quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Por que Israel tem um arsenal de armas nucleares?

# Publicado em português do Brasil

Brian Cloughley* | StrategicCulture Foundation

Está longe de ser inconcebível que Israel usaria seu arsenal nuclear. Afinal, por que outro motivo possui noventa armas nucleares?

O principal resultado da reunião entre os presidentes Putin e Biden em Genebra em 16 de junho foi a declaração conjunta de que “reafirmamos o princípio de que uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve ser travada”. Este reconhecimento de boas-vindas que a guerra nuclear iria provavelmente destruir o mundo é especialmente relevante agora, porque agosto vê o 76 º aniversário do primeiro - e até agora o último - uso de armas nucleares na guerra. Em 6 de agosto de 1945, uma bomba atômica americana explodiu sobre a cidade japonesa de Hiroshima, matando cerca de 70.000 pessoas. Em 9 de agosto, outra bomba destruiu a cidade de Nagasaki, causando cerca de 40.000 mortes. O Japão se rendeu em 15 de agosto, encerrando assim uma guerra mundial que resultou na morte de dezenas de milhões de pessoas, principalmente civis. Estimativas variam de 35 a 60 milhões, mas seja qual for o número, a guerra foi uma grande catástrofe - mas não tão grande quanto o cataclismo que se abateria sobre o mundo se as armas nucleares fossem empregadas novamente.

Embora muitos de nós possamos estar confiantes de que os EUA e a Rússia não farão uso de armas nucleares um contra o outro, mesmo no caso de um grande confronto, esse otimismo não pode se estender a outras situações, e é notável que há quatro nações que se recusam cumprir o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), que a ONU descreve como "um tratado internacional histórico cujo objetivo é prevenir a disseminação de armas nucleares e tecnologia de armas, promover a cooperação no uso pacífico da energia nuclear e promover a objetivo de alcançar o desarmamento nuclear e o desarmamento geral e completo. ”

Falta de vacinas em países pobres é falência moral

# Publicado em português do Brasil

OMS tem razão: é inaceitável os países ricos já estarem planejando uma terceira dose da vacina contra a covid-19, enquanto em muitas partes da África sequer os médicos estão imunizados, opina Frank Hofmann*.

Há meses, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, vem lembrando os países mais ricos do mundo de que possuem uma obrigação moral de compartilhar a vacina contra a covid-19 com os mais pobres. É assim que ele normalmente inicia a entrevista coletiva semanal na sede da entidade, em Genebra.

Nesta semana, ele foi além em seu apelo: como é possível países do Hemisfério Norte já estarem planejando uma terceira dose, enquanto quase toda a África sequer conseguiu vacinar suas equipes médicas? Ghebreyesus pediu urgentemente que a ideia seja abandonada, pelo menos até outubro.

Ayoade Olatunbosun-Alakija, da Aliança de Vacinação da União Africana, diz que a iniciativa de vacinação Covax, lançada em abril de 2020 pela OMS, a Comissão Europeia e a França, está prestes a fracassar.

"Para o bem da humanidade, porém, ela não pode falhar", apelou ela. A ideia da Covax seria distribuir aos países pobres vacinas pagas pelos ricos. Mas das 640 milhões de doses de vacinas planejadas para os mais pobres até o início de agosto, apenas 163 milhões haviam chegado. É uma declaração de falência moral por parte dos países ricos.

De acordo com as estimativas da OMS, são necessárias 11 bilhões de doses para acabar com a pandemia em todo o mundo. As nações industrializadas do G7 prometeram apenas 1 bilhão, com EUA e Alemanha à frente. E enquanto na África e em muitos países da América Latina as mutações do vírus seguem infectando a população, o Norte se comporta como monopolista.

Julian Assange pode ser extraditado para os EUA

# Publicado em português do Brasil

Chip Gibbons | Jacobin

A audiência de hoje aumentou a chance de Julian Assange ser extraditado para os Estados Unidos. Todos os preocupados em defender os direitos democráticos deveriam trabalhar para defender Julian Assange.

Na manhã de 11 de agosto de 2021, a Suprema Corte do Reino Unido ampliou o escopo das questões nas quais os Estados Unidos poderiam apelar da decisão de um juiz de bloquear seu pedido de extradição de Julian Assange.

