domingo, 20 de fevereiro de 2022

Angola | CONVERSA NÃO ENCHE BARRIGA

Artur Queiroz*, Luanda

Os surrealistas descobriram a escrita automática e a criação artística espontânea. Somos todos artistas e escritores. Fazemos uns riscos de viés, umas linhas transviadas e já está uma obra de arte. Alinhamos umas quantas palavras por sons e por alturas e eis a literatura. Basta pensar e já está feito em pensamento. Haja depois quem faça mesmo. Esta parte é mais complicada porque normalmente é preciso querer e saber fazer. Um ser imbumbável, que nasceu com azar ao trabalho, jamais irá além das funções vitais. Respira, come, bebe, dorme, expulsa fezes, verte urinas e já está. Saber fazer dá tanto trabalho que o melhor é dar esse prazer aos outros.

Os angolanos tinham uma vanguarda revolucionária que os conduziu à Independência Nacional. Lamento ter de explicar, até aos que dormem à sombra da sua bandeira, que essa vitória histórica para a eternidade se deve ao MPLA, aos seus dirigentes e aos seus combatentes que, por vontade própria, atingiram o estádio supremo que um revolucionário pode atingir: A luta armada contra os opressores! Lamento igualmente recordar que o líder dessa gesta heroica foi Agostinho Neto. Ainda que ninguém dê por isso, este é o ano do centenário do seu nascimento. Não digam a ninguém! 

Pensadores de todos os lados gemem, ululam, sofrem porque com a Independência Nacional perdemos a oportunidade de construir um grande país. A coisa era automática, tiro e queda. 11 de Novembro de 1975 e já está! Eis o nascimento de um grande país, riquíssimo, leite e mel correndo pelas ruas, veredas, avenidas, trilhos, caminhos e becos. Os analfabetos foram todos a correr para a Academia Angolana de Letras. 

As camponesas acordaram grandes empresárias do agronegócio. Os camponeses viraram engenheiros agrónomos e silvicultores. Os analfabetos avençados da UNITA acordaram jornalistas. Quem era capaz de cortar um frango aos pedaços ficou logo cirurgião. Quem tomava comprimidos para a ressaca das bebedeiras recebeu o diploma de médico. E não é que tínhamos alguns médicos, engenheiros, enfermeiros, aviadores, advogados, juízes, funcionários judiciais, motoristas, pedreiros, carpinteiros, pintores, mecânicos e outros oficiais de muitos ofícios? Parece mentira.

Na tarde do dia 11 de Novembro de 1975, em Luanda as lojas de todas as dimensões estavam fechadas. No dia seguinte também não abriram. E assim passavam os dias. Farmácias todas fechadas menos uma. Clínicas privadas e consultórios médicos, fechados. Centros de enfermagem fechados, menos o Mais Velho Boavida. Táxis desapareceram. Machimbombos nem um de amostra. Cantinas dos musseques todas fechadas. Restaurantes, encerramento geral. Só resistiu o Baleizão do meu compadre Tarique. Recintos de diversão nocturna, zero. Serviços públicos, quase todos encerrados. Os que abriam, pouco podiam fazer porque quase não tinham funcionários.

A CIA e Mário Soares montaram pontes aéreas de Luanda e Huambo para Lisboa que levaram todos os quadros angolanos e portugueses. Operários especializados, marcharam quase todos, Os que ficaram não tinham onde comprar equipamentos e matérias-primas. Médicos, enfermeiros e outros técnicos de saúde, todos juntos não conseguiam pôr o Hospital de São Paulo (Américo Boavida) a funcionar em pleno. Mas todos estavam abertos à custa de sacrifícios sem nome dos profissionais, quase todos angolanos. Mais alguns portugueses e cubanos. O meu amigo Manecas Balonas, anestesista, vivia no hospital. Era este o panorama logo a seguir à Independência Nacional. 

Aos poucos os serviços públicos foram abrindo, mas com deficiências gritantes, um ou outro restaurante também abriu portas, mas só serviam arroz com peixe-espada. Tribunais funcionavam com o mínimo dos mínimos. Escolas também abriram mas onde existiam 100 professores, estavam dez ou menos! Cada qual fazia o que podia pela Angola Independente. Mas todos juntos podiam pouco, ainda que trabalhando muito. Só as Forças Armadas funcionavam em pleno e nunca faltaram os combatentes para a defesa da Soberania Nacional e a Integridade Territorial.

A geração dos primeiros dez anos da Independência Nacional foi sacrificada, deu tudo o que tinha, lutou com todas as suas forças para que a Pátria Angolana triunfasse. O triunfo era resistir às agressões externas, era resistir à coligação mais agressiva e reaccionária que alguma vez se formou no planeta contra um país. Merecem todos, um grande e comovido obrigado das gerações actuais. 

