terça-feira, 18 de janeiro de 2022

RETRATO DE ANGOLA NO TEMPO DOS NOSSOS AVÓS

Portos sem estruturas e cais reduzidos estrangulavam a economia

Artur Queiroz*, Luanda

Os portos de Angola, durante séculos, apenas serviram para o comércio de escravos. Para isso não precisavam de grandes infra-estruturas. Mas até há 90 anos, pouco ou nada tinha mudado, ainda que a escravatura tivesse sido abolida no último quartel do século XIX. 

No final da segunda década do século XX, depois da assinatura do “Tratado de Loanda”, que permitiu definir definitivamente as fronteiras Norte e Leste, o porto do Lobito foi ampliado e transformado numa verdadeira infraestrutura portuária.

Os portugueses negligenciaram a costa e esse erro podia ter-lhes saído muito caro. Cabinda, Lândana e Noqui só recebiam barcos negreiros. Os portos do Ambriz e Nzeto (Ambrizete) serviam igualmente para embarcar escravos. Os ingleses reclamavam a posse de todo o noroeste de Angola, entre o Ambriz e o extremo norte. Por isso ocuparam os portos. Os portugueses consideravam toda a região como parte da colónia de Angola e exigiram a retirada dos ocupantes.

Ante a indiferença aos seus argumentos, os portugueses fizeram a Londres uma longa exposição na qual enumeraram todos os seus direitos, inclusive os históricos. Face à intransigência dos ingleses, partiu de Luanda para o porto do Ambriz uma força naval capitaneada pela fragata D. Fernando II e Glória. A guerra estava por um fio. Para evitar o derramamento de sangue, Lisboa propôs a arbitragem internacional como forma de dirimir o conflito.

O Rei da Itália, Victor Emanuel, arbitrou o litígio e, em 1875, deu razão aos portugueses. Todas as terras e a costa do Ambriz até ao porto de Lândana têm de ser restituídas a Portugal. Os ingleses retiram mas em represália ocupam definitivamente o Barotze, território ainda sob administração portuguesa no sudeste de Angola, prolongamento do bico da Luiana e para norte.

O porto do Ambriz a partir desta data ganhou algum protagonismo na economia angolana. Serviu durante muitos anos para exportar ferro e cobre das minas do Bembe. O minério era transportado do interior até ao mar, às costas de milhares de carregadores. Mas como a mão-de-obra escrava foi proibida, em breve as minas exigiram uma estrada entre o Bembe e o Nzeto, outro porto importante para o então Congo Português. Como as picadas nunca chegaram a estradas, a empresa mineira do Bembe encerrou portas.

O porto do Ambriz, nos anos 30, voltou a ganhar protagonismo, agora como escoadouro do café. Mas no final dos anos 40 a operação estava reduzida ao mínimo. O porto de Luanda tinha sido ampliado e equipado com guindaste modernos. O café do Congo Português e do Cuanza Norte passou a ser exportado a partir da capital.

A sul de Luanda, o primeiro porto digno desse nome era Benguela Velha ou Porto Amboim. Depois vinha o Lobito que rapidamente se transformou no maior da colónia e um dos mais importantes de África. No sul, apenas existia o porto do Namibe, então Moçâmedes.

O porto Lobito tinha administração própria e autonomia financeira, exigência dos ingleses do Caminho-de-Ferro-de Benguela, que começava exactamente no Lobito. Os outros portos eram administrados pelas Alfândegas e Capitanias locais.

O porto de Lândana

Nos anos 30, Lândana adquiriu o estatuto de porto madeireiro servindo a Companhia de Cabinda, monopólio do Banco Nacional Ultramarino, então banco emissor da colónia. A moeda dos nossos avós era o angolar. A vila tornou-se o principal centro urbano de um território que começou com continuidade geográfica em relação ao resto da colónia, mas acabou um enclave, alguns anos após a Conferência de Berlim. Antes das anexações, mais ou menos à força, de franceses e belgas, Cabinda era mais do dobro do que é hoje. E fazia parte do então distrito do Congo Português, com capital em Maquela do Zombo.

O porto de Cabinda exportava café, cacau e oleaginosas. Aos poucos foi perdendo importância, desde que o porto de Ponta Negra começou a funcionar em pleno. Mas era escala obrigatória para os navios da Companhia Geral (barcos exclusivamente cargueiros), da Companhia Nacional de Navegação e da Companhia Colonial de Navegação. Os navios ancoravam na baía. Carga e passageiros eram depois transportados em batelões. 