Os Estados Unidos solicitaram a extradição do jornalista australiano por dezessete acusações de violação da Lei de Espionagem e uma acusação de "conspiração para cometer invasão de computador". As acusações da Lei de Espionagem resultam da publicação de Cabos do Departamento de Estado pelo WikiLeaks, das Regras de Engajamento do Iraque e dos resumos de avaliação de detentos da Baía de Guantánamo. É a primeira vez que um editor de informações verdadeiras foi indiciado sob a Lei de Espionagem.

O caso é ainda mais preocupante pelo fato de Assange ser um cidadão australiano que opera fora dos Estados Unidos. Os Estados Unidos não estão apenas afirmando que podem processar jornalistas por exporem seus crimes de guerra, mas que podem processar qualquer jornalista em qualquer lugar do mundo por isso.

Em janeiro de 2021, a juíza distrital do Reino Unido Vanessa Baraitser bloqueou o pedido de extradição dos Estados Unidos. Ao fazer isso, ela rejeitou os argumentos apresentados sobre como a extradição de Assange ameaçava a liberdade de imprensa. Em vez disso, sua decisão se baseou apenas em argumentos sobre as condições das prisões nos Estados Unidos e a saúde mental de Assange. Ela descobriu que a extradição seria opressiva para Assange e que ele corria alto risco de cometer suicídio em uma prisão dos Estados Unidos.

Este deveria ter sido o fim. Os Estados Unidos obtiveram uma vitória técnica jurídica por sua alegação de que podem acusar jornalistas de qualquer parte do mundo de espionagem, ao mesmo tempo que são aliviados do fardo de ter de seguir em frente uma perseguição política desagradável e de alto perfil a um jornalista.

Em vez disso, os Estados Unidos apelaram da decisão do juiz Baraister com base em cinco motivos distintos. Foi inicialmente concedido o direito de apelar em três deles, mas não nos cinco completos. Os Estados Unidos teriam sido capazes de apelar com base em que o juiz deveria ter notificado o país de suas decisões preliminares sobre o efeito das condições carcerárias dos EUA sobre a saúde mental de Assange, para que pudessem oferecer garantias sobre as condições de confinamento de Assange. Também foi permitido apelar com base nessas garantias, incluindo alegações de que os Estados Unidos permitiriam que Assange cumprisse sua pena de prisão na Austrália.

Os Estados Unidos, no entanto, foram impedidos de apelar das conclusões do juiz com base nas evidências médicas apresentadas no julgamento. Especificamente, os Estados Unidos queriam argumentar que as provas de uma testemunha de defesa deveriam ter sido consideradas inadmissíveis ou pouco valorizadas, e que o juiz cometeu um erro ao avaliar o risco de suicídio de Assange. Após a decisão de hoje, os promotores também poderão levantar essas questões. Uma audiência de apelação está agendada para 27 de outubro e levará dois dias.

Graças ao tratado de extradição EUA-Reino Unido de 2003, os Estados Unidos são representados pelos promotores do Reino Unido, com o povo britânico pagando a conta. Isso se soma aos milhões que o Reino Unido gastou supervisionando a embaixada do Equador, onde Assange buscou refúgio por sete anos.

EUA, o império que deixa rasto de guerra por todo o mundo

Bom dia este é o seu Expresso Curto

47ºC à sombra

Cristina Peres | Expresso

Poderia ser um bom tema para se ir escrevendo até 11 do próximo mês de setembro, daqui a um mês, quando em 2021 passarem 20 anos sobre o ataque às torres gémeas de Nova Iorque. Mas a impressionante velocidade a que os talibãs têm avançado pelo território nos últimos dias, tudo tomando à sua passagem (nove das 34 capitais de província), prenuncia desgraça. Antes que o último marine norte-americano saia do Afeganistão no dia 31 de agosto, conforme previsto, o ministro do Interior afegão avançava ontem com um plano para obrigar os talibãs a recuar.

O Governo afegão está a planear armar grupos locais como parte de um plano em três fases para tentar conter o avanço dos talibãs. Segundo o General Abdul Sattar Mirzakwal, o objetivo é assegurar que as principais cidades, as maiores auto-estradas e as passagens de fronteira fiquem nas mãos do Governo, segundo declarou o ministro à Al-Jazeera.

