sábado, 8 de maio de 2021

Portugal | Passos Coelho, um governo de negócios secretos… E um PS cúmplice

O secretismo do negócio do governo de Passos/Portas (PSD/CDS) continua secreto. A transparência foi às malvas, como é hábito

Coordenador da UTAO, Rui Baleiras, deixa escapar que os portugueses ainda têm muito para pagar (entende-se) com o negócio do Novo Banco. Mais uma vez a transparência foi atirada às malvas, demonstrando que andam indivíduos de honestidades dúbias a governarem em nome de todos os portugueses sem merecerem absoluta confiança, considerando que quando votamos lhes passamos um cheque em branco. Ora isso tem um nome: abuso de confiança. No caso do Novo Banco foi protagonista da solução de resolução das vigarices de Ricardo Salgado/Banco Espírito Santo o PM, como responsável máximo, Pedro Passos Coelho, portanto não será demais considerarmos que aquele individuo foi/é aquele que abusou da confiança dos portugueses. Não só dos que nele na época votaram mas de todos os portugueses.

Curiosamente, surgem de vez em quando lamirés do retorno de Passos Coelho à ribalta política ativa, o que prefigura a mentalidade masoquista dos portugueses, e desses, que em tal aldrabão votaram, haverá hoje em dia os que até dariam o rabinho e oito tostões para o regresso de Oliveira Salazar, de que Passos não é muito diferente, deixando perceber isso pelos tiques e pelo desprezo e miséria gerada aos portugueses quando foi primeiro-ministro. Um Salazar da modernidade.

A seguir, a entrevista TSF a  Rui Baleiras, num trabalho de Hugo Neutel (TSF) e Luís Reis Ribeiro (Dinheiro Vivo), Certo é que o secretismo se mantem, sem que mesmo este atual governo, PS, se digne ser honesto e permitir que tudo o que envolve aquela negociata seja do domínio público. Pagamos e nem bufamos. Quer dizer: Pagamos sem saber aquilo que estamos a pagar e porquê. Entretanto Salgado e outros na sua ilharga, com responsabilidades nas tramas, andam por aí, em liberdade, sem punição pelo crime de contribuírem para vigarizar e miserabilizar ainda mais o país.

Leia-se a entrevista, que esclarecerá... mas sem derrubar os secretismos que devem aos portugueses.

PG


"Polémica sobre o Novo Banco não existiria se o país conhecesse os contratos"

Coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental lamenta secretismo dos termos da venda do Novo Banco. Rui Baleiras avisa que o apoio europeu à recuperação será pago: "não sonhemos que vem de borla".

Entrevista

A informação que a UTAO tem sobre o dossier Novo Banco é suficiente para aferir o impacto das injeções nas contas públicas?

Sim e não. Julgo que toda a evidência que nós temos recolhido sobre o dossier Novo Banco está correta. Aliás, foi com agrado que esta semana li o relatório da auditoria do Tribunal de Contas (TdC) que dá como factos adquiridos os mesmos números que nós há 10 dias colocámos no nosso relatório de avaliação do Programa de Estabilidade. O dossier Novo Banco é paradigmático porque mostra os males coletivos que podem advir da não publicitação dos contratos que o Estado assume, dos compromissos que o Estado em nome dos contribuintes e dos cidadãos assume perante terceiros. Toda esta controvérsia que há anos temos tido sobre se os pagamentos do Fundo de Resolução ao Novo Banco são ou não são devidos, se o Estado tem ou não tem obrigação de conceder empréstimos ao Fundo de Resolução, se os administradores do Novo Banco têm ou não têm direito aos prémios de gestão, tudo isto poderia não existir, ou ser uma discussão conduzida sobre dados objetivos, se os portugueses conhecessem os contratos.

E, portanto, o contrato de venda do Novo Banco deveria ter sido tornado público desde o primeiro momento?

O contrato de venda do Novo Banco e o acordo quadro entre o Estado e o Fundo de Resolução, porque esse acordo é o que estabelece a obrigação de o Estado financiar o Fundo de Resolução até 11 anos, à razão máxima de 850 milhões por ano. E depois temos o contrato entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco que é ao abrigo desse que, no fundo, o Novo Banco tem em determinadas condições a obrigação de fazer pagamentos ao Novo Banco até ao ano de 2015, prorrogável por mais um ano.

