domingo, 5 de junho de 2022

TEMAS E INTERROGAÇÕES PARA UM DEBATE – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O melhor que podia acontecer às relações entre o Povo Angolano e o Povo Português era que fosse possível apagar os séculos de esclavagismo, os séculos de colonialismo e sobretudo a guerra que começou nos Dembos (1872-1919) e acabou em 22 de Outubro de 1974, com períodos de alta, altíssima e também baixa intensidade. Impossível. Era bom que face a essa impossibilidade, ninguém passasse a vida a meter pedregulhos na engrenagem das boas relações e não envenenassem permanentemente os dois povos, com as excrescências de uma mentalidade colonial que persiste nas elites portuguesas corruptas e ignorantes, mas também nos retornados desenraizados, ressabiados e sobretudo envenenados pelo ódio à liberdade.

José Eduardo Agualusa só é escritor porque se presta a vomitar ódio e ressentimento para cima de Agostinho Neto, o MPLA e a Angola independente. É um portuguesito analfabeto. Se nunca tivesse passado por Angola, era um ratoneiro de bairro social, um vigarista menor, um burlão de velhos reformados, um desempregado de longa duração, quando muito um caixa de supermercado, depois de levar umas ensaboadelas de tabuada para não se enganar nos trocos. Viu um filme onde um sinédrio de canalhas vomita ódio e ressentimento contra Angola, Agostinho Neto e o MPLA. Diz o solípede albardado de escritor angolano que aquilo é bom, muito bom. Porque Agostinho Neto foi “merecidamente carbonizado”.

A fossa de longa-metragem é mais um pedregulho colocado na engrenagem das relações ente os povos Angolano e Português. Um montão de aldrabices, invenções, manipulações. Até as imagens da Fortaleza do Penedo (Casa de Reclusão) são manipuladas. Aquilo é lixo infecto. Uma agressão a Angola e aos Angolanos. Agualusa exulta. E recomenda aquela porcaria às angolanas e angolanos. Como se não nos bastasse a UNITA. Também sugere um debate! Vamos ao princípio, que ainda não é o verbo.

Agualusa saiu de Angola ainda criança, na ponte aérea que a CIA e Mário Soares montaram a partir do Huambo para deixarem Angola sem gente, sem estruturas, sem circuitos de produção e distribuição, sem nada. Assim era mais fácil derrotar o Povo Angolano. Falharam. Mas o rapazito que fugiu para Portugal nunca mais voltou. Podia regressar quando atingiu a maioridade, para defender o seu país da agressão dos sul-africanos e dos seus aliados da UNITA. Não voltou. Em 1992, regressou à boleia do Savimbi e arranjou um papel que lhe chama angolano. Nada fez por Angola, Nada. A não ser roubar aqui e ali umas frases completas e depois publicar aquelas porcarias.

Ainda não vamos ao debate. Falemos de Sita Vales, apresentada pela porcina Margarida Cardoso como uma heroína angolana. Angolana? Vamos a factos. Um dia foi estudar para Portugal. O filme diz que ela era militante da União dos Estudantes Comunistas (UEC). Verdade. Mas quando chegou a Portugal existiam células clandestinas do MPLA. Se era patriota angolana, por que razão não entrou nessas estruturas? Eis um bom tema para o debate.

Sita Vales estava em Lisboa e preso pelos fascistas, o padre Joaquim Pinto de Andrade. Alguma vez foi visitá-lo à cadeia, sendo ele presidente de honra do MPLA? Nunca. Às ordens do mesmo processo da PIDE estavam na prisão estudantes universitários, acusados de serem militantes do MPLA: Álvaro Santos, Raúl Feio, estudante de Medicina na mesma Faculdade da Sita Vales), Coelho da Cruz, Maria José da Silva, Diana Andringa, Garcia Neto, Rui Ramos, António Ferreira Neto (finalista de Medicina na mesmo Faculdade da Sita Vales). Alguma vez Sita Vales os foi visitar? Colaborou com a Comissão de Socorro aos Presos Políticos? Nunca.

Apesar da feroz repressão, angolanas e angolanos continuavam a lutar pela Independência Nacional, nas cidades universitárias portuguesas, Coimbra, Lisboa e Porto. Sita Vales preferiu a UEC. Não quis nada com as angolanas e os angolanos patriotas. Quando a revolução portuguesa entrou em refluxo, no Verão Quente de 1975, ela rapidamente fugiu para Angola. Na época os militantes do MPLA lutavam nas ruas das grandes cidades contra os esquadrões da morte, contra as tropas zairenses acobertadas na FNLA, contra os invasores sul-africanos. Sita Vales entrou nesses combates? Nem um! Como chegou a funcionária do Departamento de Organização de Massas (DOM) do MPLA? Quem a levou para lá? Eis dois bons temas de debate.

A porcina da fossa de grande-metragem sobre a Sira Vales, se fosse decente, ia aos arquivos e de lá retirava esta declaração do Estado-Maior General das FAPLA, de Junho de 1977: “A asquerosa Sita Valles em Portugal gabava-se de ser militante do Partido Comunista Português e até convidava os militantes do MPLA a militarem no PCP. Aparece em Luanda e liga-se ao grupo fraccionista de Nito Alves”.