Já houve confrontos em Kandahar, a segunda maior cidade do país, e um porta-voz do Governo afegão, interrogado na Casa Branca sobre a capacidade de as forças governamentais controlarem a situação, respondeu que a verdadeira questão era “se havia a vontade política para ripostar”.

Um relatório dos serviços de informação americanos é pouco otimista ao calcular que a capital afegã, Cabul, pode cair em mãos inimigas dentro de apenas 90 dias. O cálculo tem em conta o facto de o grupo armado ter capturado, sem encontrar resistência, mais de um quarto das capitais provinciais em menos de uma semana. Desde sexta-feira passada, capturaram Faizabad, Farah, Pul-e-Khumri, Sar-e-Pul, Sheberghan, Aybak, Kunduz, Taluqan e Zaranj. Além destes pontos urbanos e logísticos fundamentais, os talibãs conquistaram vastas extensões rurais desde que lançaram uma série de ofensivas em maio, coincidindo com o início da saída das forças lideradas pelos Estados Unidos após 20 anos de presença no país.

A situação dos deslocados internos vai piorando, empurrados para zonas onde não dispõem de mais do que um lençol para inventar uma sombra sob temperaturas que chegam aos 47ºC. Vêm de zonas de conflito, abandonam as cidades tomadas pelos talibãs e só quem pode consegue obter um passaporte para abandonar o país. (Um visto para a Turquia custava normalmente 150 euros. Hoje pode custar mais de 5.000).

Para quem possa achar estes assuntos longínquos recordem-se os Budas de Bamiyan explodidos pelos talibã no vale com o mesmo nome (centro do Afeganistão) como prenúncio das proibições que seriam a partir dali impostas no país. E no mundo. Há 20 anos, era fácil viajar para todo o lado, a vida era menos controlada e o combate ao terrorismo não se contava entre as justificações para o constrangimento das liberdades civis. Leia aqui a crónica da Clara Ferreira Alves sobre o Afeganistão intitulada “Acabará em Lágrimas”.

Chega/Ventura: o partido repleto de racistas e fascistas

Facebook remove grupo de mais de 11 mil "racistas unidos pelo Chega" que defendia "fascismo sempre"

Rede social remove grupo de assumidos apoiantes do Chega e de André Ventura, para quem "a maior causa é o racismo e destruir o sistema corrupto do 25 de abril". Partido de Ventura nega ligações ao grupo

O Facebook acabou de remover os conteúdos de um grupo em Portugal com 11.289 membros, que se assumiam como "racistas unidos pelo Chega", segundo avança o Jornal de Notícias esta quinta-feira.

O grupo chamava-se "Apoiantes do Chega e de André Ventura" e tinha a seguinte descrição: "somos racistas unidos pelo Chega. A nossa maior causa é o racismo e destruir o sistema corrupto do 25 de abril. Este é um dos grupos oficiais do partido Chega".

O lema do grupo era "Fascismo sempre, 25 de abril nunca mais". E propunha: "Vamos destruir o sistema abrileiro e criar uma 4.ª República", enfatizando que "André Ventura, quando está fora dos holofotes, diz explicitamente que temos de tomar o país, nem que seja por meio de uma revolução à força e mudar a Constituição!".

Portugal | Otelo e a Revolução

Luís Castro Mendes* | Diário de Notícias | opinião

A revolução é um drama passional
Mao Tse-tung

I have lost the immortal part of myself
Shakespeare, Otelo, ato 2, cena 3

Foi Hegel que nos lembrou que "nada de grande no mundo se fez sem paixão". A revolução é o momento passional da história, o lugar onde a transparência do mundo inicial, luminoso e justo se confronta com a face terrível, obscura e demasiadamente humana da justiça. Nós, que éramos já adultos nos anos de 1974 e 1975, tivemos o privilégio de viver uma Revolução. E, consequentemente, vivemos também a mecânica irreversível e previsível da contrarrevolução. Como Termidor e o bonapartismo na Revolução Francesa. Ou, noutro percurso, como Estaline e a ditadura soviética na Revolução Russa. O florescer da liberdade e da iniciativa popular que nos arrebatou (ou nos horrorizou, conforme o ponto de vista) foi uma mudança robusta e inapagável e traduziu-se na institucionalização posterior da nossa democracia, tal como Bonaparte acabou por consagrar no Código Civil o quadro jurídico que veio desfazer o Ancien Régime.

