quarta-feira, 27 de julho de 2022

Portugal | Crise para todos? Não, a Galp tem lucros de 420 milhões de euros

Os trabalhadores relembram o encerramento criminoso da refinaria do Porto e que há uma drenagem da economia portuguesa. O Governo continua a recusar taxar lucros extraordinários das empresas energéticas.

Os lucros da Galp subiram 153% no primeiro semestre, face a igual período de 2021, para 420 milhões de euros, com o resultados a reflectirem um «desempenho operacional robusto», divulgou esta segunda-feira a empresa.

No ano passado o resultado líquido da Galp tinha sido 166 milhões de euros.

Em comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), a Galp adianta que no segundo trimestre o lucro alcançou os 265 milhões de euros, o que compara com 140 milhões de euros em termos homólogos.

«Os resultados da Galp no segundo trimestre reflectem um desempenho operacional robusto, com a empresa a capturar com sucesso as condições favoráveis de mercado, nomeadamente nas actividades de 'upstream', refinação e renováveis», lê-se no comunicado enviado pela a empresa à CMVM.

O resultado antes de impostos, juros, depreciações e amortizações (EBITDA) ajustado foi de 2.114 milhões de euros, um aumento de 97% face a igual período de 2021, e no segundo trimestre ascendeu a 1244 milhões de euros, valor que compara com 571 milhões de euros um ano antes.

Trabalhadores denunciam encerramento criminoso da refinaria do Porto

A Comissão Central dos Trabalhadores da Petrogal, detida pela Galp, emitiu um comunicado sobre a apresentação dos resultados:

«Em dia de apresentação de resultados, o encerramento da Refinaria do Porto [Matosinhos] é um espectro que continua a assombrar a Administração Amorim e o primeiro-ministro António Costa pelo miserável serviço prestado ao país. Os resultados são o prémio inacreditável da incompetência, dos despedimentos e da destruição social.»

«A Administração apresentou os resultados do 2.º trimestre deste ano, os melhores de sempre e criam a expectativa de que também os resultados anuais batam recordes. A refinação reafirmou-se como uma área muito lucrativa da Empresa/Grupo, aliás retomou um lugar que era seu e que muitos acharam pertencer ao passado. Ao que parece, a morte da refinação foi mais um boato manifestamente exagerado.»

«A CCT repetirá mil vezes que as refinarias continuam a ter um papel central na soberania energética do país, produzindo os combustíveis que continuam a ser necessários para alimentar as cadeias de abastecimento e a generalidade dos transportes e, ao mesmo tempo, desenvolver os novos combustíveis de menor intensidade carbónica.»

«Os resultados são estratosféricos, mas poderiam ser ainda mais massivos, caso a Refinaria do Porto [Matosinhos] continuasse a produzir combustíveis, produtos químicos e óleos-base, o que leva a CCT à conclusão da Empresa/Grupo não ter capturado todo o valor. Aliás, estes resultados são um hino à falta de visão estratégica, ao seguidismo acéfalo, ou então não, apenas ao oportunismo de quem se tentou aproveitar de uma situação pandémica para concretizar os seus objectivos pequeninos. Eis que surge agora o Grupo Amorim a recolher uma batelada de milhões de euros, simplesmente caídos do céu, por mais asneiras que tenha feito.»

«A CCT já desafiou a Administração a tornar públicas as contrapartidas obtidas com o encerramento da instalação a norte por apenas dessa forma podermos avaliar até que ponto se pode considerar gestão danosa. Mais grave, há uma tremenda opacidade e eventual conflito entre o posicionamento do Grupo Amorim enquanto accionista de referência da Empresa e possíveis negócios na área do imobiliário nos terrenos da Refinaria. Apenas o futuro o dirá e a CCT ficará atenta.»

Em Fevereiro de 2022, a mesma Comissão Central de Trabalhadores da Petrogal, disse que a empresa pretendia aumentar os dividendos dos accionistas, considerando que se trata de uma «drenagem» da economia portuguesa. Cenário que provavelmente se repetirá com estes lucros extraordinários.

Governo recusa taxar os lucros extraordinários da GALP

Apesar da Comissão Europeia e a OCDE terem recomendado a taxação dos lucros extraordinários das empresas energéticas, e vários países já o terem feito, o Governo português está mais interessado em incentivar os «investidores».

No seu relatório «REPowerEU» a Comissão Europeia defendeu «que os Estados-membros podem considerar medidas fiscais temporárias sobre os lucros excecionais e, excecionalmente, decidir capturar uma parte desses rendimentos para os consumidores», a Comissão Europeia abria a porta a que os lucros «adicionais» das energéticas sejam tributados de forma mais expressiva, redistribuindo essa receita fiscal aos consumidores finais (cidadãos e empresas).

No entanto, o Governo português declarou repetidamente que iria criar uma taxa sobre lucros extraordinários das empresas. Confrontado, em Maio, com os lucros inesperados de empresas energéticas e grandes grupos do mercado retalhista, o ministro da Economia garantiu que «não podemos estar sempre a hostilizar as grandes empresas portuguesas como a Galp, a EDP ou a Sonae».

«Não sou defensor da síndrome do Portugal dos Pequeninos. Precisamos das grandes empresas para dinamizar a economia. Elas são uma componente essencial do nosso tecido económico», disse o ministro, em resposta aos deputados que lhe pediram, na altura, para explicar os lucros da Galp no primeiro trimestre de 2022.

No que diz respeito ao preço dos combustíveis, o ministro foi mais longe na defesa dos preços cada vez mais altos praticados pelas empresas: «não temos indícios de irregularidades nos preços praticados até agora. Temos a ASAE e a ENSE na rua a fiscalizar os preços e a garantir a implementação da descida do ISP».

PCP quer fixar margens máximas para o sector para combater a especulação e subida de preços

Recorde-se que o grupo parlamentar do PCP apresentou, em Março deste ano, um projecto de lei para a criação de um novo preço de referência para os combustíveis e para a fixação de margens máximas sem carácter de excepcionalidade. Medida que foi chumbada pelo PS e PSD.

«Os aumentos dos preços e bens essenciais, dos combustíveis aos bens alimentares, passando pelo gás e energia eléctrica, assumem um carácter especulativo, servindo para aumentar os lucros milionários dos grandes grupos económicos», sustentou, na altura, a líder da bancada comunista, Paula Santos, em conferência de imprensa nos Passos Perdidos da Assembleia da República.

No diploma, o PCP propunha que a Entidade Nacional para o Setor Energético (ENSE) definisse para cada combustível um preço de referência, «tendo como base o preço real médio de aquisição do barril de petróleo que é objecto de refinação, acrescido de uma margem não especulativa, definida com base em critérios técnicos e económicos que incorporem os custos operacionais da refinação, incluindo os custos efectivos com o transporte do petróleo».

As propostas do PCP foram chumbadas, na altura, pelo PS e partidos de direita. 

AbrilAbril

Imagem: André Brown, presidente executivo da Galp Energia // Manuel de Almeida - Lusa

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