Por trás do regime de apartheid da África do Sul estava o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA), França, Alemanha, Reino Unido, Canadá, enfim, todas as potências mundiais. Todos apostados em esmagar a República Popular de Angola. Encontraram uma resistência à MPLA. Porque o MPLA , desde o primeiro dia da sua existência, nunca quebrou, nunca abdicou, nunca foi vencido. Venceu sempre!

Uns quantos inteligentes dizem que após o Acordo de Nova Iorque e a paz de Bicesse, o Governo do MPLA e o Presidente José Eduardo tiveram uma oportunidade soberana para construir um grande país. Não duvidem! Em poucos meses foi feito mais do que em 15 anos. Nesta altura, apesar do tremendo esforço de guerra, já existiam recursos humanos para construir a Angola Grande. 

Claro que era necessário importar massa crítica, criar todas as condições para a investigação e desenvolvimento, importar quadros superiores e intermédios, operários especializados de todos os ofícios. Mas os recursos financeiros poupados com a guerra davam e sobravam para tudo. Em dez anos tínhamos a Angola sonhada pelos fundadores do MPLA, pelos seus líderes, militantes e combatentes. Foi uma ratoeira. 

Porque a UNITA tinha escondido 20.000 homens em bases secretas do Cuando Cubango e as melhores armas. Os traficantes de armamento de rodas as nacionalidades foram mobilizados para apoiar uma nova guerra em Angola. Em poucos dias, as tropas de Jonas Savimbi destruíram tudo o que foi construído. Mataram milhares de civis inocentes, causaram mais de um milhão de deslocados e refugiados. Uma tragédia nunca vista. Tenho a certeza de que o motorista do RI20 e escritor Jacques dos Santos, o bêbado da valeta e outros avençados da seita satânica UNITA tinham conseguido fazer um grande país. Automaticamente, espontaneamente, com o auxílio dos fogareiros da Jamba. Sem dúvida.

Nova oportunidade perdida foi após 22 de Fevereiro de 2002, há 20 anos. Isto não digo eu, calma aí. É conversa automática dos grandes construtores de Angola que ficaram sempre em cima do muro, para verem qual o lado que lhes convinha. Alguns saltaram logo que Savimbi tomou militarmente a maioria das províncias. Outros, mais espertos, ainda ficaram em cima do muro até ao dia em que oi criminoso de guerra chegasse ao Palácio da Cidade Alta. O criminoso de guerra não chegou lá. Só saíram de cima do muro em 2017. Pensaram que tinha chegado a sua vez. 

Agora vejam a soma das desgraças. Em 22 de Fevereiro de 2002 Angola estava destruída. Apenas as Forças Armadas Angolanas estavam intactas e as chefias militares até tiveram o engenho e a arte de reedificar o edifício da sociedade castrense. O resto, ruínas. Destruição e morte. Avançou o processo da reconstrução nacional. Cada dia, uma vitória. Pela primeira vez no mundo, um Governo construiu novas cidades, chave na mão. As novas centralidades são verdadeiramente exemplos vivos do génio angolano e da liderança do MPLA. Agora é que vai ser! 

Do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA) chegou a bancarrota mundial com a falência do Lehman Brothers Holdings Inc. O Governo de Angola teve de dispersar a sua atenção e os investimentos. Submeter o Povo Angolano a mais sacrifícios era impensável. E os efeitos da falência mundial não chegaram em força. Mas atrasaram a reconstrução nacional. Muitos projectos tiveram que ficar para trás. Em 2017, era este o panorama. Dois anos depois o mundo foi varrido pela peste COVID19. Ainda hoje é esse o quadro. Entre 2008 e hoje, foi preciso adiar ou mesmo desistir de muitos projectos estruturantes.

Eu sei que os especialistas em viver no alto dos muros tinham feito melhor. Mas esses nunca fizeram nada de nada. Escrevinham umas parvoíces, atiram umas bocas, manipulam, mentem, deturpam e depois ficam à espera do pagamento. Nunca arregaçaram as mangas para fazer nada, nem para enfrentar os invasores estrangeiros. Eles são a mais terrível desgraça. Porque em 2017 saltaram do muro e fizeram de Angola o paraíso dos oportunistas. 

 Como aprendi nas fileiras do MPLA, quem não está informado, não tem direito à palavra. Fiquem todos sabendo que aquela geração de 1975 a 1985 foi a mais esforçada, a mais sacrificada e a mais patriótica que tivemos. Sem a sua coragem, os seus sacrifícios e as suas realizações, hoje vivíamos num bantustão do regime racista de Pretória. Por isso, respeitem as gerações do passado. Mas todos. 

E em primeiro lugar os da seita satânica da UNITA, que as FAPLA e depois as FAA libertaram do criminoso de guerra Jonas Savimbi. Depois os Chicago Boys e os yuppies que levaram o MPLA para a direita. Respeitem essas gerações heroicas. Quem não respeita os antepassados, é filho de nada e ninguém. Não presta para nada, nem para viver à custa do Orçamento Geral do Estado.

* Jornalista

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