domingo, 30 de janeiro de 2022

Portugal | A JUSTIÇA DE ONTEM… A JUSTIÇA DE HOJE

Saudação nazi, Salazar e o fascismo. É o que queremos por Ventura?

Cândida Almeida* | Jornal de Notícias | opinião

É, no mínimo, surpreendente a chamada à colação da justiça no tempo da ditadura para criticar a justiça de hoje intrinsecamente humanista, orientada na busca da verdade material e não apenas formal. É uma ousadia e uma displicência a defesa de uma justiça pobre, de cariz rural, face a uma justiça actual, de grande envergadura, complexidade e dimensão.

Nunca pensei vir a ser necessário regressar ao passado para reavivar memórias daqueles que se refugiam em frases feitas, que nada têm a ver com a realidade sombria e vergonhosa a que o povo estava sujeito no tempo do autoritarismo. Desde logo, a existência de tribunais plenários com o único objectivo de julgar o livre pensamento daqueles que não se submetiam nem se subjugavam à tirania de um Estado retrógrado, atrasado e isolado do Mundo. Quem investigava aquele tipo de crimes era uma polícia especial, a PIDE, que torturava, fabricava prova e matava impunemente. Gozava da garantia administrativa, ou seja, os seus agentes não respondiam nos tribunais comuns pelos crimes que cometiam. Grande eficácia da justiça! Nos tribunais comuns, o juiz que determinava a prisão preventiva do réu (agora arguido) dirigia a investigação, através do MP e de polícias, a instrução preparatória e presidia ao julgamento do mesmo. Era muito eficaz! Os grandes crimes praticados pelos senhores do poder não apareciam nos tribunais, ficavam no segredo dos seus pares e impunes. Os magistrados jovens eram enviados para as guerras coloniais e as vagas nos tribunais eram às dezenas. No entanto, as mulheres não podiam ser magistradas, existindo norma expressa nesse sentido. Por isso não havia investigações, nem processos por esse país fora. Os magistrados eram mal pagos e se queriam melhorar a sua vida económica teriam de se candidatar à PJ, onde se ganhava mais. Vivíamos num Estado policial. A criminalidade que restava para os tribunais era, assim, a do pequeno e médio crime, furtos, roubos, acidentes de viação, atentado ao pudor público e, esporadicamente, um crime de homicídio ou de violação. Para além da falta de magistrados, o insustentável e sistemático subdimensionamento do quadro de funcionários, em muitas comarcas, se havia lugar a um julgamento, a secretaria tinha de ser encerrada porque apenas existia um funcionário, que necessariamente estava presente nas audiências. A qualidade e a quantidade de processos a correr nos tribunais não têm qualquer semelhança, nem é possível qualquer comparação com a realidade de hoje. Os tribunais são independentes. Não há garantia administrativa para quem quer que seja, todos respondem criminalmente perante a justiça. Os crimes económico-financeiros são investigados e julgados. Não pode nem deve comparar-se o incomparável! Com erros e decisões criticáveis vivemos uma justiça democrática e é absolutamente impensável elogiar uma eficácia de justiça conseguida à custa da legalidade, objectividade e humanismo.

*Ex-diretora do DCIAP

*A autora escreve segundo a antiga ortografia

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