quarta-feira, 27 de abril de 2022

COMO MARCO GALINHA ACABOU COM ESTA CRÓNICA

Mariana Mortágua* | Jornal de Notícias | opinião

Esta é a minha última crónica. Na semana passada, o Jornal de Notícias comunicou-me que deixará de ter titulares de cargos públicos como colunistas regulares. Assim, termina hoje a minha presença nesta página, onde escrevi com dedicação quase todas as semanas ao longo dos últimos sete anos. Escrevo na tarde de 25 de Abril, coincidência que me inspira a fazer desta a crónica de um final atribulado.

No Jornal de Notícias publiquei sempre sobre os temas que escolhi e fui sempre respeitada nessa liberdade. Mesmo quando, num artigo, critiquei Proença de Carvalho, então administrador do grupo Global Media.

Em setembro de 2020, Marco Galinha comprou 40% do grupo. Meses depois, um assessor do Chega publicou um vídeo no YouTube, festejando uma decisão da nova administração, até então desconhecida, de deixar de remunerar a minha participação e a de outros titulares de cargos públicos. A decisão revelada pelo ativista de extrema-direita não chegou a aplicar-se, mas sabe-se hoje que o Chega estava bem informado.

De facto, a administração da Global Media tentou impor essa medida à direção do jornal. Sabemo-lo hoje porque a Entidade Reguladora da Comunicação Social publicou o parecer em que deu razão às queixas apresentadas pelo Conselho de Redação do JN contra Marco Galinha por tentativas de ingerência ilegal em decisões que competem apenas à direção editorial.

Na sequência da invasão russa da Ucrânia, dei a conhecer os negócios em Portugal do oligarca russo Marco Leivikov, sócio de Marco Galinha noutras empresas. O dono do JN acusou-me então, publicamente, de estar a retaliar por ter deixado de ser remunerada pelos meus artigos. Como já vimos, essa remuneração nunca foi interrompida, porque o JN, cumprindo a decisão da ERC, recusou a ingerência de Galinha.

Surpreendida, a administração da Global Media tentou colocar novos entraves à minha participação neste jornal: alegou que não seria compatível com o exercício do meu mandato em regime de exclusividade (o que o próprio Parlamento desmentiu, na sequência de uma queixa do Chega); depois, através de jornais obscuros, lançou desinformação sobre a minha situação fiscal (escolhi um regime em que renuncio a qualquer benefício fiscal). Marco Galinha falhou, sucessivamente.

Este processo tem agora o seu desfecho, com a anunciada exclusão de todos os políticos no ativo que mantinham participação regular no JN e, portanto, com o fim desta crónica. Sem qualquer justificação plausível, a única que resta é a óbvia.

Logo no dia maior da Liberdade, custa-me esta feia despedida. Agradeço a quem me acompanhou nesta página, ao longo dos anos. O JN, com século e meio de história, é uma presa demasiado grande para dinheiro tão fraco. O que Marco Galinha não poderá tirar-me é o gosto, que devo ao 25 de Abril, de ser insuportável para figuras como ele.

Caro JN, continuemos.

*Deputada do BE

Nota da Direção (JN): No que concerne à sua saída destas páginas, Mariana Mortágua lavra sobre um equívoco. A profunda remodelação da Opinião, por ocasião do 134.º aniversário do "Jornal de Notícias", que inclui um conjunto de iniciativas em maio e junho, irá abranger uma dezena de cronistas regulares titulares de cargos públicos. Dessas mudanças daremos mais detalhes no arranque dos novos espaços, a partir de 1 de maio.

Nota do Página Global: Pois, pois. Pois, pois, pois... Diz Mísero Prates* que deixou de ter curiosidade sobre jornais, jornalistas e outros mais portugueses. Acerca desses, antes, no Café Pastelaria do Esfola - uma tasca, segundo ele, perguntava quando via e ouvia noticiários na TV ou lia em diagonal o Correio da Manha disposto numa mesa do café: “no atual jornalismo não haverá profissionais (homens e mulheres) com tintins?” Atualmente diz, voltando costas e abalando: “Só vejo é bandos de capados!”

*Mísero Prates (assim diz seu nome) Octogenário. Correu mundo. Foi jornalista, depois "fugi deles em solidariedade por terem acabado com os jornaleiros dos bairros de Lisboa, que saltitavam de eléctricos e autocarros ou atiravam certeiramente o jornal para as janelas” do terceiro ou quarto andar. Muitas vezes ainda acrescenta que tem de usar “papel higiénico para a expulsão de intimidades” porque “até essa característica dos jornais deixou de ter utilidade”.

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