E os valores estão lá. Nós descobrimos estes elementos porque vamos à cata de informação que está dispersa aqui e acolá. Eu ainda tinha a esperança que esta auditoria do TdC pudesse mostrar aos portugueses esses documentos, mas não estão lá. Obviamente os auditores consultaram-nos porque há imensa informação detalhada sobre implicações de cláusulas, mas eles não estão lá.

Em português simples, essa auditoria o que é que acha que ela diz? O TdC diz que foi usado dinheiro público para financiar perdas ou operações menos bem conseguidas da operação normal do Novo Banco. Isso é grave?

Não estou em condições de discutir em detalhe as conclusões e recomendações do TdC. Mas penso que há, sem termos que falar em operações concretas, uma questão de fundo que o tribunal levanta nas suas conclusões e que me parece extremamente pertinente para evitar a controvérsia que temos tido nos últimos anos acerca dos fluxos financeiros: o contrato entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco prevê a obrigação de o Fundo de Resolução, que é a administração pública, efetuar pagamentos contingentes na verificação de dois factos: o desempenho de uma carteira predefinida de ativos de riscos, empréstimos de cobrança duvidosa que foram concebidos...

E que vieram ainda do antigo Banco Espírito Santo (BES).

Vêm do BES e também a evolução dos rácios de capital do Novo Banco. Uma recomendação do TdC é de que se passe a informar quem tem de pagar e o público em geral de como é que se calcula, como é que o Novo Banco calcula o montante a que tem direito em cada ano, decompondo-o nestas duas parcelas: desempenho da carteira de ativos problemática e necessidades de capital para cobrir os rácios.

E esses dados não são públicos.

Isso não é publicado. Assim como também recomenda a prestação de evidência sobre o desfecho das ações levadas a cabo pelo Novo Banco para responsabilizar os causadores de perdas ocorridas no BES e no Novo Banco e, finalmente, tornar público tudo isto. Não ficar apenas na correspondência privada dos membros do Governo.

Outro dado que até esta semana não era público era o valor da cláusula de backstop que no pior dos casos pode implicar uma injeção adicional de 1.600 milhões de euros. Qual é a probabilidade de este mecanismo ser, de facto, totalmente utilizado?

Não lhe sei responder pela simples razão de que não tive acesso aos documentos contratuais. Aquilo que consigo apurar é que o acordo firmado em 2017 entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco prevê um teto de pagamentos a fazer ao Novo Banco de 3.890 milhões de euros.

E que deverão ser esgotados.

Faltam 900 e poucos milhões de euros para chegar a esse valor. E, portanto, não percebo como é que se dá este salto dos 900 e poucos para esses 1.600, é uma peça de informação que não tenho. Outra dúvida tem a ver com o teto dos empréstimos do Estado ao Fundo de Resolução. Porque no acordo quadro - segundo a informação dispersa que ao longo dos meses fomos apurando e que agora o tribunal confirma - o que está previsto é o Estado emprestar ao Fundo de Resolução até 850 milhões de euros por ano durante o máximo de 11 anos. Ora, isto dá 9.350 milhões de euros, no máximo. Eu não percebo como é que este limite, 9.350 milhões, encaixa com o teto de responsabilidades contingentes que o Estado tem e que são os tais 3.890.

É a tal falta de transparência.

O que é preciso que os portugueses percebam é que, no fundo, a venda do banco ao fundo Lone Star foi feita com a promessa de um desconto de até 3.890 milhões de euros desembolsados em várias prestações anuais. Traduzindo em português, é isto. E, portanto, não me surpreende que todos os anos o banco procure cobrar esse crédito.

As moratórias bancárias públicas vão terminar em setembro, mas o governo está a procurar uma solução para as empresas e setores mais fragilizados. E isso passa por mais garantias do Estado aos empréstimos. Que impacto é que isto pode ter nas contas públicas? É mais um risco acrescido para o futuro?

Acho que por força da pandemia que atravessámos e das medidas políticas que foram tomadas, e a grande maioria delas com grande propriedade, nós temos neste momento um stock de passivos, ou seja, de obrigações patrimoniais que o Estado tem perante inúmeros potenciais credores, que é difícil de quantificar, precisamente pela própria natureza de serem passivos contingentes. Por exemplo, as moratórias ao crédito em si não são uma obrigação para o Estado, porque, no fundo, trata-se de um acordo entre um credor e um devedor para que não haja pagamento do serviço da dívida num determinado período. O que nós sabemos, até da crise financeira de há 10 ou 12 anos, é que se houver uma massa significativa de credores incapaz de voltar a pagar as suas dívidas, isso é um enorme risco que ameaça a estabilidade do sistema financeiro. Se o problema tiver dimensão sistémica lá estamos nós, os contribuintes. Provavelmente seremos convidados a pôr a mão por baixo.

