Desinteresse ou dificuldades no pagamento de quotas? Em 34 dias, mais de 28 500 militantes regularizaram a situação, mas os agora pouco mais de 46 mil eleitores são o segundo pior número de inscritos desde que há diretas. Porto subiu e Lisboa perdeu
"Se [a escolha do líder e candidato a primeiro-ministro] não mobiliza os militantes, como há de mobilizar o país?" A dúvida expressa por um antigo dirigente social-democrata encontra respaldo nos números: as eleições diretas de dia 27 de novembro "são as segundas, em dez diretas, com menos militantes disponíveis para ir às urnas sociais-democratas; pior só quando [Luís] Montenegro defrontou Rio". Nessas eleições, em janeiro de 2020, havia 40 628 militantes com quotas pagas regularizadas, agora há 46 026. Quase igual [46 430] só nas diretas de 2014, mas nessa altura Pedro Passos Coelho não tinha adversários.
Nas restantes eleições, o valor esteve sempre acima dos 50 mil e só em dois momentos ultrapassou a fasquia dos 77 mil: em 2008, no embate entre Manuela Ferreira Leite, Pedro Passos Coelho, Pedro Santana Lopes e Patinha Antão; e em 2010, na disputa entre Castanheira Barros, José Pedro Aguiar-Branco, Paulo Rangel e Pedro Passos Coelho.
Quando Paulo Rangel foi ao
conselho nacional, a 14 de outubro, anunciar a decisão de concorrer à
presidência do partido [no dia seguinte fez a apresentação oficial] só cerca de
17 500 militantes tinham as quotas
Em 34 dias, de 14 de outubro a 17 de novembro, mais de 28 500 militantes pagaram as quotas que lhes permite escolher o líder, mas quase 39 mil dos cerca de 85 mil ativos [os que pagaram pelo menos uma quota nos últimos dois anos] ficaram de fora por não terem acertado as contas com o partido.
"É um número baixo [de militantes que podem votar], é verdade. Mas seria maior, haveria mais militantes do PSD, se [a candidatura de Rangel] tivesse aceitado a proposta do Rio para que todos os militantes ativos pudessem, excecionalmente, votar. Porque está em causa a eleição do governo, do primeiro-ministro. E até legitimaria mais o líder eleito", afirma fonte da direção social-democrata.
E qual é o perfil dos militantes (idades e profissões)? "Não podem ser" fornecidos esses específicos por causa do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados, dizem "os serviços" do partido.
Paulo Cunha, líder da distrital de Braga, que optou por não declarar apoio público a nenhum dos candidatos - oito dos nove presidentes de câmara PSD no distrito (Braga, Famalicão, Esposende, Vila Verde, Amares, Vieira do Minho, Terras de Bouro e Celorico de Basto) apoiam Rangel -, afirma que "não é preciso este calvário [as mudanças introduzidas em 2018 por Rui Rio] para que os militantes paguem as quotas".
"Defendo, sempre defendi, que para ser eleito o militante deve ter quotas pagas. Para votar, não. Não deve precisar. A militância não pode ser reduzida às quotas, esperava muito mais do que isso e que não seja apenas o votar. O partido deve questionar-se sobre o que está a acontecer. Deve redesenhar o modelo que temos, criar estruturas regionais no lugar das distritais que tenham peso no contexto regional, que tenham poder real. O Alentejo, por exemplo, passaria a ter peso. Repare que as distritais são, na prática, federações de concelhias. O poder de escolha dos deputados, e outros exemplos há, é das concelhias e da [comissão política] nacional", considera.
E o peso das distritais no apoio a Rio e Rangel? "Algum efeito terá, mas não o que dizem, não o que muitas vezes os próprios [alguns das distritais] pensam que têm. Influência, sim. Arrastamento, não", garante Paulo Cunha. E porque fica tanto militante de fora? O líder da distrital aponta duas possíveis causas. "Alguma indiferença positiva, ou seja: acham que o partido ficará bem com Rio ou Rangel como candidatos a primeiro-ministro; e também a dificuldade de retomar a militância para poder votar. Imagine se o que é pedido no PSD fosse pedido aos portugueses nas eleições... a abstenção subiria."
