Fernanda Câncio | Diário de Notícias | opinião
É bom que o ataque a Ferro choque o país. Mas precisamos de mais que lamentações e solidariedade, precisamos de perguntas. E respostas. Onde estava a polícia? E onde estamos nós quando é preciso rechaçar os bárbaros e defender a decência? Más notícias: estamos muito mal.
Foi simbolicamente em frente à Assembleia da República que o seu presidente, Eduardo Ferro Rodrigues e a mulher, Filomena Aguilar, se viram no sábado, enquanto almoçavam, atacados por uma turba que os insultou, caluniou e ameaçou, filmando-os e filmando-se a si mesma, com orgulho, a cometer os citados crimes. É, ainda simbolicamente, através desses vídeos, colocados nas redes como troféu, com o objetivo de humilhar e degradar as vítimas, que o episódio foi conhecido e chegou aos media.
De notar em primeiro lugar que, como em tantas situações semelhantes, a denúncia e o execrar do ocorrido recorrem à exibição e partilha dos vídeos, propagando-se as calúnias, as ameaças e a degradação a que as vítimas foram sujeitas, revitimizando-as. A incapacidade que tanto os media como a maioria dos que usam as redes sociais demonstram em perceber princípios básicos sobre direito à imagem e sobre os danos, quer para os objetos diretos quer para a comunidade, causados pela difusão deste tipo de crime não cessa de me espantar. Bastaria, afinal, pensar dois segundos isto: se fosse eu ou os meus pais ou avós naquela situação, gostaria que estes vídeos fossem partilhados, mesmo se para denunciar o que neles se vê?
Mas parece evidente que para os media a procura de audiências e cliques há muito eclipsou qualquer preocupação deontológica; quanto às pessoas em geral, procuram na sua maioria igualmente partilhas e relevo - querem lá perder tempo a pensar nas consequências e na ética (que é lá isso) ou em se o ato de partilhar, para criticar, uma tentativa de humilhação e desumanização participa na humilhação e desumanização. Vimo-lo com o nojento vídeo com Paulo Rangel, vemo-lo agora: milhares de partilhas com as alegadas melhores intenções a fazer alegremente o serviço aos criminosos.