Os que rejeitaram a Revolução, os horrorizados de Abril, são hoje em tudo semelhantes àqueles Bourbons de quem Talleyrand dizia "nada terem esquecido e nada terem aprendido". Perto do cinquentenário de Abril, eles procuram impor a sua narrativa de ressentimento e de raiva, demasiado tempo contida e contrariada. Esses mantêm a sua paixão, uma paixão reativa, negativa, o ódio à Revolução.

E nós? Nós que vivemos a paixão revolucionária com um amor entusiasmado e juvenil que não renegaremos nunca? Acaso pode a nossa lucidez presente, passada que foi a contrarrevolução, ir ao encontro do ódio deles?

Quando jovem trotskista, acreditei na revolução permanente. Como se a paixão pudesse durar sempre, tal aquele imortal, posto que é chama, que cantou Vinícius. Hoje social-democrata, deixei de crer na atualidade da revolução. As mudanças de sociedade devem alcançar-se, penso agora, por via democrática. Mas muito receio que as paixões furiosas desses que "nada esqueceram e nada aprenderam" e a nossa própria incapacidade de sermos radicais no nosso reformismo acabem por provocar graves enfrentamentos e violências numa sociedade cada vez mais desigual, intolerante e cindida. A atualidade da Revolução pode voltar a colocar-se, contra os nossos próprios desejos, porque a história se faz do inesperado.

O confronto com a morte de Otelo foi o confronto de todos nós com a própria imagem da Revolução, o confronto com as ilusões do nosso passado e os receios do nosso presente. Como Yeats dizia num grande poema "the best lack all conviction, while the worst/ are full of passionate intensity". Os erros de Otelo são por demais evidentes aos nossos olhos e, ao contrário de muitos, Otelo pagou por eles. Mas através dele são os erros da própria Revolução que nos vêm olhar e pedir contas. Os erros de Otelo foram os de uma paixão revolucionária sem objeto que acabou por dissolver-se num apocalipse de violência sem sentido. Mas essa mesma paixão, que fez e faz sentido, continua a apontar para a nossa liberdade e para a plena dignidade dos pobres e dos excluídos. Tal como a Revolução que nós vivemos.

Não podemos perder o nosso rumo por causa de erros que reconhecemos e superámos. Os outros, os nossos Bourbons cínicos ou vociferantes, detentores de fundos em paraísos fiscais ou simplesmente possuídos pela raiva da exclusão, esses parecem guardar eternamente para si a "intensidade apaixonada" do seu ódio. Se nós, deste lado, abandonámos os mitos da violência, a verdade é que assistimos ao movimento inverso da parte dos ressentidos de Abril. É natural, porque o ressentimento nada constrói. Ao contrário da paixão.

A Revolução é afinal essa "parte imortal de nós próprios", que sabemos que um dia teremos de perder

* Diplomata e escritor 

Portugal | PSP/IGAI em destaque... pelo pior

Só três dos oito polícias condenados são alvo de processo disciplinar

A PSP reiniciou os processos disciplinares a 3 dos 8 polícias condenados em tribunal, após trânsito em julgado da sentença. Mas os que receberam as penas mais pesadas, que lhes deviam valer a demissão, poderão permanecer ao serviço se a IGAI não reabrir os processos disciplinares que decidiu antes do julgamento

ês dos oito polícias condenados em 2019 pelos crimes de sequestro, ofensas à integridade física qualificadas, injúria, denúncia caluniosa e falsificação de documentos num caso que envolveu seis habitantes da Cova da Moura detidos na esquadra da PSP de Alfragide em 2015, estão a ser alvo de processos disciplinares, disse ao DN fonte oficial da direção nacional desta força de segurança.

Segundo a PSP, "na sequência da decisão final do Juízo Central Criminal de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, comunicada à Polícia de Segurança Pública no dia 8 de julho (último) foram já reiniciados os processos disciplinares que estavam até agora suspensos a aguardar decisão judicial transitada em julgado".

