domingo, 1 de agosto de 2021

FAPLA, FACTOR DE VANGUARDA EM ÁFRICA

Martinho Júnior, Luanda

O movimento de libertação em África, de Argel ao Cabo da Boa Esperança, teve em Angola uma trincheira decisiva e as FAPLA constituíram, em estreita interligação com as Forças Armadas Revolucionárias de Cuba e o People’s Liberation Army of Namibia, uma vanguarda da natureza anti imperialista que contribuiu para profundas alterações progressistas em toda a África Austral!

Há 47 anos, a 1 de Agosto de 1974, num ambiente conturbado na Zâmbia, os comandantes guerrilheiros (Comandantes de Coluna e de Esquadrão) que se reuniam em torno da liderança do MPLA tendo à frente o Presidente António Agostinho Neto, proclamaram as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, FAPLA, numa altura em que profundas alterações estavam já em curso na África Austral a favor do movimento de libertação.

A abertura da Frente Leste pelo MPLA obrigou a internacional fascista a criar na fase de desespero o Exercício Alcora, a “Aliança Contra os Rebeldes Africanos”, no seguimento de contactos que começaram a ser encetados praticamente desde quando em Angola estalou a rebelião (os primeiros contactos dataram de 1962).

Obrigou ao “Le Cercle” com todos os interesses que representava nos Estados Unidos, na Alemanha, em França, em Portugal, no Vaticano e na África do Sul, a estabelecerem o seu quadro retrógrado de expressão inteligente e armada na África Austral, apoiando a UNITA em Angola (antes de apoiarem, já na fase de choque neoliberal, as FAA conforme Jaime Nogueira Pinto descreve e ilustra em “Jogos Africanos”) e mais tarde a RENAMO em Moçambique.

Obrigou também ao etno-nacionalismo da UNITA a integrar a “Operação Madeira” a partir da qual ficou filiada a tal ponto que não teve outra alternativa senão deixar-se instrumentalizar pelo “apartheid” praticamente até ao Acordo de Bicesse, a 31 de Maio de 1991, mais de 20 anos depois.

Contra o colonial-fascismo em envergonhada aliança com o “apartheid” (o Exercício Alcora foi uma aliança tripartida envolvendo o colonialismo português e rodesiano, com o “apartheid” da África do Sul), o MPLA tornou possível a formalização da Linha da Frente e mais tarde da “South African Development Community”, SADC, no seguimento da proclamação da independência e em toda essa conjuntura as FAPLA jogaram um papel imprescindível e decisivo enquanto existiram.

As FAPLA e seus aliados das Forças Armadas Revolucionárias de Cuba que haviam acorrido desde 1965 em apoio solidário ao movimento de libertação em África, derrotaram simultaneamente as forças coligadas do “apartheid” e da CIA (Operação Savanah e Operação Iafeature)… as FAPLA eram mesmo, por vontade própria, uma força da vanguarda anti-imperialista em África!...

…As FAPLA tornaram-se naquela força que sustentou um dos pilares mais consequentes da Linha da Frente, que se transferiu da fluida linha da frente informal do tempo da meteórica passagem do Che pela guerrilha congolesa em 1965, entre Dar es Salam e Brazzaville…

…Foram aquela força que, ainda que não se soubesse na altura com toda a amplitude, enfrentou o sentido imperial e elitista de Cecil John Rhodes (“do Cabo ao Cairo”), enfrentou o Exercício Alcora e as sequelas que até hoje derivaram dele para dentro das tão vulneráveis sociedades africanas do século XXI…

Assim se libertou África do colonialismo, do “apartheid” e de muitas das suas sequelas, de Argel ao Cabo da Boa Esperança, na precisa razão inversa do imperialismo colonial eminentemente anglo-saxónico!

Se as FAPLA tivessem continuado, em Angola teria progredido muito mais a descolonização mental que sobra até hoje como um resíduo aproveitado pela inteligência portuguesa de cariz neocolonial!...

Os contraditórios internos do MPLA, actuando em conexão com factores externos interessados em Angola particularmente conjugados sobretudo em Portugal e na África do Sul, mudaram o carácter da República Popular de Angola ainda com o Presidente António Agostinho Neto em vida (de 27 de Maio de 1977 ao seu falecimento a 10 de Setembro de 1979), algo que foi-se alargando depois do seu falecimento e isso apesar do facto de se ter generalizado a luta e intensificado a resistência.

A chave, “os do interior” contra os que haviam chegado “de fora”, conforme ao ideólogo Eduardo Artur Santana Valentim, Juca Valentim, se não pegou com a abrupta tentativa do golpe de 27 de Maio de 1977, tinha muitos mais interessados para além dos que “se queimaram” com o fraccionismo desse dia, como se prolongando uma tensão deliberada, alimentada na esteira da zona cinzenta produzida pela inteligência colonial-fascista em final de colonialismo na área de Luanda e no seu entorno, quer sobre as redes clandestinas quer sobre a Iª Região Político Militar do MPLA em fase de asfixia!