O que é que acha relativamente a esse risco sistémico?

Ainda há tempo para se fazer o trabalho de casa. A minha ideia é que mais vale planear do que remediar. Trata-se de um problema coletivo, estas moratórias do crédito, mas é um problema coletivo, que respeita à sociedade, mas é importante que não sejam afastadas as responsabilidades individuais.

E aqui temos responsabilidades individuais de quem? Dos mutuários, ou seja, das empresas e das famílias que pediram as moratórias, dos bancos que concederam essas moratórias, do supervisor financeiro português e das instituições europeias competentes, porque aquilo que for possível fazer, por exemplo, uma extensão do período das garantias ou alguma intervenção pública, tem de ser concertada a nível da área do Euro, no mínimo. Portanto, Portugal não pode agir isolado. O que espero é que todas estas partes interessadas estejam a planear para que não tenhamos que correr atrás do prejuízo.

O presidente da Caixa Geral de Depósitos falou num tsunami de moratórias. O Estado vai ter de entrar ou reforçar garantias? E o que é que isso representa para a estabilidade de médio e longo prazo num contexto de consolidação orçamental?

Afasto palavras catastrofistas, também não nos ajuda am ver o problema com clareza. Quem tem responsabilidades no balanço das instituições tenta pressionar as outras partes a mexerem-se, mas isso não deve aligeirar as responsabilidades próprias dos bancos. Porque recordo que renegociação de dívidas é uma coisa que os bancos sabem fazer e sempre fizeram ao longo da vida e continuarão a ter que fazer.

Mas há uma diferença positiva e que desse ponto de vista é um risco descendente até para o envolvimento do Estado no setor: esta crise, ao contrário da anterior, provavelmente terá uma recuperação mais rápida e as medidas de minimização do impacto que foram tomadas, apesar de tudo, conseguiram preservar muito mais capital produtivo do que na crise que tivemos de 2009 a 2013.

Por causa da pandemia, o Governo decidiu facilitar regras nos gastos públicos, sobretudo no que diz respeito aos vistos prévios do TdC. Isto pode trazer consequências de longo prazo ou elas estão contidas num período curto?

É sempre possível às autoridades competentes fazerem o controlo concomitante, isto é, ao mesmo tempo que a despesa é feita, ou a posteriori e o quadro sancionatório não desapareceu. Na gestão dos dinheiros públicos temos sempre uma tensão entre dois valores, que é o da agilidade, e os políticos normalmente têm pressa a decidir, e o da transparência e da boa prestação de contas e do respeito da concorrência, e isso obriga as entidades públicas que queiram gastar dinheiro a gastar muito mais tempo. E daí que eu perceba que tenha havido da parte do Governo a intenção de aligeirar esse primeiro filtro num momento imediatamente prévio à assunção do compromisso, mas sem prescindir dos outros mecanismos de controlo a posteriori.

Será difícil para o país regressar ao modelo do visto prévio?

Estes choques são uma oportunidade para nós refletirmos sobre os paradigmas que trazíamos e há algumas coisas que se calhar não voltarão a ser como era dantes e se calhar isso até é positivo.

Mas o visto prévio será uma delas?

Provavelmente deveria ser revisitado, sim. Ver se não seria possível substituí-lo por outros instrumentos mais compatíveis com a agilidade dos processos de contratação pública.

O Programa de Recuperação e Resiliência (PRR está baseado em apoios europeus a fundo perdido. Que risco existe relativamente a mais despesa e dívida no futuro? O PRR pode implicar mais despesa e obrigar a mais consolidação no futuro?

Não penso que o PRR seja um risco maior. Diz-se "o dinheiro vem a fundo perdido", mas não é bem assim. O financiamento é comunitário, são cerca de 16 mil milhões de euros, dos quais 13,9 são subvenções e o resto é por empréstimo. Mas tanto num caso como noutro, este dinheiro vai ter que ser reembolsado por Portugal à União Europeia (UE). Nós não sonhemos que este dinheiro vem de borla.

Reembolsado em que sentido? As subvenções não são a fundo perdido?

Este valor das subvenções, como é que ele aparece?

Do orçamento.