Confirma a mesma fonte oficial que se trata dos agentes Joel Machado, Arlindo Silva e Hugo Gaspar. O primeiro foi condenado a um ano e seis meses de prisão efetiva pelo crime de ofensa à integridade física qualificada e encontra-se a cumprir pena na cadeia de Évora, onde deu entrada em junho passado, depois de ter visto recusados os seus recursos para os tribunais da Relação e Constitucional.

Joel Machado foi o único condenado a uma pena efetiva, pelo facto de ter uma anterior condenação, em 2013, a dois anos de prisão (com pena suspensa) por um crime da mesma natureza. Arlindo Silva foi condenado a um ano e um mês de prisão, suspensos por um ano, por um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime de injúria agravada; Hugo Gaspar a dois meses de prisão, suspensos por um ano, por um crime de injúria agravada. O tribunal deu como provado que se dirigiu a um dos jovens, Rui Moniz, nos seguintes termos: "Pretos do caralho, vão para a vossa terra!".

Todos os oito polícias, à exceção de Joel Machado, por se encontrar preso, continuam ao serviço desta força de segurança. Apesar de o Ministério Público (MP) ter chegado a pedir suspensão de funções, tal não foi deferido pelo tribunal. O MP acusou 18 polícias de tortura e racismo, mas em tribunal deixou cair estas imputações.

No que respeita aos outros cinco condenados, entre os quais um chefe, a PSP remete para a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), lembrando que foi esta entidade, que fiscaliza a ação policial, a instaurar, logo em 2015, processos disciplinares contra aqueles. Por esse motivo a PSP diz não ter "qualquer atualização quanto ao ponto de situação".

O dilema de Taiwan e o berço da nova “ordem mundial”

# Publicado em português do Brasil

José Luís Fiori* | Outras Palavras

Aos poucos, surge palco crítico da Guerra Fria atual. EUA tentam estabelecer cerco naval à China e esta pode reagir ocupando sua “província rebelde”. Ao contrário dos grandes choques geopolíticos anteriores, está em jogo disputa entre civilizações

For more than 70 years, China and Taiwan have avoided
coming to blows. The two entities have been separated since
1949, when the Chinese Civil War, which had begun in 1927,
ended with the Communist’s victory and the Nationalist’s
retreat to Taiwan[…]. In recent months, however, there have
been disturbing signals that Beijing is reconsidering its
peaceful approach and contemplating armed unification

Mastro, O.S., “The Taiwan Temptation”, Foreign Affairs

A retirada das tropas americanas do Afeganistão deixa atrás de si um vácuo de poder e uma zona de grande turbulência no centro da Ásia, nas “costas” da China. Deixa por fazer também uma “negociação de paz” e “divisão de poder” em Cabul que produzirá efeitos em cadeia, por um longo tempo, em boa parte da Ásia e do Oriente Médio. Uma negociação de paz que não contará com a participação direta dos EUA, principal responsável e maior derrotado na Guerra do Afeganistão, que envolverá de uma forma ou outra países que não participaram diretamente do conflito, mas que serão afetados por seus desdobramentos nos próximos anos, como é o caso de Paquistão, Índia, China e da própria Rússia, que tem presença militar importante no Quirguistão e no Tajiquistão. Deve-se também incluir Irã e Turquia, que atuam como uma cadeia de transmissão geopolítica na direção do Oriente Médio, de onde os EUA também estão se retirando, ou pelo menos reduzindo sua presença militar.

Mesmo assim, e apesar da complexidade desse quebra-cabeças no centro da Ásia, a nova ordem mundial “sino-americana” deverá nascer de fato do outro lado da China, a partir de uma disputa que já dura 70 anos, em torno à ilha e ao controle do Estreito de Taiwan, onde se tem se assistido, nos últimos meses, a uma escalada de ameaças e “exercícios de guerra” cada vez mais frequentes e perigosos, envolvendo as Forças Armadas chinesas e americanas, junto com seus principais aliados no sul e sudeste asiático. Agora, na recente comemoração dos 100 anos do Partido Comunista Chinês (PCC), o governo chinês tornou púbico um plano estratégico de assalto e ocupação militar de Taiwan, já contabilizando a resposta previsível dos EUA. Apesar de que todos saibam que neste caso a surpresa do primeiro ataque é um elemento fundamental, e que portanto a divulgação deste plano é apenas mais um passo na escalada psicológica do clima de guerra na região. Por outro lado, os EUA já mudaram sua “grande estratégia” e estão deslocando seu foco do Atlântico, da Europa do Leste e da Rússia, na direção do Pacífico e da Ásia, hoje epicentro dinâmico da expansão do poder e da riqueza mundiais, e do crescimento competitivo dos arsenais militares do mundo. O mais provável é que substituam progressivamente seu “espantalho russo” pelo seu novo grande inimigo chinês.

