Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião
O SIFIDE (Sistema de Incentivos à Investigação e Desenvolvimento Empresarial) é um benefício fiscal que permite a empresas deduzirem diretamente do seu IRC até 82,5% das despesas realizadas em Investigação e Desenvolvimento (I&D).
Em 2011, para além de despesas com investigação (já de si, de difícil verificação), o benefício passou a abranger também a compra de unidades de participações em fundos de investimento, chamados "capital de risco". Mas só em 2021 é que as regras passaram a obrigar esses fundos a concretizar qualquer investimento. Até então, bastava uma declaração a prometer uma "política de investimentos" focada em empresas dedicadas "sobretudo" a I&D, mesmo que esses investimentos não saíssem do papel.
O SIFIDE tornou-se assim um maná para os fundos de capital de risco, que vendem participações que valem um desconto no IRC até 82,5% do valor da compra. Basta uma rápida pesquisa na Internet para perceber como o negócio se alastrou.
Há uma razão para os fundos se terem virado para o negócio da venda de benefícios fiscais. Em 2018, quando a atribuição dos apoios públicos aos fundos de capital de risco passou para o Banco Europeu de Investimentos, a exigência aumentou e muitas gestoras de fundos perderam o negócio. Perceberam então que, se constituíssem "fundos SIFIDE" (que alegadamente investem em empresas alegadamente tecnológicas), os seus clientes poderiam abater em IRC até 82,5% do dinheiro da compra dessas participações.
Uma empresa que tenha a pagar um milhão de euros de IRC pode comprar um milhão de euros em unidades de participação. Com o benefício fiscal, só vai pagar 348 mil euros de imposto. Mesmo que o retorno do fundo seja zero e apenas devolva o capital investido, ou mesmo que perca parte do capital investido, a empresa sai a ganhar - e o fundo também (em comissões de gestão).
O SIFIDE é um incentivo à
mediocridade, mas não só. É um convite à negociata. Como? Um fundo pode
angariar dinheiro junto de grupos económicos ou empresas beneficiadas pelo
SIFIDE e depois usar esses fundos para emprestar, a preço de amigo, a outras
empresas, que também investiram
Não se deixe enganar pela aparente complexidade do tema. Entre 2006 e 2019 o SIFIDE representou quase três mil milhões de euros de borla fiscal, 430 milhões só em 2019. Enquanto isto, em Portugal, a despesa pública em investigação e desenvolvimento caiu a pique, estando hoje em 0,36% do PIB, metade da média dos 27 países da UE. A redução deste investimento ao longo da última década é mesmo das mais acentuadas da Europa.
Quando se fala sobre as condições de desenvolvimento económico do país, talvez seja tempo de largar os lugares-comuns sobre apoio às empresas, seja ele qual for, e começar a avaliar a forma como se desperdiça recursos públicos.
*Deputada do BE
Sem comentários:
Enviar um comentário