E quem é que põe dinheiro no orçamento?

Os países.

Os países ou os mercados capitais, e essa é a grande novidade deste novo ciclo orçamental na Europa. A UE vai financiar-se com obrigações num montante astronómico. O que está combinado é que serão os estados-membros que depois pagarão, em condições que não são do conhecimento público. As amortizações que a UE fará aos investidores serão reembolsadas pelos estados-membros. Provavelmente, num horizonte temporal muito mais dilatado do que os seis anos dos programas de resiliência.

Teme que no futuro este PRR seja pago em aumentos?

Matematicamente é óbvio que sim, pode é ser comportável, porque o dinheiro não cresce nas árvores. Portanto, se vamos ter que reembolsar estes 16 mil milhões de euros, mais o dinheiro que utilizarmos noutros instrumentos europeus, como o SURE [novo instrumento financeiro temporário para proteger o emprego] e outros, das duas uma: ou aumentamos impostos ou reduzimos despesa. Agora isso provavelmente será durante 20, 30 anos, 40 anos. Pode ser que seja mais suave mas lá que tem de ser pago tem. Na economia nunca há dinheiro à borla.

Nos últimos anos o investimento público tem estado secundarizado. Foi orçamentado, mas não foi executado. Este é o momento do investimento público? Ele vai renascer com o PRR?

Tem de renascer. Em quantidade, seguramente que vai aparecer. Agora, se me diz que as projeções que estão no Programa de Estabilidade, entre 2021 e 2025, se há uma sobreprevisão como historicamente tem havido desde 2014, não lhe posso dizer. Mas provavelmente sim. Esse é o risco da previsão, é a história do comportamento do previsor. Mas não custa nada acreditar, com todos os elementos conhecidos da envolvente técnica e política dos PRR a nível europeu, que isso vai fazer crescer significativamente a formação bruta de capital fixo de origem pública.

O ministro das Finanças já afirmou que a política monetária do Banco Central Europeu (BCE) está esgotada. Portugal consegue viver sem essa rede de segurança?

Na política raramente há situações digitais, de zero ou um, de sim ou não, e quando essa questão se colocar - e o BCE tem em revisão a sua estratégia de médio prazo da política monetária - terão de ser encontradas soluções progressivas. Nós cidadãos apercebemo-nos que é um pouco anormal vivermos tantos anos com taxas de juro zero. Como é que se incentiva as pessoas a poupar?

Ou como é que se justifica perante os pensionistas que têm as pensões indexadas.

Exatamente. Portanto, isto é uma anormalidade do ponto de vista económico, um dia tem que ter uma solução. Agora, há uma grande diferença na capacidade que os estados têm tido para lidar com esta crise pandémica daquela que tiveram com a crise das dívidas soberanas. E esse é o enquadramento da política monetária europeia.

O pacto de estabilidade está suspenso por causa da pandemia até 2023. Ele deveria ser reformado até essa data?

As regras de disciplina que limitam o discricionariedade das autoridades orçamentais nacionais devem ser revisitadas. Sei que atrás das cortinas estão neste momento, a ser discutidas. E seria altamente desejável para todos que o novo quadro de regras de disciplina orçamental estivesse pronto e fosse conhecido antes da Comissão Europeia levantar a cláusula de derrogação geral do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Que avaliação é que faz das duas regras básicas do pacto? Faz sentido o teto de 3% do PIB para o défice e o ajustamento da dívida excessiva durante 20 anos até 7%?

Com os critérios de ajustamento progressivo que nós temos elas têm-se mostrado exequíveis. Mesmo no caso de Portugal, nós estávamos a cumprir, estamos com a dívida acima dos 60%, mas estamos comprometidos porque não são apenas essas regras.

Há o ajustamento estrutural.

O ajustamento estrutural e, no caso da dívida, o decréscimo de um vigésimo da dívida que está acima dos 60%. Agora estamos com 70 e tal pontos percentuais acima dos 60. Temos de reduzir, digamos, 5% por ano. Acho que isso, se não houver uma hecatombe, se o BCE não mudar a sua orientação de um dia para o outro, é exequível. Agora, onde está o problema? Está é nas regras indexadas ao produto potencial, porque não é uma variável observável e isso gera muito atrito.

Deveria deixar-se cair esse tipo de métricas artificiais, opacas?

Sim. A própria regra da despesa baseada no produto potencial tem a ver com o saldo estrutural, isso deveria ser realmente revisto.