Em que país do mundo uma mulher que foi funcionária burocrática de um partido pouco mais de um ano é heroína? Em Portugal. Porque essa mulher participou num golpe de estado militar para matar Agostinho Neto e derrubar o MPLA. Em Lisboa, qualquer bandido é herói, se denegrir a imagem de Angola, do MPLA e de Agostinho Neto. Rafael Marques ou o Luaty Beirão são bons exemplos. Se for mulher, melhor ainda. Eis um bom tema para o debate. Até quando as elites portuguesas querem viver mergulhadas no ódio contra o MPLA, liderado por Agostinho Neto, porque derrubou o império colonial português? Excelente tema de debate.

No início de 1977, Agostinho Neto convocou o corpo diplomático para denunciar a preparação da Operação Cobra (ou Natal em Angola). Uma acção militar em larga escala, por terra mar e ar, com Cabinda, Ambriz ed Luanda como alvos principais. O Presidente da República Popular de Angola revelou os nomes dos comandantes, que eram oficiais superiores franceses, britânicos e dos EUA. Que ligaçãotinham os golpistas de 27 de Maio com esta operação? Eis um excelente tema de debate.

Pedro Fortunato, comissário provincial de Luanda (governador) em 1977, pediu para fazer uma intervenção pública sobre o golpe de estado. E ele falou. Esclareceu que outros comissários provinciais (governadores) foram mobilizados para o golpe de estado: Zaire, Cuanza Norte, Cuanza Sul, Malange e Benguela. Uma equipa tinha a incumbência de contactos permanentes com as “embaixadas dos países amigos”. Eis um bom tema para o debate. Qual foi o papel dessas embaixadas no golpe? E face ao falhanço dos golpistas, quais foram os diplomatas expulsos de Angola por estarem implicados no golpe de estado? Vamos ao debate.

A porcina Margarida não precisava de vir a Luanda, bastava-lhe consultar os arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros no Palácio das Necessidades. Lá ia encontrar este telegrama do embaixador Sá Coutinho:

“O comandante Monstro Imortal (Jacob João Caetano) estava incumbido de proceder à prisão dos dirigentes que deveriam ser detidos. Encabeçaria uma delegação que iria apresentar reivindicações ao presidente. Caso este rejeitasse tais reivindicações, seria detido por Monstro Imortal para ser posteriormente exilado num país à sua escolha”.

Mais um telegrama do embaixador de Portugal em Luanda, citando Pedro Fortunato, membro da direcção política e militar do golpe de estado:

“Ficou decidido fazer um golpe de Estado. As Forças Armadas, as unidades contactadas sairiam para a rua e a população seria convocada para uma manifestação (…) e havia, portanto, elementos infiltrados entre as massas para agitar”, afirma o prisioneiro acrescentando que a finalidade sobre o envolvimento popular iria encobrir a verdadeira intenção que era o golpe de Estado militar”. O mesmo depoimento indica que os membros do governo seriam depois divididos entre as alas direita, moderados e de esquerda, sendo que o único elemento considerado de esquerda era o ministro Aires Machado. Pedro Fortunato revela também a constituição do aparelho de Estado: Nito Alves seria o presidente da República e do MPLA; José Van-Dúnem, primeiro-ministro; Aristides Van-Dúnem ficaria com a pasta do Trabalho; Betinho com a Educação; “Monstro Imortal” seria o ministro da Defesa; Aires Machado ficaria com a tutela do Comércio. Deve salientar-se que a implicação feita nestas declarações sobre Aristides Van-Dúnem, secretário-geral da UNTA (Central Sindical) foi dos primeiros a condenar veementemente o fraccionismo, após a intentona falhada”.

Mais este telegrama do embaixador Sá Coutinho datado de 27 de Maio:

“A calma que reina em Luanda após a tomada da Rádio Nacional não significa paz e deixa prever novos incidentes pois receia-se que, após a derrota desta manhã as massas populares armadas tenham refluído para os musseques. No momento da redacção deste telegrama (17:00) ouviu-se intenso tiroteio na zona do Bairro Operário. Receia-se escalada da violência pela noite”.

No dia 31 de Maio de 1977 o embaixador Sá Coutinho escreveu para Lisboa:

“Os grupos nitistas assaltaram a cadeia de S. Paulo onde se encontravam detidos cidadãos portugueses, prisioneiros do MPLA. Segundo declarações do presidente Neto e uma notícia do Jornal de Angola apenas saíram os partidários nitistas e os marginais tendo-se recusado a sair os do ELP (Exército de Libertação de Portugal, grupo de extrema direita português), da OCA (Organização Comunista de Angola, de orientação maoísta fundada em 1975 no seio do MPLA), os sul-africanos e os mercenários”.