Jorge Fidalgo, presidente da distrital de Bragança, que declarou apoio a Rui Rio, não encontra uma explicação clara, "talvez o desleixo, porque as formas de pagamento foram facilitadas. E não pode ser pela quota, é mais barata do que um café por dia. Só não paga quem não quer". Mas também pode haver a réplica, no partido, do que se passa nas eleições autárquicas e legislativas. "Na minha aldeia, metade da população não está cá, está fora do país. Mas continuam com tudo cá: morada fiscal, etc. Portanto, nas eleições, contam como abstenção quando na verdade o que se passa é que não estão cá. Mas não lhe sei dar uma explicação concreta, há muitas variáveis."
Alberto Machado, líder da distrital do Porto, a maior do país, que por "unanimidade declarou apoio a Paulo Rangel,"considera que quando há uma identificação com o líder a militância aumenta. "Não pagar significa desinteresse, é o espelho do país. A falha de Rio foi não unir o partido, a que acresce a falha grave de recusar o debate. Não faz sentido não haver debate quando estamos a escolher o candidato a primeiro-ministro."
O "problema " das quotas, explica, foi ter sido criado "um exagero" no maior controlo para "saber quem de facto é ou não militante. Não foi tudo mau, mas é mais fácil abrir conta num banco do que um militante retomar o pagamento, regularizar a sua situação. Mais ainda se estiverem suspensos [não pagar quotas durante dois anos]. Ainda recentemente, um antigo presidente de junta do PSD, já de idade, ligou-me porque não conseguia pagar as quotas, que não se entendia com aquilo das referências do Multibanco".
Hugo Oliveira, líder da sexta maior distrital (Leiria), nestas eleições, questiona o método da suspensão por não pagamento de quotas após dois anos, por "provavelmente ter afastado metade dos militantes em vez procurar um maior envolvimento, dar fôlego ao partido". Os partidos, considera, "precisam de se reinventar. Os ideais já não são o que eram, as pessoas votam mais nas pessoas do que nos partidos, há que procurar proximidade e não criar a ideia de exclusão".
"Faz sentido", diz, alterar o"modelo das quotas". E aqui partilha, porque também o defende, a tese de Paulo Cunha, da distrital de Braga, de que "para votar os militantes não deviam pagar quota. Só deveria acontecer se quisessem ser eleitos".
O peso das distritais
No ranking das distritais com maior peso eleitoral há cinco "novidades": o Porto tem mais militantes do que nas últimas eleições; Braga passou a ser a segunda distrital quando era habitual ser terceira; a Área Metropolitana de Lisboa "não se mobilizou" e trocou de lugar com Braga; a Madeira ultrapassou a fasquia de 2700 [eram 2300 nas diretas de 2020]; e Aveiro perdeu "quase uma centena" de militantes em relação às últimas eleições diretas.
As mudanças não alteram um facto: Porto, Braga, Área Metropolitana de Lisboa, Aveiro e Madeira (por esta ordem) representam quase 60% do eleitorado social-democrata.
Na contagem dos apoios do "aparelho do partido", as contas são favoráveis a Paulo Rangel, que tem o apoio dos líderes das distritais de Beja, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Área Metropolitana de Lisboa (previsível), Porto, Santarém, Setúbal, Faro e Viseu. Rui Rio soma apoios dos de Aveiro, Bragança, Évora, Viana do Castelo e Vila Real. Optaram por "neutralidade" os das distritais de Braga, Leiria, Lisboa Área Oeste, Portalegre, Açores e Madeira. O apoio do "aparelho" pode ser decisivo? Ninguém arrisca resposta clara. A exceção pode estar no Porto onde, segundo Alberto Machado, líder da distrital, "a maioria das concelhias está com Rangel".
"Uma preocupação", admite fonte da candidatura de Rio, "até porque na concelhia do Porto [a maior, quase 1300 militantes] eles podem conseguir grande vantagem. Valongo e Póvoa de Varzim [que juntas valem 584 votos] creio que estejam com Rio." Contas pequenas num universo de quase 8 mil militantes dos quais 300 são dirigentes e membros das 18 concelhias. Outra conta: a soma dos autarcas de juntas de freguesia e câmaras. "Estes sim", podem ter "maior capacidade de influência; são mais e estão mais próximos... embora às vezes sejam os mesmos, ao menos parte".
Artur Cassiano | Diário de Notícias | Imagem em DN
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