# Publicado em português do Brasil
Jean Marc von der Weid* | Carta Maior
Não acredito no golpe agora, mas
acredito que estamos, possivelmente, em um ensaio geral. Desde meados de 2019
que venho escrevendo sobre a ameaça de golpe por Bolsonaro. No início fui
tratado como um alarmista inveterado, fora da realidade. O tempo se encarregou
de mostrar que eu tinha razões de sobra para estar apreensivo.
Que fez Bolsonaro desde que chegou à presidência? Ele não se preocupou muito
com a sua popularidade medida em pesquisas de opinião. Governou para uma fração
dos que votaram nele, propondo, e muitas vezes aprovando, leis e decretos que a
beneficiaram. Policiais, militares das forças armadas, grileiros, madeireiros,
garimpeiros, caminhoneiros, grandes fazendeiros, milicianos, todos foram
contemplados por intenções, gestos e discursos. Não por acaso, esta minoria é a
mais belicosa e, infelizmente, a que tem armas para intervir na política.
Descobri que a lógica de Bolsonaro é maoísta: “o poder está na ponta do fuzil”.
A medida
Bolsonaro aposta na ruptura da democracia e vem consistentemente desagregando
as instituições da república. O país está entregue a um total desgoverno, com a
pandemia descontrolada (apesar das aparências recentes), a fome em expansão
atingindo quase metade da população entre os que comem pouco e os que comem
mal, o desemprego, subemprego e o desalento atingindo a metade da força de
trabalho, o meio ambiente literalmente em chamas, a educação em pleno desastre de
total abandono, a ciência com financiamentos em queda livre, a economia
prometendo inflação crescente (já estamos em 9,3% a/a) e o PIB com um
crescimento ridículo de 1,5% (e caindo a cada avaliação) para o ano que vem. A
lista é grande e será sempre incompleta porque o desgoverno atinge todos os
setores da economia, da sociedade, da cultura, da ciência, da saúde e da
educação, e um grande etcetera. Nada disso importa para Bolsonaro, se os
garimpeiros, madeireiros, fazendeiros, policiais, soldados, milicianos, etc.
estão satisfeitos e querendo mais.
Bolsonaro reza todos os dias, ao acordar e ao dormir, por uma crise social maiúscula, seja por causa da covid ou por causa da fome. Ele torce pelo desespero da população que leve a revoltas, quebra-quebras, saques. Tudo o que precisa é um estado de convulsão social para impor medidas de exceção, “pelo bem da paz pública” ou “pela defesa da propriedade”.
Quem acha que Bolsonaro não consegue o seu intento porque pode ser barrado (alguns acham que está sendo barrado) pelo STF ou pelo Congresso, não vê que ele não pretende seguir as regras. Se pedir um voto do congresso pelo Estado de Sítio e ele não aprovar, ele terá mais um argumento para fechar o congresso. Muita gente acha que o congresso não vai dar estes poderes a Bolsonaro porque até os marginais do Centrão se dão conta de que serão irrelevantes se o mito tiver plenos poderes. Mas a questão não é essa. A questão será, sempre, se os que estão armados estarão dispostos a virar a mesa em seu apoio.
Tenho ouvido argumentos sensatos dizendo que o golpe de 64 aconteceu porque Jango tinha contra si a igreja, a mídia, o empresariado, a classe média e as forças armadas (as polícias não contavam tanto naquela época). E agora Bolsonaro tem tudo isso contra ele, menos (e é um menos importantíssimo) as forças armadas. Diziam que os generais comandantes o conteriam, mas ele os dispersou com um sopro e colocou senão fiéis radicais, pelo menos fortes simpatizantes no lugar deles. Agora dizem que os generais de nível intermédio são pela democracia. Não é evidente que seja assim. Creio mais que este escalão teme processos radicalizados que possam perturbar o seu dolce far niente. Mas eles já viram o muito que tem a ganhar com o energúmeno e, não esqueçamos, o revival da ideologia dos tempos da ditadura está a mil por hora. A oficialidade média, segundo vários analistas, é bolsonarista. Mas mesmo neste público essencial, Bolsonaro joga na destruição das instituições. Ao politizar a oficialidade e subverter a hierarquia Bolsonaro aposta em emparedar os reticentes nos níveis mais altos com a ameaça de que não serão obedecidos se se opuserem a ele. Creio mesmo que ele prefere desmontar o aparato de comando das forças armadas para criar uma estrutura dependente dele. Hitler não fez diferente na sua tomada do poder.
