segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

O EXPANSIONISMO DA NATO NA EUROPA

Manlio Dinucci*

É uma história que mal se pode acreditar: uma aliança militar, a NATO, cujo funcionamento viola os princípios da soberania e da igualdade dos Estados inscritos na Carta das Nações Unidas, expandiu-se nos últimos vinte e três anos, violando os tratados internacionais. É uma trama tão importante que todos nós a esquecemos.

O alargamento da NATO, nas últimas décadas. tem sido um grande sucesso e também abriu o caminho para um maior alargamento da União Europeia", reiterou no sábado, o Secretário Geral da NATO, Jens Stoltenberg, na Conferência de Segurança de Munique. A fim de compreender plenamente as suas palavras, deve ser reconstituída nos seus termos essenciais, esta história de "grande sucesso".

Começa no mesmo ano - 1999 - em que a NATO destrói a Jugoslávia com a guerra e, na cimeira de Washington, anuncia que quer "efectuar operações de resposta a crises, não previstas no Artigo 5º, fora do território da Aliança". Esquecendo que tinha prometido à Rússia que "não se expandiria nem sequer um centímetro para Leste", a NATO começou a sua expansão para Leste. Incorporou os três primeiros países do antigo Pacto de Varsóvia: Polónia, República Checa e Hungria. Depois, em 2004, estendeu-se a mais sete: Estónia, Letónia, Lituânia (anteriormente parte da URSS); Bulgária, Roménia, Eslováquia (anteriormente parte do Pacto de Varsóvia); Eslovénia (anteriormente parte da Federação Jugoslava). Em 2009, a NATO inclui a Albânia (antigo membro do Pacto de Varsóvia) e a Croácia (antiga parte da Federação Jugoslava); em 2017, Montenegro (antiga parte da Jugoslávia); em 2020, a Macedónia do Norte (antiga parte da Jugoslávia). Em vinte anos, a Nato amplia de 16 para 20 países.

Deste modo, Washington obteve um resultado triplo. Estende à volta da Rússia, dentro do território da antiga URSS, a Aliança militar da qual mantém as alavancas de comando: o Comandante Supremo Aliado da Europa, "por tradição", é sempre um general USA nomeado pelo Presidente dos Estados Unidos e os outros comandos-chave também pertencem aos USA. Ao mesmo tempo, Washington liga os países da Europa Oriental não só à Aliança como também directamente aos USA. A Roménia e a Bulgária, assim que entraram na União Europeia, puseram imediatamente as suas importantes bases militares em Constanza e Burgas, no Mar Negro, à disposição dos Estados Unidos. O terceiro resultado obtido por Washington com o alargamento da NATO a Leste, foi o reforço da sua influência na Europa. Dos dez países da Europa Central e Oriental que aderiram à NATO, entre 1999 e 2004, sete aderiram à União Europeia entre 2004 e 2007: os Estados Unidos sobrepuseram a NATO à União Europeia, que se estava a expandir para leste na Europa. Hoje, 21 dos 27 países da UE pertencem à NATO sob comando USA. O Conselho do Atlântico Norte, o órgão político da Aliança, segundo as regras da NATO, decide não por maioria mas sempre "por unanimidade e de comum acordo", ou seja, de acordo com o que é decidido em Washington. A participação das grandes potências europeias nestas decisões (excluindo a Itália, que obedece mantendo-se calada) realiza-se geralmente através de negociações secretas com Washington sobre dar e receber. Isto leva a um enfraquecimento ainda maior dos parlamentos europeus, especialmente o italiano, já hoje privados dos verdadeiros poderes de decisão sobre política externa e militar.

Neste contexto, a Europa encontra-se hoje numa situação ainda mais perigosa do que durante a Guerra Fria. Mais três países - Bósnia-Herzegovina (antiga Jugoslávia), Geórgia e Ucrânia (antiga URSS) - são candidatas a entrar na NATO. Stoltenberg, porta-voz dos USA de preferência à NATO, afirma que "mantemos a porta aberta e se o objectivo do Kremlin é ter menos NATO nas fronteiras da Rússia, só terá mais NATO". As armas nucleares entram em jogo na escalada USA-NATO, claramente destinada a desencadear uma guerra em grande escala no coração da Europa. Dentro de três meses, os EUA iniciarão a produção em massa das novas bombas nucleares B61-12, que serão colocadas sob comando USA em Itália e noutros países europeus, provavelmente também no Leste, ainda mais próximo da Rússia. Para além destas, os USA têm duas bases terrestres na Europa, na Roménia e na Polónia e quatro navios de guerra equipados com o sistema de mísseis Aegis, capazes de lançar não só mísseis anti-mísseis mas também mísseis de cruzeiro com ogivas nucleares. Estão também a preparar mísseis nucleares de médio alcance para instalar na Europa contra a Rússia, o inimigo inventado que, no entanto, pode responder destrutivamente se for atacado.

A tudo isto junta-se o impacto económico e social da crescente despesa militar. Na reunião dos Ministros da Defesa, Stoltenberg anunciou triunfante, que "este é o sétimo ano consecutivo do aumento da despesa da Defesa dos Aliados europeus, acrescida em 270 biliões de dólares desde 2014". Outro dinheiro público desviado das despesas sociais e dos investimentos produtivos, enquanto os países europeus ainda não recuperaram do lockdown económico de 2020-21. A despesa militar italiana ultrapassou os 70 milhões de euros por dia, mas não é suficiente. O Primeiro Ministro Draghi já anunciou: "Temos de nos dotar de uma defesa mais significativa: é claríssimo que teremos de gastar muito mais do que temos feito até agora". Claríssimo: apertemos o cinto para que a NATO possa alargar-se.

Manlio Dinucci* | Tradução Maria Luísa de Vasconcellos | Fonte Il Manifesto (Itália)

* Geógrafo e geopolítico. Últimas publicações : Laboratorio di geografia, Zanichelli 2014 ; Diario di viaggio, Zanichelli 2017 ; L’arte della guerra / Annali della strategia Usa/Nato 1990-2016, Zambon 2016; Guerra nucleare. Il giorno prima. Da Hiroshima a oggi: chi e come ci porta alla catastrofe, Zambon 2017; Diario di guerra. Escalation verso la catastrofe (2016 - 2018), Asterios Editores 2018.

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