

Em 1897, os britânicos invadiram a Cidade do Benim. Exilaram o rei, atearam fogo à cidade e saquearam milhares de objetos de arte, incluindo 3.500 a 4.000 trabalhos em bronze. Cerca de 1.100 destes artefactos chegaram à Alemanha como aquisições. Em Berlim há 440 peças de bronze do Benim, é a segunda maior coleção do mundo. Embora pertençam legalmente a alemães, os críticos questionam a legitimidade da propriedade devido à forma como os objetos foram obtidos.

Pouco depois do massacre de 1897, o então Reino do Benim exigiu a restituição dos bronzes. Desde a independência, em 1960, que a Nigéria luta para recuperar os artefactos. Até agora, sem sucesso. Mas avistam-se mudanças desde o início de 2020: o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Heiko Maas, pronunciou-se a favor de uma restituição adequada e de uma abordagem honesta do passado colonial.

A ministra de Estado para a Cultura, Monika Grütters, encarregou Hermann Parzinger, presidente da Fundação do Património Cultural Prussiano, de desenvolver uma "estratégia" para os museus que detêm arte resultante de contextos de injustiça.

Mudança de paradigma

"Acho que chegámos a uma espécie de colapso cultural do muro", afirma a historiadora Bénédicte Savoy, traçando paralelismos com a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989.

Savoy é tida como uma das vozes de referência sobre a restituição de obras de arte. A historiadora diz que, durante muitos anos, as desculpas apresentadas foram muitas – que os objetos foram adquiridos legalmente, que devem ser exibidos como testemunha da história europeia. "Mas, de repente, o que se diz é 'claro, vamos devolver, vamos organizar isso, fazer uma conferência'. Isto é novo."

O Fórum Humboldt já se prepara para a possibilidade de uma exposição sem os artefactos originais: "Teremos de ver como isso afeta a exposição, se faz sentido ter espaços vazios, inserir textos explicativos para um certo número de objetos… ou se faz sentido exibir [réplicas] em gesso", explica Jonathan Fine, diretor da Coleção Etnológica do Fórum Humboldt.

"Como curador, penso que é muito interessante lidar com as mudanças no mundo. Não tentar pensar numa exposição como algo estático, mas como algo que faz parte do diálogo e que realmente ousa envolver o público nas mudanças à medida que elas acontecem".

Quem devolveria o quê e a quem?

Porém, esta é uma questão complexa. Os 440 bronzes não pertencem ao Fórum Humboldt, mas à Fundação do Património Cultural Prussiano. Esta última já assinalou que uma restituição pode ser "considerada como uma opção". Resta saber a quem deveriam ser devolvidas as obras de arte: Ao palácio real? Ao Estado nigeriano? Ao Museu Nacional na Cidade do Benim ou ao novo Museu de Arte da África Ocidental, que deverá ser construído até 2024?

O "Grupo de Diálogo do Benim", que reúne responsáveis de museus alemães e representantes da Nigéria, também tem sido alvo de críticas. Num comunicado de imprensa de 27 de março de 2021, Yusuf Tuggar, embaixador da Nigéria na Alemanha, criticou o trabalho do grupo, que se arrasta há mais de uma década.

"É muito tempo, nada aconteceu e [o grupo] parece gravitar em torno de empréstimos, algo que é totalmente inaceitável para o lado nigeriano. Imagine que lhe assaltam a casa, levam o seu relógio e vendem-no a uma loja de penhores. Mas depois vai lá à loja, já depois da polícia, e dizem-lhe que pode levar o relógio emprestado para ir a um casamento. Isto não é o que chamamos Estado de Direito. Não é boa governação", afirma Tuggar em entrevista à DW.

O diplomata pede não só a restituição dos "Bronzes do Benim" como também dos bronzes de Ife, encontrados na década de 1930, entre outras obras de arte.

Símbolo de humilhação colonial

Esta discussão, altamente emocional, é sobre muito mais do que a mera devolução de tesouros artísticos. Os bronzes tornaram-se um "símbolo da humilhação colonial". Para alguns, são também provas da persistência de estruturas coloniais.

O ativista congolês Emery Mwazulu Diyabanza, por exemplo, fez manchetes em 2020, quando roubou um artefacto africano ao Museu do Quai Branly, em Paris, e partilhou a ação nas redes sociais.

Posteriormente teve de comparecer em tribunal, mas escapou com uma multa de mil euros, um castigo provavelmente simbólico que se destinava, presumivelmente, a dissuadir outras pessoas de fazerem o mesmo. O ativista não era um político, cientista ou frequentador de museus, mas um congolês a viver em França, que falava em nome da diáspora africana.

Contudo, a artista nigeriana Oyenike Monica Okundaye vê as coisas de forma diferente.

"Não precisamos das obras de volta. Se estiverem em museus europeus, queremos que os nossos filhos, que não podem regressar à Nigéria, possam vê-las", afirma Okundaye.

A artista dirige a maior galeria de arte de Lagos. Até aqui, mais de 5.000 artistas nigerianos apresentaram lá os seus trabalhos.

Obras como as peças de bronze, afirma, "representam a nossa alma e o nosso país em cada museu". O mais importante é "criar novos trabalhos que depois possam ser vistos".

Quanto aos "Bronzes de Benim", resta saber como acabará a disputa, que se arrasta há décadas, e quanto tempo será necessário para decidir sobre uma possível restituição das obras de arte.

Annabelle Steffes-Halmer | Deutsche Welle

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