Mas concretamente, tudo isto pode acontecer no 7 de setembro? É improvável. O ensaio de provocação de uma greve geral de caminhoneiros deu xabú. Se fosse para valer teríamos os ingredientes que Bolsonaro procura. Desabastecimento, suspensão da vacinação, agravamento da pandemia, hospitais desequipados, fome, revolta, saques, tumultos. Tudo isto com uma polícia que parece pronta para ou cruzar os braços e deixar rolar ou reprimir violentamente e agravar a crise. O interessante do fiasco bem provável da greve é a clara caracterização do ambiente que Bolsonaro procura.
Não vai haver a greve, mas Bolsonaro está apostando em mobilizações maciças e radicalizadas para invadir o STF e o congresso. Não é alarmismo, é o que está sendo conclamado pela web afora. Se vão conseguir é outra coisa. A pergunta é o quanto de bolsominions será necessário para uma invasão destes prédios símbolo? Já está claro que a convocação é para que portem armas (para defesa, é claro), mas quem vai impedir que alguns milhares de bolsominions (com uns 200 armados) invadam o STF e o Congresso? A polícia do Ibaneis? Os pouco e mal armados guardas postados nestes locais? Este é o primeiro risco, mas apenas a tomada dos prédios não gera o ímpeto que Bolsonaro necessita. Se a ocupação se prolongar coloca-se o impasse: se não vai ser a polícia a desalojá-los, terá que ser o exército, ou os fuzileiros navais ou os paraquedistas. É aí que veremos quem comanda quem: se os generais seguem Bolsonaro, se os coronéis seguem os generais, etc.
A outra possibilidade é uma provocação sangrenta através de um ataque às manifestações do Grito dos Excluídos ou da frente ForaBolsonaro, se ela não se somar à primeira. Um ataque armado com fuzilaria, mortos e feridos, pânico e terror é muito fácil de organizar. Neste caso a polícia, se tudo bem combinado, pode entrar em cena para engrossar o caldo e ampliar a catástrofe. Qual seria o day after de um episódio como esse? Bolsonaro pediria o Estado de Sítio? Ou aproveitaria a debacle para apelar para as FFAA, fechando o congresso e o STF? Tudo é possível, inclusive que nada aconteça e que tenha sido só um grande blefe com Bolsonaro acreditando nas suas próprias fake News.
Mas a lógica é essa e a busca da oportunidade vai continuar, porque Bolsonaro não tem alternativa. Se ele fica com o seu desgoverno até as eleições é possível que não vá nem para o segundo turno, se algum desses manés da terceira via se viabilizar. Ele vai provocar crise sobre crise buscando a sua chance e, mesmo que não a consiga, vai deixar o país em frangalhos sob todos os pontos de vista.
O que pode fazer a oposição? Continuar as mobilizações é fundamental, mas vai ser preciso furar a bolha da esquerda. Não vai ser possível colocar milhões nas ruas sem ampliar muito a frente que chama as manifestações. O modelo das Diretas Já devia ser retomado, com entidades amplamente reconhecidas como idôneas e isentas como CNBB, OAB e ABI, assumindo o protagonismo com o apoio de todos os demais, entidades da sociedade civil, partidos de esquerda, de centro-esquerda, de centro e centro-direita. Um grande movimento cívico de salvação nacional. Sem isso, ou por intimidação das instituições da República ou por sua destruição, Bolsonaro vai se prolongar no poder. Durará? Provavelmente não, mas se cumprir a promessa antiga dos 30 mil mortos que a ditadura deveria ter matado, muitos de nós não veremos o raiar da liberdade.
26/08/2021
*Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE 69/71, agroecólogo
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