Porto de Luanda

Em 1930, Luanda tinha um pequeno cais de cabotagem com apenas 400 metros e uma profundidade de três metros. Os passageiros usavam um embarcadouro flutuante. A capital estava mal servida e em 1934 começou a ser construído um cais “em cimento arnado para quatro navios ao mesmo tempo”. Apesar desta ampliação, a infraestrutura ainda não respondia às necessidades da economia angolana.

Em 1930, no porto de Luanda foram desembarcadas 49.846 toneladas de carga. E foram exportadas 17.268, sobretudo café e sisal. Em 1932, já com medidas governamentais em vigor que visavam promover as exportações e travar as importações, o porto da capital recebeu 37.398 toneladas de carga e foram exportadas 24.821 toneladas. O desequilíbrio ainda era notório.

O porto de Luanda está situado na baía de Luanda e tem excelentes condições naturais. A entrada tem uma milha e meia de largura, o que torna o acesso muito fácil. Hoje é o principal porto de Angola. Tem 2.738 metros de cais de acostagem, divididos em sete terminais e ainda uma plataforma logística. O porto dispõe de três rebocadores. Movimenta 1,5 milhões de toneladas por ano. 

O calado máximo no canal de aproximação é de nove metros e meio, o triplo dos anos 30. A profundidade ao longo dos cais varia entre os 10,5 e os 12,5 metros, excepto no terminal de cabotagem, cujo calado vai dos 3,5 aos 5,5 metros.

Apesar destas condições, o Executivo está a construir um novo porto mais a norte, próximo da Barra do Dande. O crescimento económico desde que acabou a guerra exige uma infraestrutura maior e mais moderna.

Um porto regional

O cais de Porto Amboim foi construído para exportar o café, que chegava nos comboios do Caminho-de-Ferro do Amboim. 

Se Lândana era o porto madeireiro, este era o porto cafezeiro, batendo o Ambriz.

Os registos de 1930 indicam que o porto recebeu 98 vapores, 30 veleiros e manipulou 548.231 toneladas de carga, na sua maioria café. Nunca se impôs como um grande porto, apesar das suas excelentes condições.

Mas mais a sul, o Lobito viu nascer aquele que na época foi o maior porto de Angola e um dos maiores e melhores de África. Nos anos 20 do século passado o cais era tosco, pequeno e de madeira, o que dificultava a operação. Mas em 1928, quando a fronteira Leste ficou definitivamente definida e a “Bota do Dilolo” passou do Congo Belga para a colónia de Angola, Norton de Matos, governador-geral, mandou construir “um porto que sirva toda a região”.

A empresa inglesa Pauling & Cº Ltd, especialista na construção de portos, recebeu a incumbência de construir um cais acostável em cimento armado com 220 metros de comprimento.

No ano de 1931, o porto foi de novo ampliado. 

Desta vez a obra foi adjudicada à firma alemã Grun &  Bilfinger AG Manheim. No ano de 1934 estavam concluídos mais 633 metros de cais acostável. 

O Lobito era o maior porto de Angola e um dos maiores de África. Nesse ano, existiam 853 metros de cais acostável “para navios de alto bordo”.

Em 1932, há 80 anos, o porto do Lobito recebeu 403 navios e movimentou 1.956.109 toneladas de carga! No mesmo ano desembarcaram no Lobito 2.568 passageiros. Nesta época ainda não existiam ligações aéreas com a Europa, África do Sul e África Oriental ou a “outra costa”. Só no final dos anos 60 do século passado Luanda ultrapassou o Lobito em movimento de cargas e passageiros. 

À espera do celeiro

O Caminho-de-Ferro de Moçâmedes nasceu para “desencravar” a Huíla, o Cunene e o Cuando Cubango. As infraestruturas deste porto foram acompanhando o movimento de cargas mas nunca atingiu o nível esperado. 

O porto nasceu para exportar o gado da Huíla e Cunene e os grãos do Cuando Cubango. Nas imensas terras irrigadas da província do sudeste estava previsto criar um dos maiores celeiros do mundo, mas a verdade é que tal nunca aconteceu. A riquíssima rede hidrográfica do Cuando Cubango não foi aproveitada e os cereais nunca foram produzidos em grande escala.

O couto mineiro de Cassinga (Jamba Mineira) substituiu os cereais e em vez de grãos o Namibe recebeu milhões de toneladas de ferro, “com importantes indícios de ouro”. 

Para exportar o minério que chegava nos vagões do caminho-de-ferro foi criado o porto mineiro do Saco do Giraúl. 

A empresa concessionária da Jamba Mineira construiu um ramal do caminho-de-ferro onde pela primeira vez os carris eram inteiriços. 

Hoje o comboio regressou ao Cuando Cubango, o couto mineiro de Cassinga está a despertar e as imensas terras da província estão em condições de ser o celeiro de África.

* Jornalista 

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