quinta-feira, 8 de abril de 2021

Portugal | Mais produção com a quebra da patente da vacina contra covid-19

Mais de 80 personalidades portuguesas alegam “catástrofe” e pedem quebra da patente para aumentar produção de vacinas

Os subscritores da mensagem - em que se incluem com o antigo presidente do Infarmed, José Aranda da Silva, bem como Ana Gomes e Marisa Matias - notam que "é urgente que os cidadãos portugueses tomem uma posição firme sobre uma matéria tão significativa para o presente e futuro dos europeus", num momento em que o país exerce a presidência rotativa da União Europeia

Mais de 80 personalidades da sociedade portuguesa lançam esta quinta-feira um apelo público para que as vacinas contra a covid-19 sejam consideradas um bem de interesse comum e para que a Europa não submeta este processo às leis de mercado.

No 'manifesto' a que a Lusa teve acesso - que conta com o antigo presidente do Infarmed, José Aranda da Silva, como principal impulsionador e subscritores tão diversos como as ex-candidatas à Presidência da República Ana Gomes e Marisa Matias, o antigo diretor-geral da Saúde, Constantino Sakellarides, ou o bispo Januário Torgal Ferreira -, alerta-se para a necessidade urgente de aumentar a velocidade do processo de vacinação a nível europeu.

"É incompreensível a falta de vacinas hoje observadas em Portugal e na Europa, que colocaram os cidadãos europeus em situação de subalternidade em relação aos produtores de vacinas. Os argumentos avançados pela Comissão Europeia relativamente à natureza dos contratos, à capacidade de produção existente e aos preços acordados não são aceitáveis", refere o apelo.

Assinalando os quase três milhões de mortes devido à covid-19, esta iniciativa exige uma postura distinta da Comissão Europeia para "demonstrar cabalmente e definitivamente a sua capacidade de superar os interesses financeiros e industriais" junto das farmacêuticas, além de recordar as possibilidades jurídicas ao dispor das instituições comunitárias.

"Em casos tipificados como de 'catástrofe', a legislação europeia e nacional permite que os Estados-membros invoquem "motivos de interesse público" e de "primordial importância para a saúde pública ou para a defesa nacional" para adotarem medidas que obriguem à produção de vacinas em locais que não sejam as fábricas detentoras da patente", pode ler-se na nota.

Os subscritores da mensagem não deixam também passar em claro o papel de Portugal neste processo a nível internacional, por força da presidência rotativa da União Europeia neste primeiro semestre de 2021, ao notar que "é urgente que os cidadãos portugueses tomem uma posição firme sobre uma matéria tão significativa para o presente e futuro dos europeus".

"Perante a catástrofe que estamos a viver, e perante a trágica insuficiência da resposta europeia, os cidadãos apelam a que sejam tomadas, com urgência, medidas capazes de proteger a saúde das populações. Essas medidas exigem a partilha transparente de informação, a utilização de legislação que foi prevista para situações de catástrofe e a mobilização de recursos e capacidades produtivas", defende ainda o apelo.

Assim, estas personalidades portuguesas reiteram que "é agora a altura para a Comissão Europeia publicar os locais de produção de vacinas existentes na União" e para "invocar a legislação europeia sobre propriedade industrial para permitir a produção em fábricas de diversos laboratórios", no sentido de assegurar que a população seja vacinada até ao verão.

JOSÉ ARANDA DA SILVA EXIGE "RESPOSTA ADEQUADA"

"A partir da entrada das vacinas no mercado começou a haver um jogo comercial em vez de se tratar como um bem público. Quando há uma guerra, há uma mobilização total. E nesta guerra nós não estamos a utilizar as armas adequadas. Não como um bem público e que é de todos, mas sujeito às regras de lei e procura. Esta é uma situação única no mundo e temos de dar uma resposta adequada", defende José Aranda da Silva, em entrevista à Lusa.

Perante um arranque do processo europeu de vacinação marcado por uma "conjuntura muito positiva de resposta da ciência ao desafio" e pelo investimento de entidades públicas, José Aranda da Silva lamentou que a CE, presidida por Ursula Von der Leyen, não tenha sido firme na imposição de mecanismos de controlo de cumprimento das farmacêuticas.

"Não tivemos poder político. Num primeiro momento, a Europa conseguiu fazer compras suficientes, mas depois deixou as empresas em roda livre", disse, acrescentando: "A CE pôs-se na mão das farmacêuticas e não exigiu o controlo. Estão em período de catástrofe a deixar funcionar as leis de mercado quando devem ser controladas".

Por outro lado, rejeitou "uma questão ideológica" subjacente ao apelo público e deixou um alerta para o possível recrudescimento da pandemia na Europa face ao atraso registado no programa de vacinação. "É uma questão pragmática. Se até ao verão não vacinarmos toda a gente, vamos ter uma outra vaga e uma grande crise económica e social", notou.

Considerando também que o primeiro-ministro, António Costa, "devia ter sido muito mais firme a tratar deste problema", José Aranda da Silva manifestou a sua esperança numa inversão de rumo "se a CE tomar medidas duras sobre as empresas e criar redes de cooperação" ao nível da produção e da distribuição nos estados-membros.

Apesar de contar apenas com subscritores portugueses, o apelo público vai também ter um caráter internacional, segundo José Aranda da Silva, que garantiu que esta mensagem "vai ser divulgada a nível internacional pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS)".

Expresso | Lusa

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