Hoje, a propaganda do fraccionismo a partir dos interesses da inteligência portuguesa, que não extinguiu a PIDE/DGS em África antes foi utilizando seu pessoal e seus agentes de inteligência onde quer que eles estivessem implantados e “coligados”, estão na ordem do dia: não pegou a fundo o etno-nacionalismo na região quimbundo de Angola porque esse projecto não terá saído do embrião, mas o fraccionismo é uma sequela alimentada por muitas correntes inclusive dentro do MPLA, algumas delas saudosas de colonialismo porque agenciadas por ele, outras “abençoadas” por um metodismo religioso incapaz de ir para além da autodeterminação de bandeira, de pompa, circunstância e reverência neocolonial!

Essa tensão repercutiu-se desde logo dentro dos instrumentos do poder da República Popular de Angola com impactos dentro das FAPLA e dos organismos de Segurança do Estado, visando acabar com a revolução popular, sequência imediata incontornável da independência nacional.

Foi-se o tempo da República Popular, dum MPLA vocacionado dialeticamente em Partido do Trabalho, das gloriosas Forças Armadas Populares de Angola e da Organização da Defesa Popular vitoriosas nos campos de batalha, foi-se o tempo duma Inteligência e Segurança com força dialética e proactiva nos termos mais firmes de sua vocação e actuação, da qual fiz juramentada parte…

O Presidente José Eduardo dos Santos trilhou um caminho de sinuosas cedências, entremeadas de choques internos que se repercutiram dentro das FAPLA, mas sobretudo nos organismos da Segurança do Estado…

Chegou a evocar um “golpe de estado sem efusão de sangue” para levar a cabo esse trabalho de sapa que culminaria com o fim do Partido do Trabalho, com o ocaso das FAPLA e o termo da República Popular de Angola, de 1985 a 1991!

A substância do estruturalismo foi emergindo indelevelmente no quadro das transformações ideológicas, doutrinárias e políticas!...

O estruturalismo na superestrutura ideológica acompanhou os espaços sociopolíticos surgidos na deriva que deu sequência à RPA, com muitos protagonistas que, na retaguarda e não nas frentes, estavam filtrados pela zona cinzenta mental e prática do colonial-fascismo.

Emergiu o tempo duma tensão intestina coligindo todo um conjunto de correntes que exploraram as vias tonadas possíveis das contradições internas do MPLA com vista a pôr fim à dialética vanguarda da luta, em nome duma democracia estruturalista que estreou o neoliberalismo em Angola segundo a bíblia da representatividade, abrindo as portas do próprio estado aos etno-nacionalismos resultantes do esforço coligado de inteligências desde o exterior, em torno dos amplos interesses e conveniências do “hegemon”!

De 1992 a 2002, já sem as FAPLA, Savimbi conduziu refratariamente o país para a “guerra dos diamantes de sangue”, integrando a “Iª Guerra Mundial africana” que atingiu a África Central, Austral e franjas da África Ocidental, tanto sob o ponto de vista de conflito armado como nas tensões de inteligência continental interconectadas com as provenientes do exterior de África (por via de estados interessados ou de multinacionais como as que se aninhavam no cartel dos diamantes e em várias filiações mercenárias)!

No choque neoliberal o sintoma dialético colocou em evidência a manobra estimulada pelo “hegemon” na sua ânsia de dividir e dividir para melhor reinar: com o MPLA detentor do território angolano do petróleo, colocou contra ele uma UNITA que conquistou um território onde proliferavam os diamantes, com uma rectaguarda no então Zaíre (Mobutu em estreita aliança com Savimbi)…

Quando o choque neoliberal teve fim, estavam criadas as condições e as conjunturas para a introdução solapada da terapia neoliberal que levou a última fase da governação do Presidente José Eduardo dos Santos à corrupção acelerada que se assistiu entre 2002 e 2017 e ao aumento progressivo de ingerências e manipulações externas sobre Angola!

Enquanto existiram as FAPLA como um factor de vanguarda, Angola possuía uma ideologia e uma prática de Não Alinhamento activo rigorosa que em África era um autêntico baluarte, “trincheira firme da revolução em África”, mas as alterações globais no início da década de 90 do século XX, abriram o espaço maior à autodeterminação em prejuízo do espaço duma verdadeira independência e soberania, apesar de em termos de paz Angola fazer ainda a diferença, na espectativa de se tornar num catalisador emergente africano!

As FAPLA enquanto factor de vanguarda marcaram e marcam ainda hoje a diferença: com elas Angola foi realmente independente, soberana e dialeticamente proactiva nas regiões Central e Austral de África, muito mais que garantes de autodeterminação!...

O factor de vanguarda, que perdurou quinze anos em Angola (de 1974 a 1991), embora se esgotasse pouco a pouco até á agonia de Bicesse, será inspirador num futuro de paz: ficou provado que a via do socialismo era capaz de enfrentar e vencer desafios semeados pelo imperialismo como nunca alguma vez ocorreria se o MPLA tivesse seguido uma via capitalista e o socialismo, mesmo que seguindo uma trilha de mercado similar à protagonizada pela China, também por Angola ter sofrido choque neoliberal seguido duma terapia que não terminou, face aos imensos resgates que há ainda por realizar, sob o olhar silencioso de Neto merece uma oportunidade maior!

Martinho Júnior, 30 de Julho de 2021

Imagens:

01. Símbolo das FAPLA;

02. O Comandante de Coluna Iko Carreira, entre alguns outros oficiais, foi a assinatura 1ª da proclamação das FAPLA, a 1 de Agosto de 1974;

03. Pintura alegórica à batalha do Cuito Cuanavale.

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