João Melo* | Jornal de Angola | opinião
Após a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, disputados até há três dias, recebi uma mensagem de um amigo brasileiro pelo WhatsAp: - “Você viu? A delegação da Alemanha tem mais negros do que nós!”. Eu não tinha visto.
Também não me preocupei em apurar
se tal informação era rigorosamente factual ou apenas impressão à primeira
vista, provocada pela (ainda) relativa surpresa que é descobrir que a Alemanha,
afinal, também tem negros. Mas, por curiosidade, passei a prestar uma atenção
particular à composição "cromática” de todas as delegações.
Essa minha curiosidade só era superada por poucas outras: os resultados do
andebol feminino angolano; o desempenho geral dos africanos; o desfecho das
provas de atletismo, em particular as corridas e os saltos; e as conquistas do
Brasil.
Como não me anima nenhum tipo de fanatismo, confesso que, de um modo geral, fiquei satisfeito com os resultados no campo desportivo, embora desiludido com um ou outro. Mas já passou.
Entretanto, pude confirmar, com agradável surpresa, que os Jogos Olímpicos encerrados no passado domingo na capital japonesa terão sido, com toda a certeza, os mais "misturados” da História dessa emblemática prova. É verdade, pelo simples facto de contar com a participação de todas as nações do mundo, a mesma sempre espelhou a diversidade que caracteriza a humanidade, mas, em Tóquio, a mesma foi visível em praticamente todas as delegações presentes. Era como que uma diversidade "interna” à maioria dos países concorrentes, logo, transversal aos Jogos.Desde logo, fiquei particularmente surpreendido e agradado com os exemplos dessa "mistura” nas delegações de países como o próprio Japão, país anfitrião, e até a China, pois, como se sabe, as nações asiáticas tendem a ser mais homogéneas etnicamente do que a maioria dos países, embora uma análise mais acurada permita confirmar que tal homogeneidade está muito longe de ser absoluta. Mas cito igualmente como "novidades” mais ou menos relativas os exemplos de países como o Qatar, a Espanha, a Alemanha, a Itália e mesmo a Holanda, onde a conhecida diversidade do seu futebol parece ter chegado, por fim, às modalidades olímpicas.
Todos esses e outros exemplos juntam-se ao caso dos países cuja diversidade "cromática” e étnica (não é a mesma coisa) é constitutiva, como os Estados Unidos, o Brasil ou a África do Sul, assim como os países africanos de língua portuguesa, mas também ao daqueles que começam agora a discuti-la e assumi-la (vantagem estratégica da tão necessária reescrita da história), como, só para dar esses exemplos, a França, a Inglaterra, Portugal e outros.
A mudança demográfica e epidérmica que está a ocorrer presentemente em vários países do mundo (ou começa a ser assumida agora) deve-se em grande medida, embora não só, à emigração africana, em particular para a Europa e a América e provocada por várias razões. O supremacismo branco não gosta, como se observou com a reacção de alguns portugueses à vitória do afro-cubano naturalizado português Pedro Pichardo na prova de triplo salto dos Jogos de Tóquio. É preciso recordar aos seus defensores os milhões de europeus (brancos) que emigraram durante séculos, como "conquistadores” ou simplesmente à procura de melhores condições de vida, para África ou para as américas?
A maior diversidade das delegações desportivas dos diferentes países do mundo, em todas as modalidades e em todas as competições, é, sem dúvida, um facto interessante e estimulante para a consolidação de uma verdadeira "humanidade compartilhada”. Mas, como é óbvio, não basta. São imprescindíveis outras medidas, em todas as esferas. Parafraseando o poeta angolano António Jacinto, esse é "o grande desafio” pelo qual vale a pena lutar.
* Jornalista e escritor
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