Por que o neoliberalismo precisa de neofascistas

# Publicado em português do Brasil

O ataque neofascista à democracia é um último esforço por parte do capitalismo neoliberal para se resgatar da crise. A única solução é um recuo resoluto das finanças globalizadas

Prabhat Patnaik | Carta Maior

Já se passaram quatro décadas desde que a globalização neoliberal começou a remodelar a ordem mundial. Durante esse tempo, sua agenda dizimou direitos trabalhistas, impôs limites rígidos aos déficits fiscais, ofereceu massivas isenções fiscais e resgates ao grande capital, sacrificou a produção local por cadeias de suprimentos multinacionais e privatizou ativos do setor público a preços aviltados.

À medida que a promessa de redistribuição dos ganhos da globalização perdia sua credibilidade, um novo sustentáculo era necessário para a manutenção política do regime neoliberal. Veio na forma de neofascismo

O resultado, hoje, é um regime perverso definido pela livre circulação de capitais, que se move relativamente sem esforço através das fronteiras internacionais, mesmo quando a livre circulação das pessoas é impiedosamente controlada por um aumento acentuado na desigualdade de renda e um crescente afastamento da democracia. Não importa quem chegue ao poder, não importa quais promessas sejam feitas antes das eleições, as mesmas políticas econômicas são seguidas. Uma vez que o capital, especialmente o financeiro, pode se retirar, em bloco, de um país em um prazo extremamente curto - precipitando uma crise financeira aguda se sua "confiança" em um país for minada - os governos relutam em perturbar o status quo; eles perseguem políticas favoráveis ao capital financeiro e, de fato, exigidas por ele. A soberania do povo, em suma, é substituída pela soberania das finanças globais e das corporações domésticas integradas a elas.

Este encurtamento da democracia é geralmente justificado pelas elites políticas e econômicas com base no fato de que as políticas econômicas neoliberais conduzem a um maior crescimento do PIB - considerado o summum bonum ao qual todas as políticas devem visar. E, de fato, em muitos países, especialmente na Ásia, a era neoliberal deu início a um crescimento visivelmente mais rápido do que no período anterior de dirigismo. Esse crescimento quase não beneficiou o grosso da população, é claro: na verdade, as políticas neoliberais estão ainda mais associadas ao crescimento da desigualdade de renda do que ao crescimento do PIB.

(Até mesmo os economistas do Fundo Monetário Internacional Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide Furceri admitem esse ponto em seu artigo de 2016 "Neoliberalism: Oversold?")

Jogos Olímpicos “misturados”

João Melo* | Jornal de Angola | opinião

Após a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, disputados até há três dias, recebi uma mensagem de um amigo brasileiro pelo WhatsAp: - “Você viu? A delegação da Alemanha tem mais negros do que nós!”. Eu não tinha visto.

Também não me preocupei em apurar se tal informação era rigorosamente factual ou apenas impressão à primeira vista, provocada pela (ainda) relativa surpresa que é descobrir que a Alemanha, afinal, também tem negros. Mas, por curiosidade, passei a prestar uma atenção particular à composição "cromática” de todas as delegações.

Essa minha curiosidade só era superada por poucas outras: os resultados do andebol feminino angolano; o desempenho geral dos africanos; o desfecho das provas de atletismo, em particular as corridas e os saltos; e as conquistas do Brasil.

Como não me anima nenhum tipo de fanatismo, confesso que, de um modo geral, fiquei satisfeito com os resultados no campo desportivo, embora desiludido com um ou outro. Mas já passou.

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