domingo, 2 de maio de 2021

Portugal | Pandemia e desigualdade

Inês Cardoso * | Jornal de Notícias | opinião

Quando a 18 de março de 2020 foi divulgado que o presidente do banco Santander, Vieira Monteiro, era a segunda vítima mortal de covid-19 em Portugal, multiplicaram-se as análises de que a pandemia não olhava à condição socioeconómica dos doentes e que ninguém estava a salvo. Poucos meses bastaram para se perceber o quanto estávamos enganados.

É verdade que o minúsculo vírus não escolhe nem distingue condições, mas à medida que o tempo passa multiplicam-se estudos conclusivos quanto à associação entre desigualdades de base e impacto da doença.

Não se trata, apenas, dos impactos económicos evidentes que a crise lançou sobre algumas faixas da população. É importante perceber que as fragilidades não são apenas consequência, mas causa facilitadora dos contágios. Condições deficientes de habitação, utilização de transportes públicos lotados, atividades profissionais sem possibilidade de teletrabalho, todos estes fatores condicionam e muito os mecanismos de prevenção da doença.

A relação entre desigualdades e doença acaba por ser um círculo vicioso, que importa olhar com cautela reforçada quando se adotam medidas diferenciadas no território. É inevitável que haja ajustamentos locais, com respostas distintas consoante as taxas de incidência e os contextos próprios de cada território. Mas há o risco de distorções na leitura de dados em regiões de baixa densidade e sobretudo de agravamento das causas que colocam esses mesmos concelhos no vermelho.

É natural, à luz de todos estes alertas, que se questione a violência da cerca sanitária a que foram submetidas duas freguesias no concelho de Odemira. Sobretudo porque o Governo reconhece haver nestes locais comunidades migrantes em condições indignas de habitação, em violação dos direitos humanos. As instituições públicas, que conhecem há muito a realidade, falharam no acompanhamento e resposta a este problema. A cerca volta a penalizar as populações que já são vítimas da pandemia.

*Diretora

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