O Presidente Agostinho Neto, no próprio dia 27 de Maio fez esta declaração, enviada para Lisboa pelo embaixador Sá Coutinho:

“Os radicais são apoiados por extremistas de Portugal. Têm relações muito íntimas com Portugal. São indivíduos que funcionaram sempre dentro das ideias de um esquema europeu e extremista em termos de organização. A confrontação aqui é que nós defendemos a unidade nacional. Eles não”.

 Betinho, segundo o embaixador Sá Coutinho, implicou o ministro Aires Machado (Minerva) e denunciou o envolvimento de “alguns portugueses que vivem em Angola”. Contou o que aconteceu numa reunião, realizada antes de 21 de Maio, data da expulsão de Nito Alves do Comité Central do MPLA:

“Na reunião tentámos esboçar um plano para o caso de Nito Alves vir a ser expulso do Comité Central. Se viesse a dar-se esta eventualidade, prevíamos desencadear uma insurreição, que é o tal golpe de Estado que deveria ter início em Malanje. Um levantamento de massas populares em Malanje e que deveria culminar aqui em Luanda. Os militares tinham informado Nito Alves de que havia a possibilidade de realizar um golpe de Estado a partir dos quartéis”.

A 16 de Julho de 1977, o Bureau Político do MPLA emitiu um comunicado onde está escrito:

“Sita Valles passou a controlar todo um conjunto de elementos, muitos dos quais se diziam ligados ao Partido Comunista Português, o que a seu tempo o PCP veio a desmentir”.

No dia 22 de Novembro de 1977 foi anunciada a prisão de Bakalof, Vicente Fortuna e Agostinho Sebastião. Diz o comunicado do Estado Maior-General das FAPLA: “Bakalof e Vicente Fortuna viviam em Luanda na clandestinidade. Agostinho Sebastião foi capturado integrando um bando armado da FNLA“.

No final de 1977 ainda estavam a ser presos membros da direcção política e militar do golpe de estado. Membros das FAPLA que participaram nas acções golpistas, sobretudo em Luanda. Ao mesmo tempo, as tropas angolanas combatiam as forças zairenses e da FNLA no Norte de Angola, enfrentavam as bolsas da UNITA criadas, armadas e municiadas pelos invasores sul-africanos em Março de 1976. E sobretudo enfrentavam as acções desestabilizadoras lançadas pelos racistas de Pretória a partir da fronteira da Namíbia. Eis um excelente tema para debater: O que fazer a quem, num país em guerra, mata dois terços da cúpula militar?É capturado de armas na mão? Assume que fez parte da direcção política e militar de um golpe militar sangrento? Vamos ao debate!

Por mim, estou pronto. Pontos principais a debater. O assalto e ocupação da IX Brigada das FAPLA é uma manifestação pacífica ou um golpe militar? Um pormaior: Os assaltantes mataram quem se lhes opôs. O assalto à Rádio Nacional de Angola, com tremenda violência, é uma manifestação pacífica ou uma acção golpista? Um pormaior: O Betinho sabia o que estava a fazer. O  “Kudibanguela” foi criado por mim, pelo Zé Andrade (ZAN) e pelos manos Neves (Artur e Fernando) no seio do Contacto Popular, um programa radiofónico que eu realizava e o Zé Andrade (ZAN) produzia e apresentava. Jovens das comissões de bairro entraram para a Rádio indicados pelo Órgão Coordenador das Comissões Populares de Bairro. Quanto a Voz de Angola foi extinta, arranjei um espaço na grelha de programas da Emissora Oficial, para aqueles jovens continuarem a fazer o que tanto gostavam.

Tudo se perdeu quando fui para o Diário de Luanda. Esses jovens, com poucos meses de experiência, ficaram sozinhos mas deviam continuar tutelados por quem soubesse mais. Em menos de três meses o Kudibanguela estava dominado pelo camarilha de Nito Alves. Disse ao Betinho, o membro do grupo com quem eu mais falava, que Neto não se escreve com um “i”. Pedi-lhes que não se metessem em aventuras. Meteram. Um dia encontrei o Betinho num serviço e ele falou comigo como se fosse a rainha de Inglaterra mas sem platina nem a perna marota. Já se imaginava ministro.

Vamos ao debate que se faz tarde. Mas não digam que a porcina Margarida só ouviu os bandidos e as bandidas fraccionistas, porque não tinha quem ouvir do outro lado. Tinha muita gente. E tinha muito documento padra consultar. Não o fez porque preferiu a porcaria.

Ponto final do debate: Atirar com um tanque contra o portão de uma prisão onde estão mercenários condenados a pesadíssimas penas de prisão, militares do ELP (Exército de Libertação de Portugal) capturados no Norte de Angola antes da Independência Nacional, matar elementos da guarnição e um alto dirigente do Ministério da Defesa (Hélder Neto) é uma manifestação pacífica ou um acto de guerra? Vamos debater tudo. Se os porcos não primarem pela falta de comparência. Não acredito que os donos do Agualusa o deixem enfrentar gente de verdade. Ele só se move no mundo dos vermes.

*Jornalista

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