Como os EUA tentam cortar o acesso da China a tecnologias cruciais. Que chances têm os chineses de se desvencilhar. E uma questão essencial: quem prometeu “mundo sem fronteiras” pode agora proibir a circulação do conhecimento?
Prabir Purkayastha, no Counterpunch | Outras Palavras | Tradução: Gabriela Leite
A indústria eletrônica mundial está enfrentando momentos turbulentos, após a imposição de sanções tecnológicas dos EUA à China. A Huawei caiu de sua posição de número um como fornecedora de telefones móveis – que manteve durante o segundo trimestre de 2020 – para o sétimo lugar. Ao comentar este slide, em sua apresentação, o presidente rotativo da Huawei, Guo Ping, disse que a batalha da empresa, agora, é pela sobrevivência. De acordo com a Reuters, Guo, em uma nota que circulou internamente, afirmou que a Huawei “não vai desistir e planeja, inclusive, retornar ao ‘trono’ da indústria.” Nesse aspecto, ela não apenas está sobrevivendo, mas anda indo muito bem. Ainda é líder mundial no mercado de equipamentos de telecomunicações, com uma fatia de receita de 31% – o dobro de seus concorrentes mais próximos, Nokia e Ericsson –, e lucros de quase US $ 50 bilhões nos primeiros seis meses de 2021. Mas será que a Huawei conseguirá reter sua posição de mercado sem que a China acompanhe os últimos desenvolvimentos na fabricação de chips e tecnologias de design?
Não são apenas as empresas chinesas que enfrentam momentos difíceis. Com a guerra de chips estabelecida entre os EUA e a China, a cadeia de fornecimento global da tecnologia foi afetada, levando à escassez em vários setores. Os chips semicondutores são usados em quase todos os produtos, desde equipamentos domésticos – fornos de microondas e torradeiras – até as indústrias automotiva e de defesa. O maior gargalo da indústria automobilística hoje é a escassez de chips, que afetou gravemente sua produção. Se a guerra continuar, a crise da escassez de chips também pode afetar outras indústrias.
Essa instabilidade, entretanto, levantou várias questões: a crise da indústria de semicondutores é a precursora da fragmentação das cadeias de abastecimento globais? Isso levará a blocos de guerra, com os EUA em um polo e a China no outro? Com essa fragilidade da cadeia de suprimentos, estamos assistindo ao fim da globalização como um paradigma?
A indústria de eletrônicos é uma das que mais demanda capital e pesquisa e desenvolvimento. Nenhum outro setor possui essa característica. As usinas de energia ou aço exigem grande capital; os produtos farmacêuticos necessitam de intensa P&D. Mas nenhuma outra indústria é as duas coisas. ASML, uma empresa holandesa pouco conhecida que produz as máquinas litográficas para fabricação de chips, vale mais do que a Volkswagen, a maior fabricante de automóveis do mundo. Isso se deve aos altos custos de P&D das máquinas litográficas da ASML: é a única empresa que pode entregar as máquinas que os chips mais avançados exigem. Para que uma nova instalação de fabricação faça a nova geração de chips hoje, custará US $ 20 bilhões – mais do que o custo de um porta-aviões ou de uma usina nuclear. Apenas dois fabricantes, Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) e Samsung, têm a capacidade de produzir os chips mais avançados que a indústria usa.