quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Peru, um país rico cheio de pobres

# Publicado em português do Brasil

Pedro Castillo terá de enfrentar grandes desafios desde o início do seu mandato para conseguir conduzir seu programa de governo, uma vez que o parlamento peruano é controlado por uma maioria de extrema-direita e neoliberal estreitamente conectada com Washington, que fará de tudo para impedir qualquer iniciativa política que beneficie o povo

Hedelberto López Blanch* | CartaMaior

Já se notabilizam os primeiros ataques contra várias personalidades nomeadas para integrar o gabinete ministerial e que apoiaram o governo Castillo, como no caso de Verónika Mendoza, Roger Najar ou Guido Bellido. A oposição em conjunto com toda a imprensa tem constantemente confrontado os apoiadores do novo presidente.

Apesar da virulenta e agressiva campanha empreendida pela direita peruana, que domina empresas, comércios, latifúndios, bancos e meios de comunicação, Castillo, candidato da esquerda, conseguiu alcançar a presidência da nação andina depois de 42 dias após a conclusão do segundo turno das eleições.

Foram longos e tensos dias de espera em que o povo montou uma vigília permanente enquanto a candidata da extrema-direita, Keiko Fujimori, derrotada e que recorre de uma condenação de 30 anos de prisão por corrupção, colocava vários obstáculos na tentativa de interferir na transparência das apurações do pleito.

Por trás da posse de Castillo no dia 29 de julho, a direita se lançou na estratégia de desestabilizar o governo e minar sua base social para que a médio ou a longo prazo seja possível promover a chamada “moção de vacância” (início do processo de impeachment no Peru) para retirá-lo do poder.

Adiciona-se a isso o fato de que a população peruana está cansada de ouvir promessas de políticos que frequentemente foram eleitos lhe oferecendo mundos e fundos e não cumpriram com a palavra, como ocorreu com o governo de Ollanta Humala, motivo pelo qual o atual governo deverá legislar e avançar com seus projetos sociais para não cair na apatia e descontentamento da população que o apoiou.

O presidente Castillo comprometeu-se, entre outras coisas, a lutar contra a pandemia da Covid-19, impulsionar a educação e a saúde pública para todos os cidadãos, realizar uma segunda reforma agrária, reduzir os privilégios das transnacionais que saqueiam a maior parte das riquezas do país e a levar a referendo um novo projeto de constituição que derrube a Carta Magna neoliberal estabelecida em 1989 durante a ditadura de Alberto Fujimori.

Castillo expressou em diversas ocasiões a frase “sem mais pobres em um país tão rico” que antes da pandemia havia crescido a uma média anual de 5%, uma cifra que, no entanto, não representou melhora alguma para a população já que 1% dos ricos no país concentra 30% da renda nacional.

O Peru tem a quinta economia da América Latina com um PIB de aproximadamente 240 bilhões de dólares. Exporta cobre, ouro, chumbo, zinco, estanho, molibdênio, prata, petróleo, gás natural, café, frutas, peixes e derivados, produtos químicos, entre outros.

Organizações internacionais assinalam que 66% da população rural no Peru é pobre e mais de um terço vive na extrema pobreza, ao mesmo tempo que se tem aumentado nos últimos anos a distância entre os ricos e os pobres.

Dos 32 milhões de peruanos, 60% se encontram abaixo dos índices de pobreza, número que fica entre 74 a 88 % nas regiões ao sul de Ayacucho, Puno, Apurimac e Huancavelica.

Como os problemas caminham em conjunto, um informe do Instituto Nacional de Estatística e Informática (equivalente ao IBGE) indicou que 58% da população economicamente ativa está desempregada ou subempregada e não conta com nenhum tipo de seguro social, portanto, não tem direito à aposentadoria, assistência sanitária ou educacional, enquanto 68% não possui serviço de saneamento básico. Essa precária situação se incrementou pelos desastres provocados pela pandemia.

Lembremo-nos ainda que por trás da assinatura do Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos, conduzido pelo ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006) e ratificado pelo seu sucessor Alan García em dezembro de 2007, houve um aumento das diferenças sociais no país andino na medida em que as políticas neoliberais e de privatizações se expandiram.

A nova administração peruana liderada por Castillo, terá de lidar com emendas anti-soberanas como o capítulo 10 do TLC que possibilita às companhias estadunidenses a agirem legalmente contra o governo e exigir compensações extraordinárias, no caso de que se promulguem leis que atentem contra seus interesses econômicos.

Entre estas, destaca-se a impossibilidade de promulgar normas de proteção ao meio ambiente contra produtos nocivos que afetem a saúde dos cidadãos se isso dificultar o desenvolvimento das operações produtivas e lucro das empresas transnacionais.

O TLC também proíbe o governo peruano de recorrer aos tribunais nacionais diante de qualquer problema que surja contra as companhias estrangeiras.

A direita peruana está bem estabelecida em postos chaves da nação com o controle absoluto dos meios de comunicações e tentará através de notícias falsas e subterfúgios isolar Castillo para iniciar um golpe (parlamentar e até mesmo militar) que o retire do poder.

É fundamental para o presidente manter definitivamente a unidade com o povo, o que poderá evitar qualquer ação que desestabilize Castillo do poder.

*Hedelberto López Blanch é jornalista, escritor e pesquisador cubano

Imagem: Sebastian Castaneda/AFP

*Publicado Originalmente em rebelion.org| Traduzido por Caio Cursini

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