Os meios da UTAOn chegam? Quantas pessoas é que tem, que dificuldades sentem no vosso trabalho?

Tenho 5 analistas, e eu também, que também faço análise, e tenho este número desde que cheguei, em 2018.

Como é que isso compara com congéneres da UTAO?

Muito mal... Por exemplo, na Irlanda, que é um país mais pequeno do que Portugal, eles terão uns 15 economistas. Já para não falar na nossa organização congénere maior do mundo, que funciona no congresso do Estados Unidos da América que só doutorados em economia são mais de 200, em imensas áreas, de engenharias e outras. Eles fazem um trabalho que nós também fazemos – noutra escala e com outros recursos - que é o chamado custeio das medidas de política. Isto é fundamental que os legisladores quando tomam decisões, Nos parlamentos como o Português, somos muito prolixos a legislar. Atrevo-me a dizer que quase todos os dias sai uma medida de política nova, e saber quais são as implicações disso a prazo nas contas públicas é uma lotaria.

Os ministros das finanças obrigam-vos a fazer noitadas.

Não são os ministros das finanças. É o calendário político. Na verdade, há aqui uma questão de fundo que precisa de ser melhorada no Parlamento português, que é uma melhor compatibilização entre o calendário político, o calendário da discussão e das votações, nomeadamente em sede de Orçamento de Estado, e o tempo para o trabalho dos técnicos. Estou a escrever um documento que oportunamente tornaremos público, para suscitar um debate alargado, dentro e fora do Parlamento, entre dois pilares importantes que têm de ser compatibilizados: por um lado, é uma revisão do processo legislativo orçamental. Como é que a Assembleia da República se organiza para discutir e aprovar as propostas de Orçamento do Estado? Há dezenas de anos que é sempre da mesma maneira. Eu acho que é altura de se parar para pensar porque nós temos alterado vários aspetos do enquadramento das finanças públicas que dizem respeito à ação do Governo, mas paramos à porta do Parlamento. E em segundo lugar, com as alterações que o poder político estiver disponível para introduzir no modo como os orçamentos do Estado são aprovados, repensarmos a estrutura da UTAO, a dimensão e as capacidades técnicas que tem de ter. O que é que está na génese histórica da instituição parlamentar? É o controlo do poder tributário dos estados. Magna carta, século XIII. Foi isso em larga medida que determinou a criação do Parlamento inglês. Pois bem, isto é uma reserva de competência por excelência do Parlamento português, e bem. Agora, eu pergunto: quantas decisões em matéria fiscal não são tomadas naquela casa todos os anos, dentro e fora da época do Orçamento do Estado, sem a devida maturação técnica quanto às suas implicações, nos incentivos dados aos agentes económicos e nos impactos nas finanças públicas? É para esse debate que o documento que estou a escrever visa convocar opiniões.

Lemos nas suas palavras que a UTAO precisa de mais meios.

A UTAO precisa de mais meios se o Parlamento entender que o trabalho da UTAO é útil e necessita de ser expandido, por exemplo, para escrutinar melhor os impactos económico-orçamentais de medidas de política.

De uma forma geral, como é que classifica a preparação dos deputados para as questões orçamentais?

É muito heterogénea. Temos pessoas na Comissão de Orçamento e Finanças com uma enorme experiência e traquejo nestas matérias e temos caloiros. Depois, por outro lado, nem todos têm um domínio técnico minimamente adequado para perceber as implicações de muitos diplomas.

Mas vão ter que ter.

Vão ter que ter e por isso também é que a UTAO existe: para ajudar a suprir essas limitações. Talvez de todas as áreas de política que aquela casa cobre, provavelmente a área económica e a área das finanças públicas são aquelas em que a política precisa de mais assessoramento técnico. O conhecimento no domínio das finanças públicas evoluiu de tal maneira nos últimos 15 anos, a linguagem tornou-se tão hermética, que é difícil não iniciados entrarem nela. E tomar decisões que não estejam devidamente fundamentadas em ciência e conhecimento factual não é boa ideia.

TSF - Hugo Neutel (TSF) e Luís Reis Ribeiro (Dinheiro Vivo)

Imagem TSF: Rui Baleiras, coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que dá apoio aos deputados no parlamento sobre questões orçamentais e de finanças públicas, nos estúdios da TSF em maio de 2021 // © Leonardo Negrão/Global Imagens

Imagem de topo: Passos Coelho e Ricardo Salgado - Google 

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