terça-feira, 14 de junho de 2022

Portugal | QUEM TEM MEDO DO SNS?

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

nfelizmente, hoje em dia só confia no Serviço nacional de Saúde quem não tem alternativa. Este fim-de-semana, morreu mais um bebé. Mas haverá quem pense que assim se salvou um pouco mais do SNS. Porventura, até o planeta. O mesmo se pode dizer da mortalidade materna, que agora atingiu o nível mais alto dos últimos 38 anos. A DGS diz que está a investigar - têm morrido muitas mulheres devido a complicações da gravidez, parto e puerpério. Estes números já estavam a deteriorar-se antes da louca gestão da covid, piorando em 2020. Note-se que se trata dos mais importantes indicadores da qualidade das respostas públicas neste sector.

Que porca miséria. A referida mulher perdeu o seu filho depois de se dirigir à urgência do hospital das Caldas da Rainha, encontrando-a encerrada por falta de médicos obstetras. Sucede que os problemas das urgências (também anteriores a este coronavírus) são gerais. Mais de 70 médicos desse serviço do Hospital de Almada pediram escusa de responsabilidade, por exemplo. Afirmam que foram atingidos todos os limites. Também o Hospital de Faro está, novamente, com falta de médicos pediatras. O hospital de Braga confirma estas enormes dificuldades. Etc.

Enfim, os casos empilham-se e representam um perigo para a vida dos portugueses.

Pelo contrário, e ao invés do que foi dito e repetido e repetido e repetido durante os longos meses covid, então as urgências estiveram vazias e a ocupação hospitalar a mínimos históricos. Muita gente olhará para estes factos da monitorização e do site da transparência e lembrar-se-á das intermináveis reportagens sobre filas de ambulâncias às portas dos hospitais ou o rosário de peças jornalísticas e entrevistas a ultra especialistas da lógica da batata sobre a ruptura do SNS nos invernos covid. Tirem as vossas conclusões.

Mas isto é apenas uma parte do problema do SNS. A última auditoria do Tribunal de Contas, realizada com dados de 2017, aponta que a atividade cirúrgica no Serviço Nacional de Saúde "não foi suficiente", assim como a diminuição dos rastreios oncológicos. Sucede que os dados mais recentes também não são melhores - os mortos deste maio são assustadores - a mortalidade não covid aumentou brutalmente, atingindo um máximo nestes últimos 40 anos. A mortalidade covid (tantos vacinados depois) também não é melhor. É pior do que antes das inoculações. Da mesma forma, existem ainda 1,3 milhões de portugueses sem médico de família. Pelo contrário, mais de cinco milhões de portugueses têm seguro privado ou subsistema de saúde. Será porque lhes sobra dinheiro no final do mês ou porque, realmente, têm medo do SNS? Por aquilo que dizia António Costa em 2020 é que não é de certeza: "Até agora não faltou nada no SNS e não é previsível que venha a faltar".

Portanto, se antes e depois da covid, a saúde pública foi neglicenciada, desinvestida e desmantelada - a favor dos privados (e não só) - porque é que alguém há-de achar que os governantes estavam preocupados com o SNS durante a gestão da covid? A sério? Mas alguma vez estiveram?! Pior. Alguém crê que estavam a tentar defender a nossa saúde? A salvar-nos? Vá, haja um leitor ou dois que coloque o dedo no ar agora, não vá a sinistra ministra desatar a chorar. Pois é. Pobre mãe que procurou a esperança no SNS apenas para encontrar uma porta blindada. Está visto que só estes políticos é que se vão safar. A não ser que os despachemos. Urgente.

*Psicóloga clínica.
Escreve de acordo com a antiga ortografia

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