Há mais de 7.000 pessoas desalojadas em vários locais de Díli. Em alguns locais da cidade estão até 3 mil pessoas, muitas impossibilitadas de ficar na sua casa, outras porque perderam tudo.
Os bebés de colo deitados no chão, mal se notam na ténue luz de duas velas que pingam para o alcatrão, na sinuosa estrada até à capela de João Paulo II, em Díli, para onde as pessoas fugiram às inundações.
Uma ou duas famílias, não se percebe bem, estão meio, sentadas no alcatrão, meio na berma de terra batida, à espera.
Horas antes, com Díli sob chuva intensa e grande parte da cidade inundada, fugiram com uns sacos a tiracolo, da zona mais abaixo, ao nível do mar, onde a intensidade da água fez das três lagoas, que dão nome à zona (Tasi Tolu), apenas uma, imensa.
Não comiam há muitas horas e estavam escondidos na noite. Parecem um grupo mais pequeno, mas quando a coluna de vários carros se aproxima — levando nas malas centenas de refeições de frango, arroz e água –, rapidamente se engrossa.
Alheias à primeira comida que ali chega em várias horas, as crianças dormem tranquilas em esteiras e panos, os cabelos meio colados à testa pela humidade da noite.
O grupo maior, porém, só se nota mais acima, junto da capela de João Paulo II, onde a estátua do único pontífice a visitar Timor-Leste olha para a zona ocidental da capital.
Este é um dos retratos da calamidade que se abateu sobre Díli: “São já mais de 6.000 pessoas desalojadas em vários sítios da cidade”, explicava à Lusa o vice-ministro do interior, Antonio Armindo, que anda na noite a distribuir comida.. Já esta segunda-feira, o número subiu para 7.000.
O domingo de Páscoa já está prestes a terminar — é quase meia-noite em Díli -, e Armindo anda com uma escolta, num único carro da polícia, a ajudar a distribuir comida, alguma feita pela mulher.
“Tive sorte. Vivo numa zona mais alta e a minha casa não teve problemas. Por isso, a minha mulher esteve a cozinhar para darmos comida a 200 pessoas”, explica.
Em alguns locais da cidade estão até 3.000 pessoas, muitas impossibilitadas de ficar na sua casa, outras porque perderam tudo e só tiveram tempo de sair com a roupa que tinham no corpo.
Aqui, no alto de Tasi Tolu, uma funcionária da Cruz Vermelha – que de megafone estridente na mão explica que vai ser distribuída comida — conta que “são cerca de 500 pessoas” de um dos bairros da zona.
Foram subindo ao longo da manhã e passaram ali o dia a ver a água arrasar a cidade.
A operação de apoio alimentar começou como uma iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), de apoio a famílias afetadas pelas cheias de Díli, que causaram pelo menos 11 mortos segundo o balanço preliminar.
O PNUD quis organizar já hoje 500 refeições, contactou o Hotel Timor, gerido pela Fundação Oriente, que, com grande falta de funcionários — muitos não vieram trabalhar devido às cheias –, pediu ajuda a amigos, quase todos portugueses.
Uma ‘linha de montagem’ de frango e arroz branco foi estabelecida, que, devido a uma falha no exaustor, encheu praticamente todo o piso térreo do hotel de fumo e cheiro de churrasco.
Já com as refeições preparadas, o grupo — que inclui a responsável do PNUD em Timor-Leste, Munkhtuya Altangerel – juntou-se a Antonio Armindo e viajou em coluna até ao limite ocidental da cidade, que marca também um dos limites da cerca sanitária que está em vigor devido à covid-19.
Depois, um por um, foram entregando as caixas de ‘stirofoam’ e as garrafas de água.
“Eu já recebi”, disse uma criança, quando lhe tentavam entregar uma das caixas.
“A situação agora é muito mais calma. Parou de chover e muitas pessoas já foram realojadas em vários locais e organizamo-nos para lhes dar comida e água”, conta à Lusa Antonio Armindo.
“Não sabíamos sequer que este grupo aqui estava. Só soubemos ao final da noite”, acrescenta.
A prioridade, para já, é “realojar as pessoas e depois dar-lhes comida, água e ver que apoio imediato se pode dar, incluindo com o apoio dos parceiros de desenvolvimento”.
“Amanhã veremos os próximos passos. Mas agora queremos garantir que toda a gente está segura. Por isso é que continuo a andar aqui a esta hora, a ver a situação”, considerou.
Altangerel explica que o PNUD mobilizou já 100 mil dólares de financiamento de emergência, e que vai fornecer duas mil refeições por dia durante uma semana às famílias mais carenciadas
“Vamos garantir refeições quentes, para responder às necessidades básicas de nutrição, para as pessoas afetadas pelas cheias”, disse, mostrando-se confiante de que os parceiros de desenvolvimento vão incrementar os seus apoios.
“Estamos já a solicitar apoios adicionais através das agências das Nações Unidas”, afirmou.
Após a distribuição da comida, regressa a escuridão da noite e a espera.
Depois de vários dias de chuva quase contínua, as nuvens parecem ter dissipado e Díli termina a celebração da Páscoa sem chuva e com uma calma enganadora.
Porventura rompida quando a luz do dia seguinte mostrar a verdadeira dimensão dos estragos do que foi já classificada como a maior calamidade natural em 40 anos.
Observador | Lusa | Imagem: EPA
Artigo atualizado no dia 5 de abril às 7h58 com o número de desalojados.
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